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A ponte de papel: que incertezas ainda persistem em maior projeto viário da Bahia

Há quase 30 anos o projeto é usado como vitrine política, mas segue distante da realidade dos baianos

  • Foto do(a) author(a) Donaldson Gomes
  • Donaldson Gomes

Publicado em 21 de setembro de 2025 às 08:00

Prazo divulgado mais recentemente é de inauguração em junho de 2031 Crédito: Divulgação

A tão sonhada ligação rodoviária entre Salvador e a Ilha de Itaparica, cortando pouco mais de 12 quilômetros de mar pela Baía de Todos-os-Santos (BTS), já é uma realidade. Pelo menos em documentos oficiais, vídeos lindamente produzidos e apresentações que devem ter sido feitas por mestres no tal do Canva. Esta é a impressão de quem esteve na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-Ba), na última quarta-feira (dia 17). Além de estar presente no imaginário dos governistas, que buscam desesperadamente um mote para a próxima disputa eleitoral, a Ponte Salvador-Itaparica e o novo complexo viário em seu entorno existem de fato nas pranchetas de designers bastante talentosos.

O plano foi apresentado para meia dúzia de parlamentares – todos muito próximos do governo estadual, o que explica o clima de ‘oba-oba’ durante a audiência –, além de jornalistas e alguns curiosos. Quem falou pelo governo estadual foi o secretário da Casa Civil, Afonso Florence, e o diretor de planejamento da Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), Mateus Dias. Além deles, o CEO do Consórcio Ponte Salvador-Itaparica, Cláudio Villas Boas, apresentou detalhes do projeto. Todos foram recepcionados pela presidente da AL-Ba, Ivana Bastos.

Logo em suas primeiras palavras, Afonso Florence cometeu uma espécie de sincericídio, ao lembrar que a ideia de construir a ponte se arrasta desde o primeiro mandato de Jaques Wagner como governador, o que remonta ao ano de 2007. Portanto, vão se passar mais de 30 anos, e pelo menos seis eleições estaduais, sem que nenhum veículo atravesse os 12 quilômetros de BTS entre Salvador e Mar Grande, sem o uso do ferry-boat.

“Este é um projeto de décadas, um sonho que a Bahia cultivou. Lembro que desde o primeiro ano de governo de Jaques Wagner fizemos estudos para a construção”, lembra. De lá para cá, o custo da obra praticamente dobrou, passando de R$ 6,5 bilhões para R$ 10,4 bilhões. E antes mesmo que o primeiro quilo de concreto da ponte tenha sido colocado na Baía de Todos-os-Santos, os mais de R$ 500 bilhões em recursos públicos foram aportados na parceria público-privada (PPP) para a construção da ponte.

Quando falou sobre o atraso de cinco anos, desde a assinatura do contrato para o início das obras, Afonso Florence repetiu o discurso de que o problema foi a pandemia e disse que o aditivo intermediado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) foi o caminho para salvar o contrato. Obviamente, deu a entender que de agora em diante tudo vai ser diferente e cravou junho de 2031 como prazo para a inauguração da ponte. O secretário ainda confirmou a intenção do estado de criar uma secretaria para acompanhar o andamento das obras.

A apresentação do projeto em si coube a Mateus Dias e Cláudio Villas-Boas. E, aqui para nós, se algum dia esta ponte for de fato tudo o que está no papel, será mesmo uma senhora ponte. Dias frisou que se trata de um projeto para as próximas gerações, o que diante de três décadas de espera, ninguém mais duvida. O powerpoint da sua apresentação mostrou que todo o sistema, cuja extensão será de 16 quilômetros, porque envolve ainda túneis e outras estruturas de acesso, trará competitividade logística, um novo eixo de expansão para a região metropolitana e o desenvolvimento do Baixo Sul da Bahia.

Parêntesis aqui para comentar uma lâmina apresentada sobre os indicadores de desenvolvimento das regiões do estado que serão impactadas pela ponte. Todos os dados relacionados a Itaparica são vermelhos, o que significa que estão entre os piores resultados da Bahia. A ilha tem uma população de 58 mil pessoas e não merece esperar até que esta ponte saia do papel para se tornar alvo da atenção do estado.

“Por que tem diferença de desenvolvimento entre a Região Metropolitana de Salvador (RMS) e Itaparica? Basicamente por conta do isolamento. Quando a gente rompe isso, o caminho natural é que os números de lá se tornem parecidos com os de cá”, ponderou Mateus Dias.

Durante a construção, a projeção é de até 7 mil postos de trabalho, com prioridade para a população local. As projeções indicam ainda que mais de 10 milhões de baianos, num universo que hoje é de 14 milhões, serão beneficiados de alguma maneira se a ponte sair do papel. A viagem entre Salvador e Valença terá o seu tempo reduzido em 1h, completou Dias.

Do outro lado da Baía, as promessas se estendem ainda em relação à duplicação da BA-001, uma ligação entre Santo Antônio de Jesus e Castro Alves, passando ainda pela criação de um contorno em Vera Cruz.

Claudio Villas-Boas falou sobre a robustez econômica e a expertise dos grupos chineses envolvidos na PPP. Um deles, inclusive, construiu a maior ponte do mundo, com 55 quilômetros de extensão, em nove anos. Será que consegue construir uma de 12 quilômetros em cinco anos?

A obra tem grandes desafios de engenharia, com o vão principal a 85 metros de altura acima do nível do mar. A estrutura ainda mergulha 60 metros mar adentro no trecho mais profundo. Com isso, o pilar principal da ponte terá um total de 218 metros e será ele quem determinará o tempo de obra, diz Villas-Boas.

No papel, há cuidados para reduzir o impacto na importantíssima atividade marítima, passando pela construção de um novo canal de acesso ao porto de Salvador e uma passagem para navios que leva em consideração os próximos 50 anos de evolução nas embarcações, diz o CEO do consórcio.

Talvez uma das mais inquietantes provocações apresentadas por Villas-Boas tenha sido um documento de 1878, do Arquivo Público da Bahia, mostrando que desde aquela época moradores da ilha pediam uma solução de conectividade com Salvador. Sem quaisquer condicionantes, o representante do consórcio apresentou o prazo de 1 ano para projeto, mais quatro de construção e outros 29 anos de operação.

Por mais inquietante que seja pensar na incapacidade do governo da Bahia em gerir a obra de uma simples rodoviária, ou de um sistema de VLT, o que resta aos baianos é imitar a esperança da deputada estadual Ivana Bastos: “Só espero que Deus me dê vida e saúde para estar aqui em junho de 2031 na inauguração deste projeto”. Caso atrase, ou tenha qualquer outro tipo de contratempo, parece que pelo menos a função política da ponte estará garantida em mais uma disputa eleitoral no ano que vem, com o governo petista tentando vender o sonho de muitas gerações em troca de mais um período no poder.