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Os capitães da areia ainda estão nas ruas

  • D
  • Da Redação

Publicado em 9 de março de 2020 às 14:30

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Jorge Amado publicou Capitães da Areia em 1937, quando o ano 2000 simbolizava um futuro distante. No clássico literário, Salvador é palco da história dos meninos do trapiche, crianças e adolescentes excluídos dos mais básicos direitos e que cometem pequenos delitos para sobreviver. Tortura, preconceito e opressão estão presentes no cotidiano dos jovens, esquecidos e relegados à própria sorte.

Recente pesquisa realizada pela Defensoria Pública da Bahia traz uma dura lembrança: os capitães da areia ainda são reais. Pedro Bala, Sem-Pernas, Professor, Dora e outros tantos personagens retratados na obra do século passado vivem na figura dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa nas Comunidades de Atendimento Socioeducativo (CASE’s) masculina e feminina de Salvador.

Negro, trabalhador, sem escola, sem pai presente. Esse é o retrato do adolescente internado. O estudo aponta que 96,6% dos apreendidos são pessoas negras, 70,8% não frequentavam a escola no momento da apreensão e 78% não viviam com o pai (38% sequer tinham qualquer contato com ele).

Vale ressaltar a característica de “trabalhador”, uma vez que eles são frequentemente taxados de “vagabundos”. Os dados provam o contrário (54% dos jovens trabalhavam no momento da apreensão) e os relatos também.

“Às vezes não tinha dinheiro pra pagar aluguel e ia pra rua. Chovia e eu ficava na rua, fazia um frio danado, ia pro trabalho com fome”.

Nesse depoimento, relatado na pesquisa, percebemos o quanto a vida cobrava caro de um jovem carente. Enquanto os de classe média estudavam inglês, catecismo, ballet ou simplesmente brincavam, o João Grande moderno pagava aluguel e já vivenciava as agruras do mercado de trabalho.

De fato, a ficção se confunde com a realidade daqueles que, desde cedo, são abandonados pela família e/ou pelo Estado, vivendo em condições precárias nas favelas e cortiços situados nas periferias.

Pouquíssimos entrevistados têm recordações de brincadeiras na meninice. A maioria, contudo, encarou a miséria e o abandono ainda criança. Como no livro, eles aguardam ansiosamente um dia de Carrossel Japonês, mas as suas vidas são cheias de negativas.

“Eu [me] aproximei da criminalidade por receber muitos ‘nãos’. Em busca de trabalho, recebia não. Muitas portas se fechando na minha cara, acabei me revoltando”, conta um dos socioeducandos.

A hora é de exigir o “sim”. A Defensoria escancarou essa necessidade, que perdura desde antes de 1937, e tem feito ações positivas para acolher os jovens de Salvador, a exemplo do projeto Abraçando Vidas, que traz socioeducandos para estagiarem na Instituição. Assim, ensina, traz novos olhares, capacita profissionalmente e distribui renda.

Para melhorarmos o cenário de Capitães de Areia em 2020, os adultos precisam ler um pouco mais de Jorge. Os garotos precisam ser amados.

Rafson Ximenes é Defensor Geral da Bahia e Lucas Marques é Defensor Público

Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores