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Da Redação
Publicado em 8 de março de 2020 às 05:10
- Atualizado há 2 anos
Flores e bombons não combinam com o Dia Internacional da Mulher. As felicitações recebidas escondem o que deveria vir como um lamento: parabéns por, até hoje, você ter sobrevivido, apesar do machismo. Os números estão aí para demonstrar isso. O Brasil registra mais de 180 estupros por dia, a maioria praticada por conhecidos das vítimas. Por ano, são mais de 250 mil boletins de ocorrência de violência doméstica. Nos casos de feminicídios, 89% foram praticados por companheiros ou ex-companheiros. Todos os dados são do 13o Anuário de Segurança Pública.>
Ser mulher no Brasil não é fácil. Em especial quando essa experiência é imbricada com outras questões, como as desigualdades de classe, o racismo, a lesbofobia e a transfobia. O Brasil é um dos países que mais agride e mata lésbicas e transexuais e a violência contra as mulheres negras segue aumentando. Isso sem falar no assédio constante nas ruas, no transporte público, no local de trabalho.>
Ao longo das décadas, as mulheres têm ocupado as ruas no 8 de Março para dar um basta e reivindicar direitos. Participação política, trabalho, enfrentamento às desigualdades étnico-raciais e de classe, liberdade sexual e reprodutiva, contra a violência, todas são temáticas presentes nas passeatas. As conquistas nos últimos 120 anos, quando essas manifestações começaram a ocorrer nos Estados Unidos e na Europa, chegando um pouco depois aqui, não foram poucas. Direito ao voto e à candidatar-se, ao aborto, ao divórcio, à herança, ao emprego registrado, à educação formal e à aposentadoria foram conquistas parciais obtidas pelas mulheres.>
No entanto, a desigualdade persiste, como demonstram os dados citados no início do texto. E, ao invés de cada vez mais termos nossa cidadania plenamente reconhecida, recentemente assistimos a um retrocesso enorme. Este momento pode ser sintetizado por duas passagens bastante simbólicas: a primeira, na posse de Jair Bolsonaro como presidente da República, quando ele afirmou que combateria a “ideologia de gênero”, um termo utilizado pelos conservadores para deslegitimar as lutas por equidade; a segunda, pouco depois, quando circulou um vídeo pela internet com a ministra Damares Alves (Mulheres, Família e Direitos Humanos) comemorando o fato de que esse governo defenderia “menino veste azul, menina veste rosa”. Tais discursos, somados a medidas práticas como a redução das políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher e à proposta absurda e totalmente descabida de celibato para a juventude, apontam que teremos tempos duros pela frente.>
Diante desses ataques, o movimento feminista se mantém vivo e atuante. E, aliás, está crescendo: vimos uma nova geração se formar, ocupando as ruas e a internet. As jovens feministas estão em todos os lugares, assim como suas mães, tias e avós sempre lutaram para estar. Quanto mais dizem que não devemos, mais nós sabemos que podemos.>
*Maíra Kubík Mano é professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia>