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Moyses Suzart
Publicado em 13 de dezembro de 2025 às 05:00
Vamos combinar? Antes de continuar esta leitura, é bom saber alguns detalhes. Estamos desprovidos de caretice, pois a matéria é contra os extremos. Não estamos fazendo apologia, tampouco lançando preconceito para quem busca a legalização da erva, ok? Mas, convenhamos, a ideia é massa (de pizza). A DiLaura, pizzaria localizada na Pituba, virou um ponto fora da curva no cenário gastronômico da cidade. Não é apenas o sabor, que possui mais de 70 opções no menu, mas a estética, o discurso e o jeito próprio de se relacionar com o público que transformou a marca em um fenômeno que faz a cabeça de quem aprecia o lugar. Lá, se mistura gastronomia com larica ou fome, tanto faz. >
Em uma Salvador cada vez mais atenta às discussões sociais e culturais, a casa encontrou um ponto de equilíbrio incomum: usa o universo da cannabis como linguagem, sem cair no estereótipo raso. Lá se constrói uma identidade que mistura humor, crítica e pizza de qualidade. E, no centro disso, uma personagem que nunca existiu fisicamente, mas se tornou tão real quanto o cheiro de massa assando na brasa: a Vovó Laura.>
“A Vovó Laura não existe de fato, ela vive no imaginário das pessoas. A brincadeira começa no próprio nome: ‘Laura’ vem de ‘larica’. Muita gente fala ‘Tô de Laura’, e, naturalmente, nasceu a DiLaura”, explica Thiago Oliveira, publicitário e responsável pela comunicação da marca. Ele conta que humanizar essa estética foi um ponto-chave. “Trazer uma vovó para esse lugar ajuda a quebrar o estereótipo. A DiLaura não é sobre ser ou não ser maconheiro. É sobre vibe, identificação e, claro, sobre comida boa.” A pizza, ele faz questão de frisar, não brinca em serviço: são sabores potentes, combinações ousadas, massas bem recheadas e criações que conquistam até os clientes que chegam ali sem nem notar a temática, apesar dos personagens pintados na parede com os olhos vermelhos e uma fisionomia um tanto relaxada. >
A identidade atual da marca nasceu quando Thiago se aproximou dos donos, Ciene Rosa e Igor da Silva Neto, que já trabalhavam com gastronomia antes de abrirem a pizzaria. Ele percebeu que havia ali uma potência não explorada. “A DiLaura é muito real. Nada ali é só marketing. A gente acredita de verdade no que comunica. Quando cheguei, vi uma oportunidade clara de alinhar a marca ao que os donos realmente pensam e acreditam”, conta. A partir daí, veio uma nova linguagem, uma nova estética e uma nova vovó, desenhada pelo ilustrador baiano Caique Pituba. Os olhos vermelhos da personagem viraram marca registrada e, curiosamente, muita gente acredita que ela realmente existe.>
Os donos compraram a ideia. “No fim das contas, a gente só juntou duas coisas que sempre caminharam juntas: comida e conversa. A pizza vira o pretexto, o resto acontece na mesa, no feed, na troca. Não tem fórmula, tem verdade”, disse Igor. >
Pizzaria DiLaura
No cardápio, nomes bem sugestivos como papai Smurf, D2 e Elba Ramalho, além de uma pizza diferente, que vem enrolada como um cigarro. Infelizmente, ela não é o carro-chefe. “A pizza Bem Bolada não é nosso carro-chefe. Ela nasceu de uma parceria com a marca Bem Bolado. Foi tão bem recebida que acabou entrando no cardápio, mas quem reina mesmo são as pizzas de camarão, como a Mary Jane, a calabresa com cebola caramelizada e misturas como a Cleópatra, com abacaxi”, enumera. O conceito da marca, segundo ele, é gerar experiências, combinações inesperadas que “fazem a pessoa viajar comendo”.>
Com o crescimento nas redes sociais, a DiLaura passou a falar de temas maiores que pizza. O perfil se posiciona sobre legalização, direitos humanos e questões sociais, sempre embalado pelo humor ácido que virou assinatura. “Toda vez que você escolhe um lado, existe risco. Mas isso nunca foi um problema pra gente. Salvador é engajada. Não faz sentido apoiar algo que é contra o que acreditamos”, afirma Thiago. Segundo ele, o compromisso é simples: autenticidade. E isso aparece tanto nas postagens virais quanto nas ações especiais com caixas de pizza. “Já imaginou uma família recebendo uma caixa com uma frase sobre racismo ou violência policial? A gente quer provocar reflexão, e, se a pessoa estiver refletindo enquanto come uma DiLaura, melhor ainda.”>
A estética canábica, apesar de muito presente, já virou parte natural da experiência. Às vezes um cliente pergunta, curiosamente, o que significam os olhinhos vermelhos no Pernalonga grafitado na parede do restaurante. Outras vezes, alguém pede para ‘acender unzinho’ dentro da pizzaria, o que sempre vira piada no balcão. “Essa está no top 3 pedidos: um fumódromo. Mas não dá, né? O que a gente imagina é que muita gente chega com o olho vermelho… talvez só cansados também. Tadinhos…”, diz Thiago.>
A história da marca, no entanto, não se sustenta apenas no humor. Há um propósito real sobre representatividade, liberdade e acolhimento: elementos que ajudaram a DiLaura a se tornar um espaço onde clientes se reconhecem. Em pouco tempo, ela cresceu, virou referência e ultrapassou os limites de Salvador com postagens que rodaram o Brasil. O perfil no Instagram (@dilaura1620) tem quase 40 mil de seguidores. >
A combinação entre autenticidade, posicionamento e sabor construiu uma marca que fala de legalização sem parecer panfleto, diverte sem ser caricata e serve pizza com a mesma intensidade da narrativa que criou. Em uma cidade onde gastronomia, humor e política convivem lado a lado, a DiLaura encontrou o tom certo e fez disso seu diferencial. E um bom lugar para curar a larica…>