Aborto legal após 22 semanas não é comum e nem desejado, dizem especialistas

Portaria do CFM tentou limitar procedimento médico em casos de estupro

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  • Thais Borges

Publicado em 9 de junho de 2024 às 05:00

Manifestação pelo aborto legal em SP
Manifestação pelo aborto legal em SP Crédito: Shutterstock

Ao menos duas mulheres foram impedidas de ter acesso ao aborto legal na Bahia, durante o período em que uma controversa resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) ficou em vigor. A informação foi revelada pelo CORREIO, de acordo com a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA).

Em 3 de abril, o CFM publicou uma portaria proibindo que médicos de fazer a assistolia fetal, um procedimento necessário para o aborto legal a partir de 22 semanas de gestação, especificamente em caso de estupro.

Em outros estados, situações semelhantes ocorreram. Esse foi o caso de São Paulo, onde duas mulheres também tiveram o aborto legal negado. Isso se estendeu até o dia 17 de maio, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a portaria do CFM em uma decisão liminar.

Em um cenário ideal, não seria necessário interromper gestações com mais de 22 semanas, segundo a ginecologista e obstetra Marla Niag, que é médica da Assistência transdisciplinar a pessoas vítimas de violência sexual (Programa Apoiar) da Maternidade Climério de Oliveira (MCO). A instituição, vinculada à Universidade Federal da Bahia (Ufba), é uma das três únicas unidades que fazem o procedimento no Brasil nesse estágio. 

No entanto, a realidade é diferente. "Minha crítica maior a uma restrição dessas é que quem chega com mais semanas é quem a gente conhece bem. É sempre um perfil de maior vulnerabildiade social. São pessoas pobres, pretas, que moram também em áreas rurais, que têm menos de 14 anos...", enumera.

Desde abril, a instituição atendeu duas meninas de 12 anos que foram vítimas de estupro. Uma chegou à unidade de saúde com 28 semanas de gestação, a outra com 29. "Uma decisão dessa restringe o acesso de pessoas que são ainda mais vulneráveis na sociedade", pontua. "Não é a maioria e nem queremos que seja. Ninguém quer que esse seja o perfil do atendimento. Mas ignorar a existência disso é impedir direitos", diz.

Retrocesso

Como a decisão de Moraes é o que está valendo hoje, o serviço de aborto legal pôde ser mantido em todas as suas formas. "Mas, naquele momento (da portaria), foi um susto, porque, apesar de todas as tentativas, foi a primeira vez que a gente sentiu, aqui no nosso estado, um retrocesso. Médicos e profissionais de saúde ficaram realmente com medo e paralisaram o serviço. Agora, a gente está em paz", diz a defensora pública Lívia Almeida, coordenadora do Núcleo de Defesa das Mulheres e da Especializada de Direitos Humanos da DPE.

Ela enfatiza que os casos que passam das 22 semanas podem indicar que algo não funcionou na rede de atendimento. Por isso, um dos planos é aumentar os locais que fazem o serviço de aborto legal ainda no começo. Segundo Lívia, as pacientes que precisam desse tipo de assistência costumam ser as mais vulneráveis, além de crianças.

"São sempre casos dramáticos. Ninguém espera a gestação avançar porque quer. Se espera, é porque teve negativa no serviço antes. A pessoa não procura antes porque tem medo, porque acha que pode ser criminalizada. A gente (mulher) foi culpabilizada pelo estupro, agora está sendo pela demora. São portas que estão sendo fechadas para nós e para crianças".