Os amores do Bahia

Paulo Leandro é jornalista e prof. Dr. em Cultura e Sociedade; estuda filosofia

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Publicado em 11 de setembro de 2017 às 10:34

- Atualizado há um ano

O sentimento ao qual chamamos vulgarmente amor pode encontrar ambiente favorável entre os torcedores que devotam grande parte de seu tempo e investimento ao relacionamento sério, aquele que realmente importa, o eterno retorno, a vida que vale a pena: o clube do coração!

Este amor, que alcança seu clímax e êxtase ao afetar o torcedor, já teve diferenciados status desde a primeira reflexão, contida no Banquete, de Platão, naqueles idos de antes de Cristo, cuja edição, pela velha Atena paulista, merece sua aquisição nos bons sebos da Rua Ruy Barbosa.

Na origem, o amor foi Éros: amávamos na ausência, na falta, no desejo. Depois veio a opção philia: amor nos encontros para aumentar nossa alegria e potência de agir. O amor fati é mais recente: amar tudo o que acontece e amar mesmo quem nos entristece: ser fiel a quem nos trai.

Já o amor ágape cristão, desenvolvido no milênio de apogeu do Vaticano, recomenda amar ao outro de tal forma que nossa alegria é dar, conceder, nutrir, ver o outro feliz, saltitante e sorridente. Voltando a nosso objeto, o amor torcedor parece ter desenvolvido um ágape reverso.

Este amor incondicional do torcedor pede eternizar referências. Tomemos como exemplo o Bahia, que enfrenta hoje o Atlético em Goiás. De quem lembramos como exemplos de amor ao Bahia? Raudinei, Zé Carlos, Bobô, Evaristo, Maracajá, Osório, Beijoca, Osni, Douglas...

Talvez Baiaco e Lourinho? Muito pouco! Merecem enciclopédias os abnegados (negados de si mesmos), heróis da Era Mitológica do Bahia. Da dedicação deles, nas primeiras décadas do clube-nação, ficou o rastro do amor total dedicado pelo torcedor na contemporaneidade.

Vejamos apenas dois casos entre milhares, talvez milhões.  O Bahia estava para ser despejado de sua sede por atraso no aluguel. As belas e louras taças, já em multiplicação, foram levadas da Princesa Isabel para a sede do amigão Botafogo, que ficava no Santo Antônio Além do Carmo.

Casa vazia, lá vem o oficial de Justiça. O jovem Bahia no olho da rua. Sob a marquise, ao relento, a camisa coberta em folhas de jornal. Para o presidente Mário Sandes, era insuportável. Perto de contrair núpcias, Sandes considerou o Bahia um valor maior. E adiou seu casamento.

Sim, o dinheirinho que ele vinha juntando para o enxoval foi todo para honrar os atrasados. E o Bahia permaneceu em sua sede, modesta, é verdade; alugada, sem dúvida; mas permaneceu em seu lar doce lar. Um grande clube não ia morrer assim. O amor de Mário Sandes salvou o Bahia.

Outro super-exemplo tricolor é o de Carlos Wildberger, que torrou parte de seu patrimônio – e não era pouco. De um só surto, deu outra energia ao Campo da Graça e um “up” ao futebol baiano: Papeti, Bianchi e Avalle, dois argentinos e um italiano ídolo na Argentina. Ostentação!

Doou-se inteiro ao Bahia o nobre Carlos. A família não curtiu. Terminou seus dias lecionando francês. Tomava cafezinho, se ofereciam. Para coroar o amor como entrega total, pediu um empreguinho qualquer ao Bahia, só para morrer no ambiente de sua paixão – último sonho!

A resposta foi um imenso NÃO, proporcional ao amor que dedicara. O amor ao Bahia merece um monumento ao tricolor desconhecido: um clube sem dono ou dona, feito por todos e todas. São belíssimas histórias cheias de valores desportivos e lições de um amorzão que resiste.