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Da Redação
Publicado em 23 de outubro de 2021 às 05:29
- Atualizado há 2 anos
Imagine que você é um investidor e se vê seduzido por licitação cujo objeto é uma concessão de serviço público. Examina o edital e constata que a contratação não envolverá verbas públicas. Ao contrário, será necessário captar receitas e efetivar, de partida, aportes de centenas de milhões, se não bilhões, de reais. Mais: haverá investimentos periódicos durante 10, 20 ou até mais de 30 anos. Tudo remunerado pela receita tarifária definida no edital. >
Já numa primeira leitura, você constata que os contratos de concessão têm estrutura econômico-financeira peculiar. Nascem devido a aportes do investidor privado, mas sobrevivem às custas das receitas tarifárias. Sem tarifas, ou se forem irrealistas, o projeto não se sustenta. Tanto isso é verdade que se prestam a garantir os mútuos efetuados pela futura concessionária: os bancos fazem empréstimos garantidos pela receita tarifária. Ela é o oxigênio que mantém o projeto vivo.>
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Todavia, os editais de licitação não contam um segredo de polichinelo: as tarifas são preços administrados. Não se submetem às regras de mercado, mas a reajustes, revisões e até intervenções do poder concedente (o mesmo que havia feito a oferta sedutora). É a administração pública quem controla a tarifa a ser paga pelos usuários. O que instala riscos quanto à receita necessária ao contrato, que, apesar de ser garantida por lei, nem sempre é respeitada pelo poder concedente. Serão muitos os desafios, pontuados pela certeza de que existirão vários mandatos e eleições no curso do contrato. Daí a tentação do populismo tarifário, que subverte a lógica alardeada pelo edital de licitação e envenena o contrato.>
Caso não haja regulação independente e o gestor público consiga manusear a tarifa visando ganhos de popularidade, estará escrevendo a sentença de morte do projeto de interesse coletivo. Num primeiro momento, pode soar atraente (e até gerar votos). Mas isso é só por um piscar d’olhos no longo prazo do contrato: é simplesmente impossível prestar serviços ou executar obras sem a adequada receita tarifária. O usuário, que imagina pagar menos, depois arcará com custos desproporcionais. A tarifa hoje diminuída ou represada significa maior acréscimo tarifário amanhã. Daí a enorme cautela com essa ordem de intervenções populistas.>
A execução do projeto de interesse público, tal como divulgado pelo edital que atraiu os investidores, não pode se deixar seduzir pelo canto de sereia do populismo tarifário. Medidas que desrespeitem o contrato não serão só ilegais. Não só violarão o contrato e a segurança jurídica. Muito mais, impedirão a prestação do serviço adequado aos usuários de serviços públicos. Todos perdem com isso.>
Egon Bockmann Moreira é professor de Direito Econômico da Universidade Federal do Paraná, Mestre e Doutor em Direito, Especialista em Regulação e Concorrência (Univ. de Coimbra) e em Mediação (PON - Harvard e Straus Inst. - Pepperdine), Advogado e Árbitro.O Projeto Bahia Forte é uma realização do Correio com patrocínio da Viabahia e Wilson Sons.>