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'Falta interesse para volta de torcida mista no Ba-Vi', diz promotora

Promotora explica por que a torcida visitante parece ser um plano distante, mas destaca mudança na lei que a deixa esperançosa

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 3 de agosto de 2024 às 05:00

Thelma Leal, promotora do MP
Thelma Leal, promotora do MP Crédito: Marina Silva/CORREIO

Um time de representantes de órgãos públicos e do futebol tenta, há seis anos, reverter o resultado de uma partida.

No dia 18 de fevereiro de 2018, torcedores de Bahia e Vitória compartilharam pela última vez um estádio. Uma semana depois, o Ministério Público da Bahia (MP) recomendou — e não recuou — que os Ba-Vi acontecessem com torcida única. As brigas entre rivais, dentro e fora do Barradão, motivaram a decisão.

“Não temos tranquilidade para dizer: voltará a ter torcida visitante”, afirma a promotora Thelma Leal, que está à frente da pauta, na instituição, há quatro anos. O próximo clássico acontecerá no dia 11.

Desde 2017, o MP sugeria a torcida única, motivado por uma pancadaria depois de um Ba-Vi na Arena Fonte Nova. Uma pessoa foi morta. O jogo misto no ano seguinte era uma tentativa de retorno. Na época, a disputa entre Corinthians e Palmeiras já acontecia sem forasteiros. Os clássicos cariocas permitem visitantes.

Segundo Thelma, apesar das reuniões realizadas nos últimos anos com os cartolas, a Polícia Militar (PM) e órgãos municipais e estaduais que poderiam reverter a situação da Bahia, os entraves seguem.

Ainda não aconteceu, por exemplo, o isolamento dos entornos dos estádios. E a “falta de punição do CPF” contribui. “As organizadas Bamor e Imbatíveis estão proibidas de entrar nos estádios, mas entram como torcedores”.

Quando perguntei se o Estado assumia uma falência ao preferir afastar as torcidas que garantir a segurança, ela negou: “Falta interesse”.

Embora volta e meia seja defendida como “necessária”, a torcida única não tem a efetividade mensurada. A PM negou entrevista e a Polícia Civil (PC) não calculou as ocorrências relacionadas ao futebol.

Mas é possível recordar algumas delas. Antes do último Ba-Vi, em abril deste ano, rivais brigaram no bairro da Boca do Rio, a 14 km de onde aconteceria o jogo.

“Os crimes são enquadrados como crimes comuns”, diz Thelma. “Estamos lutando por uma Vara específica”.

Para ela, os clubes também deveriam assumir outra postura. “Os clubes não são vítimas. Eles são os principais atores. Eles precisam partir mais para um tipo de ação”. Contatados, Bahia e Vitória não responderam à reportagem.

Sem mudanças efetivas, a Lei Geral do Esporte, decretada ano passado, anima a promotora. A legislação determina o reconhecimento facial nos estádios até 2025.

“Tenho esperança que a torcida mista volte”, diz ela, sem arriscar datas.

CORREIO:  Ano passado, a senhora afirmou que havia possibilidade do MP rever, em 2024, o posicionamento em relação à torcida mista. O MP, no entanto, manteve a recomendação. Por quê?

Thelma Leal, promotora do MP: Para que o MP voltasse atrás, seria necessário o cumprimento de várias condicionantes. Existem procedimentos em análise em relação à Fonte Nova e o Barradão, procedimentos de segurança que precisam ser adotados.

Por exemplo, o aumento do perímetro de isolamento é necessário, o reconhecimento pela biometria facial, que não foi implementada ainda, e uma série de outras exigências. Até então, nada mudou.

De dezembro, quando expedimos a recomendação, até agora, nada mudou. Existe um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que também tramita sem solução. A minuta do TAC passou a circular em fevereiro. Não foi firmado ainda porque é um TAC que envolve várias instituições.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP), os times de futebol, a Federação Baiana de Futebol, os próprios estádios.. Com a efetivação e o cumprimento do TAC, aí o MP pode rever essa posição.

Hoje, então, o Ministério Público se sente inseguro?

Com certeza absoluta. Nós ainda não temos tranquilidade para dizer: ‘vamos voltar a ter torcida visitante em clássicos estaduais’.

Quais são esses procedimentos em trâmite no MP?

Existem pelo menos dois. Um relativo ao estádio Arena Fonte Nova e outro em relação ao estado de Manoel Barradas. Foi formado um grupo de trabalho para que fossem discutidas as ações para dar segurança ao Ministério Público e principalmente ao torcedor, para que a torcida mista retornasse. Mas, essa é uma tendência do Brasil.

Em São Paulo, temos clássicos realizados com torcida única porque o índice de violência, não dentro do estádio, mas nos arredores, é na verdade maior do que dentro dos estádios.

