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Fernanda Santana
Publicado em 7 de setembro de 2024 às 05:00
Em menos de três dias de julho, cinco ocorrências policiais foram registradas em delegacias de Salvador e Lauro de Freitas, na Região Metropolitana. Os registros são de “conflitos diversos”, “furtos” e “ameaças”, e tinham um assunto em comum: torcidas organizadas. >
Desde janeiro, delegacias baianas tiveram 55 ocorrências com menção a essas entidades. A lista de crimes registrados que citam esses grupos inclui incitação ao tumulto, ameaças, homicídio, vias de fato, lesão corporal, furto e roubo.>
Os dados foram informados pelo Governo da Bahia, via Lei de Acesso à Informação (LAI). A reportagem solicitou os seguintes dados em junho: número total de ocorrências que mencionam torcidas organizadas desde 2017, com especificação do crime. >
A Polícia Civil enviou um arquivo com cinco páginas. Os registros não detalham a autoria dos crimes, nem a relação deles com as organizadas. >
O levantamento inédito mensura os anos de torcida única em clássicos Ba-Vi. Há sete anos, o Ministério Público da Bahia (MP) sugeriu a adoção da torcida única em clássicos, motivado por uma pancadaria após uma partida na Arena Fonte Nova. Uma pessoa foi morta fora do estádio, na Avenida Vasco da Gama.>
Mas as ocorrências ligadas às organizadas não diminuíram. Em 2017, foram 40; em 2023, 93 — aumento de 132%. No ano passado, o órgão afirmou que havia possibilidade de rever o posicionamento. No entanto, a recomendação da torcida única se manteve. >
“Para que o MP voltasse atrás, seria necessário o cumprimento de várias condicionantes. Existem procedimentos em análise em relação à Fonte Nova e ao Barradão, procedimentos de segurança que precisam ser adotados. Por exemplo, o aumento do perímetro de isolamento é necessário, o reconhecimento pela biometria facial, que ainda não foi implementada, entre uma série de outras exigências. Até então, nada mudou”, afirmou a promotora Thelma Leal, em agosto deste ano.>
Contatado para comentar os índices de violência, o MP não respondeu até o fechamento desta reportagem. >
Uma das ocorrências que aparecem na lista enviada pela Polícia Civil (PC), via LAI, é o ataque aos carros de jogadores do Vitória, próximo ao Barradão, na tarde de 14 de julho. O ataque a pauladas contra Vanderlei de Jesus, três meses antes,também consta nos registros.>
Uma operação da PC mirou integrantes da Bamor, torcida organizada do Bahia, suspeitos de espancar o jovem. Ninguém foi preso.>
O ataque contra o torcedor do Vitória Diego Bonfim, que teve alta hospitalar na última quarta-feira (4), e a prisão de 27 integrantes de torcidas organizadas do Vitória, Cruzeiro e Bahia, não constam na lista, por terem acontecido depois do período do levantamento.>
Os casos enviados pela PC à reportagem mostram como a interrupção de jogos de futebol durante a pandemia impactou o número de ocorrências relacionadas a torcidas organizadas. >
Em 2020, foram 13 ocorrências. Depois, o número só cresceu. No ano seguinte, quando as partidas de futebol voltaram a ter a presença de torcedores, foram 22. Em seguida, em 2022, houve um salto para 55.>
Para o advogado criminal Rodrigo Daeb, especialista em Direito esportivo, há dois fatores que ajudam a explicar a violência relacionada a torcidas: aqueles ligados às rivalidades típicas do futebol e os sociais, como o aumento dos índices de criminalidade.>
“A violência cresceu na sociedade e as torcidas organizadas fazem parte da sociedade. Não dá para dissociar”, frisa o advogado.>
Os crimes cometidos por torcidas organizadas são enquadrados de acordo com os tipos penais já existentes. >
“A diferença é que a associação do crime ao futebol pode resultar no agravamento da punição, com a qualificação do crime por motivo torpe”, explica Daeb.>
A Lei Geral do Esporte, instituída em junho do ano passado, estabelece aspectos específicos relacionados a crimes contra a paz esportiva. Promover tumulto, praticar ou incitar violência ou invadir local restrito aos jogadores, por exemplo, é passível de pena de dois anos.>
A diversidade de crimes associados às organizadas, como furtos e roubos, indica, no entanto, possíveis interlocuções dessas entidades com organizações criminosas. >
“O fenômeno da torcida organizada é um fenômeno social, portanto, um reflexo da própria sociedade. Por isso, você vai verificar diversos tipos de crimes, como lesão e ameaça. Já os furtos, por exemplo, podem ter acontecido em diferentes contextos, como comemorações de torcidas, em que criminosos se aproveitam da situação para cometer o crime”.>
O presidente da Comissão de Direito Desportivo da Ordem dos Advogados da Bahia, André Leahy, concorda: “As torcidas organizadas, há muito tempo, se tornaram um ‘escudo’ para seus integrantes, pessoas físicas, para diversas atividades ilegais e inaceitáveis”.>
A escalada de violência, na avaliação dele, é reflexo de um velho conhecido. “A falta de punições exemplares, bem como a conivência e a relação muito próxima dessas entidades com os clubes dá a esses integrantes uma sensação de impunidade. Mas algumas medidas já vêm sendo adotadas neste sentido (identificação facial), mas é gradual”, completa Leahy.>
A presidência da Federação Bahiana de Futebol, acionada pela reportagem para comentar os índices, afirmou, por meio da assessoria de comunicação, que não se posicionaria. >
A reportagem também procurou as duas maiores torcidas organizadas do estado - a Bamor, de torcedores do Bahia, e a TUI, que reúne torcedores do Vitória. Nenhuma das duas respondeu até o fechamento desta publicação. >