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Donaldson Gomes
Publicado em 21 de setembro de 2025 às 08:00
A tão sonhada ligação rodoviária entre Salvador e a Ilha de Itaparica, cortando pouco mais de 12 quilômetros de mar pela Baía de Todos-os-Santos (BTS), já é uma realidade. Pelo menos em documentos oficiais, vídeos lindamente produzidos e apresentações que devem ter sido feitas por mestres no tal do Canva. Esta é a impressão de quem esteve na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-Ba), na última quarta-feira (dia 17). Além de estar presente no imaginário dos governistas, que buscam desesperadamente um mote para a próxima disputa eleitoral, a Ponte Salvador-Itaparica e o novo complexo viário em seu entorno existem de fato nas pranchetas de designers bastante talentosos. >
O plano foi apresentado para meia dúzia de parlamentares – todos muito próximos do governo estadual, o que explica o clima de ‘oba-oba’ durante a audiência –, além de jornalistas e alguns curiosos. Quem falou pelo governo estadual foi o secretário da Casa Civil, Afonso Florence, e o diretor de planejamento da Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), Mateus Dias. Além deles, o CEO do Consórcio Ponte Salvador-Itaparica, Cláudio Villas Boas, apresentou detalhes do projeto. Todos foram recepcionados pela presidente da AL-Ba, Ivana Bastos. >
Logo em suas primeiras palavras, Afonso Florence cometeu uma espécie de sincericídio, ao lembrar que a ideia de construir a ponte se arrasta desde o primeiro mandato de Jaques Wagner como governador, o que remonta ao ano de 2007. Portanto, vão se passar mais de 30 anos, e pelo menos seis eleições estaduais, sem que nenhum veículo atravesse os 12 quilômetros de BTS entre Salvador e Mar Grande, sem o uso do ferry-boat.>
“Este é um projeto de décadas, um sonho que a Bahia cultivou. Lembro que desde o primeiro ano de governo de Jaques Wagner fizemos estudos para a construção”, lembra. De lá para cá, o custo da obra praticamente dobrou, passando de R$ 6,5 bilhões para R$ 10,4 bilhões. E antes mesmo que o primeiro quilo de concreto da ponte tenha sido colocado na Baía de Todos-os-Santos, os mais de R$ 500 bilhões em recursos públicos foram aportados na parceria público-privada (PPP) para a construção da ponte. >
Quando falou sobre o atraso de cinco anos, desde a assinatura do contrato para o início das obras, Afonso Florence repetiu o discurso de que o problema foi a pandemia e disse que o aditivo intermediado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) foi o caminho para salvar o contrato. Obviamente, deu a entender que de agora em diante tudo vai ser diferente e cravou junho de 2031 como prazo para a inauguração da ponte. O secretário ainda confirmou a intenção do estado de criar uma secretaria para acompanhar o andamento das obras. >
A apresentação do projeto em si coube a Mateus Dias e Cláudio Villas-Boas. E, aqui para nós, se algum dia esta ponte for de fato tudo o que está no papel, será mesmo uma senhora ponte. Dias frisou que se trata de um projeto para as próximas gerações, o que diante de três décadas de espera, ninguém mais duvida. O powerpoint da sua apresentação mostrou que todo o sistema, cuja extensão será de 16 quilômetros, porque envolve ainda túneis e outras estruturas de acesso, trará competitividade logística, um novo eixo de expansão para a região metropolitana e o desenvolvimento do Baixo Sul da Bahia. >
Parêntesis aqui para comentar uma lâmina apresentada sobre os indicadores de desenvolvimento das regiões do estado que serão impactadas pela ponte. Todos os dados relacionados a Itaparica são vermelhos, o que significa que estão entre os piores resultados da Bahia. A ilha tem uma população de 58 mil pessoas e não merece esperar até que esta ponte saia do papel para se tornar alvo da atenção do estado.>
“Por que tem diferença de desenvolvimento entre a Região Metropolitana de Salvador (RMS) e Itaparica? Basicamente por conta do isolamento. Quando a gente rompe isso, o caminho natural é que os números de lá se tornem parecidos com os de cá”, ponderou Mateus Dias. >
Durante a construção, a projeção é de até 7 mil postos de trabalho, com prioridade para a população local. As projeções indicam ainda que mais de 10 milhões de baianos, num universo que hoje é de 14 milhões, serão beneficiados de alguma maneira se a ponte sair do papel. A viagem entre Salvador e Valença terá o seu tempo reduzido em 1h, completou Dias. >
Do outro lado da Baía, as promessas se estendem ainda em relação à duplicação da BA-001, uma ligação entre Santo Antônio de Jesus e Castro Alves, passando ainda pela criação de um contorno em Vera Cruz.>
Claudio Villas-Boas falou sobre a robustez econômica e a expertise dos grupos chineses envolvidos na PPP. Um deles, inclusive, construiu a maior ponte do mundo, com 55 quilômetros de extensão, em nove anos. Será que consegue construir uma de 12 quilômetros em cinco anos? >
A obra tem grandes desafios de engenharia, com o vão principal a 85 metros de altura acima do nível do mar. A estrutura ainda mergulha 60 metros mar adentro no trecho mais profundo. Com isso, o pilar principal da ponte terá um total de 218 metros e será ele quem determinará o tempo de obra, diz Villas-Boas. >
No papel, há cuidados para reduzir o impacto na importantíssima atividade marítima, passando pela construção de um novo canal de acesso ao porto de Salvador e uma passagem para navios que leva em consideração os próximos 50 anos de evolução nas embarcações, diz o CEO do consórcio. >
Talvez uma das mais inquietantes provocações apresentadas por Villas-Boas tenha sido um documento de 1878, do Arquivo Público da Bahia, mostrando que desde aquela época moradores da ilha pediam uma solução de conectividade com Salvador. Sem quaisquer condicionantes, o representante do consórcio apresentou o prazo de 1 ano para projeto, mais quatro de construção e outros 29 anos de operação.>
Por mais inquietante que seja pensar na incapacidade do governo da Bahia em gerir a obra de uma simples rodoviária, ou de um sistema de VLT, o que resta aos baianos é imitar a esperança da deputada estadual Ivana Bastos: “Só espero que Deus me dê vida e saúde para estar aqui em junho de 2031 na inauguração deste projeto”. Caso atrase, ou tenha qualquer outro tipo de contratempo, parece que pelo menos a função política da ponte estará garantida em mais uma disputa eleitoral no ano que vem, com o governo petista tentando vender o sonho de muitas gerações em troca de mais um período no poder. >