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Thais Borges
Publicado em 10 de agosto de 2025 às 05:00
Até pouco tempo atrás, a única escola municipal do território quilombola de Alto do Capim, na zona rural de Quixabeira, município do Centro-Norte baiano, tinha alguns dos piores resultados da rede de ensino. Em 2019, antes da pandemia da covid-19, outras escolas já começavam a ter resultados melhores de alfabetização no tempo certo, mas a Emef Antônio Lúcio de Santana continuava atrás das outras. >
“Em 2019, encontramos uma escola que não tinha autoestima. Nossos meninos não acreditavam em si”, lembra a diretora da instituição, Táscia Mireli Macedo, que assumiu o cargo naquele ano. “Os professores, muito amáveis e preocupados, trouxeram essa realidade. Com base nisso, a gente começou a intervir. No final de 2019, fizemos uma análise com a Secretaria Municipal de Educação para entender por que não estava dando certo ainda. Uma escola só avança se mexer na base alfabetizadora”, diz. >
Hoje, a Emef de Alto do Capim é um dos símbolos de uma conquista do município: Quixabeira alcançou o maior percentual de alfabetização na idade certa do estado: 75,47% dos alunos do 2º ano do ensino fundamental foram alfabetizados em 2024. Além de Quixabeira, apenas dois municípios baianos (Novo Horizonte e Malhada de Pedras) tiveram índices superiores a 70%, de acordo com o Indicador Criança Alfabetizada, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), no mês passado. >
A Bahia foi o estado que teve a pior colocação no Brasil, com 37% de crianças que aprenderam a ler e a escrever na idade certa. A meta era 50%. Quixabeira, contudo, deu um salto: saiu de 38,7% em 2023 para quase o dobro em um ano. A meta era 45,13%. >
Uma das principais razões para o resultado do município de 9,4 mil habitantes foi a ampliação das escolas em tempo integral, em 2024, segundo a secretária de Educação Denise Lima. As aulas acontecem de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. >
“Hoje, estamos com quase 100% das escolas funcionando em tempo integral. Só não conseguimos ainda algumas da pré-escola, mas todas a partir do primeiro ano são de tempo integral”. A rede tem 22 instituições e pouco mais de mil estudantes. “Os alunos têm mais tempo de estudo, além de serem envolvidos em outras atividades no contraturno - de linguagens a atividades esportivas”. A cidade é gerida pelo prefeito Dinho do Piloto (União). >
Proximidade>
Um dos problemas em Quixabeira passou a ser fiscalizado mais de perto. Para a professora Táscia Mireli Macedo, diretora da Emef de Alto do Capim, foi um movimento para “retirar maus hábitos”. “Quixabeira era um lugar que, por qualquer coisa, não tinha aula. A gente não tinha horário fixo de entrada e saída da escola. Os alunos chegavam atrasados ou saíam mais cedo e era normal. A gente começou a olhar esses detalhes, enquanto investia em formação”, diz. >
Ela cita, ainda, o investimento na contratação de professores. Em Alto do Capim, não era incomum que docentes que tinham dificuldade com turmas maiores ficassem com o primeiro e o segundos anos. “Foi conversado com os professores para reforçar que não eram professores ruins, mas às vezes era alguém que estava perto da aposentadoria, não tinha uma metodologia tão atual ou não aceitava se atualizar. Você tem que ser aberto com os profissionais. Alto do Capim é uma comunidade quilombola muitas vezes vista como inferior, por alguns. Nós decidimos tratar não com igualdade, mas com equidade”. >
Outra medida específica da escola citada por ela foi um projeto chamado Escola Cívica, em parceria com a companhia de Polícia Militar do município: um PM que é professor vai conversar com as turmas e famílias duas vezes por semana para orientar sobre a importância do acompanhamento escolar. “Costumo falar que foi um olhar reparatório. Hoje, nossa turma de segundo ano está no mesmo patamar das escolas da sede ou maior, com aproveitamento de mais de 85% em língua portuguesa e matemática”. O projeto foi pontual, mas alunos com alguma dificuldade podem ser acompanhados pelo centro de educação especializada. >
Ainda na educação infantil, os alunos de Quixabeira começam a ser inseridos nos campos de experiência como leitores. “Não é no sentido de decodificarem códigos, mas de estarem envolvidos no mundo literário. A partir do primeiro ano, o aluno começa a trabalhar a decodificação”, diz a secretária Denise Lima. >
Os professores têm oito horas mensais de formação continuada. Além disso, há atividades complementares em cada escola. A rede trabalha com a teoria da pedagoga argentina Emilia Ferreiro, que promove diagnósticos de base alfabética. “Ela divide a etapa de alfabetização em vários níveis. Quando o aluno entra na educação infantil, aos quatro anos, ao ler, não separa códigos de letras. Com cinco anos, ele já passa a atribuir valor sonoro para aquelas letras e já deve conseguir diferenciar uma bolinha de uma letra. No segundo ano, precisa identificar o sentido de um texto. No terceiro ano, ele precisa já estar alfabético, que é diferente de ortográfico. O alfabético já consegue construir palavras, sons e construir frases”, completa Denise. >
Os professores são orientados a trazer a realidade dos alunos para a aula. Assim, tudo que é ensinado precisa vir contextualizado. Na Emef de Alto do Capim, a turma do primeiro ano tem 9 alunos e a de segundo tem 13 estudantes. Até o final do segundo ano, devem estar alfabetizados, mas 70% do primeiro ano já conseguiu isso. Na avaliação da diretora Táscia Mireli Macedo, isso foi possível também por ser uma das menores turmas, o que permite acompanhamento mais próximo. >
“Nós fazemos uma casadinha entre o método tradicional e o novo. Trabalhamos o lúdico, mas sem abrir mão da técnica silábica. Se a gente trabalha uma música numa coreografia com a criança, vou levar a música para o quadro, apresentar as sílabas. É uma abordagem dos alunos como protagonistas do saber, com o método histórico-crítico dos conteúdos”.>