Trecho da briga durante o Ba-Vi de 2018
Trecho da briga durante o Ba-Vi de 2018 Crédito: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

Os clubes têm se manifestado como? Publicamente, alguns dirigentes afirmam ser contrários à torcida única.

Vou contar um caso que ajuda a entender. Em fevereiro do ano passado, instauramos um procedimento, e fizemos um acompanhamento de tudo o que acontecia nas torcidas durante o ano inteiro.

A pretensão era, em dezembro, fazer uma audiência pública para decidir sobre a volta da torcida mista.

No mês de novembro, fizemos uma audiência para estabelecer as diretrizes dessa audiência pública.

Nesse momento, fizemos uma reunião com os clubes [Bahia e Vitória] e ambos foram contrários ao retorno, embora alguns dirigentes, publicamente, se digam a favor. Então, o que eu posso dizer é: os clubes são contrários à torcida mista.

Qual é o principal entrave hoje nesse diálogo para o retorno da torcida mista?

Existem obrigações do poder público estadual, com a participação efetiva da PM e da PC, e aquelas atribuições do poder municipal.

É um ano eleitoral, ou seja, um ano de difícil conciliação entre esses dois poderes. Então, acredito que este ano o principal entrave seja essa ausência de negociação entre esses dois poderes.

Além disso, os clubes muitas vezes não têm boa relação com as torcidas organizadas. Quando o time vai bem, a relação vai bem. Quando não... Como foi o caso do ataque aos jogadores do Vitória por torcedores do time.

As torcidas organizadas, então, são o problema na sua opinião?

Sim. Porque gente ainda não tem o reconhecimento pela biometria facial dos torcedores nos estádios com capacidade a partir de 20 mil pessoas, determinada pela Lei do Esporte até o ano que vem. E ainda não temos o que se chama na linguagem popular de ‘punição do CPF’.

As torcidas organizadas, Bamor e Imbatíveis [torcidas organizadas do Bahia e do Vitória, respectivamente], por exemplo, estão proibidas de entrar enquanto torcidas no estádios, mas eles entram como torcedores, sem a padronização.

Uma luta nossa é que os tribunais coloquem os juizados especiais em campo. Mas não vejo extinção de torcida organizada com bons olhos. Porque se criam novas alternativas.

A Bamor foi mestre nisso, em cancelar um CNPJ e abrindo outro depois.

Por que essa biometria facial ajudaria?

Até junho do ano que vem, a Lei Geral do Esporte [instituída em junho de 2023] determina que todos os estádios com capacidade para mais de 20 mil pessoas precisam estar com a biometria facial. Isso garante a agilidade do acesso e o reconhecimento. O grande propulsionador da violência no entorno do estádio, como vemos, é essa demora para entrar no estádio. 

Se isolarmos o perímetro, proibimos ambulantes e a bebida alcoólica, isso vai diminuir. Porque cada CPF vai ter um rosto associado e aí poderá ocorrer a punição. A Fonte Nova começou a implementar isso, mas não está ainda 100%. O Barradão ainda não temos notícias.

A torcida única não é a reafirmação da intolerância?

Não vejo assim. Porque nesse caso é uma situação de selvageria e violência, que não se trata nem em saber lidar com o outro.

A paixão pelo futebol ultrapassa limites, e você acaba não falando de uma situação normal, mas de uma relação doentia, de pessoas que precisam até de tratamento psicológico para lidar com isso.

Se a própria torcida vai contra o próprio time, não estamos falando da inabilidade de lidar com o outro. Ainda há outro detalhe: estamos lidando com multidões. Costumamos dizer que toda multidão é muito atrevida. Alguém que não faria algo sozinho se sente habilitado em multidão.

Quem são essas pessoas que se envolvem em crimes relacionados ao futebol?

Muita gente sem antecedente criminal acaba se envolvendo e entrando de gaiato. Um cidadão pacato, diante de uma multidão ‘atrevida’, tem uma força impressionante.

Aí é uma questão de estudar os próprios valores, e aí vai depender de cada um.

A gente sabe também que há muita gente ali pouco se lixando para o futebol. Já tentamos um trabalho de investigação junto ao Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), na época de um crime de São Caetano, para ver possíveis ligações de algumas pessoas com o crime organizado, acabamos não localizando, mas sabemos que existem algumas conexões.

Você vê os próprios clubes preocupados com esse fator ‘mental’?

Não. Não vejo esse trabalho do clube com o torcedor. Na verdade, os clubes aparecem muito como vítimas, eles se colocam muito como vítimas dessa situação.

Primeiro Ba-Vi do Brasileirão 2024 termina empatado no Barradão
Primeiro Ba-Vi do Brasileirão 2024 termina empatado no Barradão Crédito: Tiago Caldas / ECBAHIA

A senhora os enxerga como vítimas?

Não são vítimas. Eles são os principais atores. Eles precisam partir mais para um tipo de ação, não se colocando como vítima, mas pensando ações para que se evitem, por exemplo, provocações diretas, como jogadores que comemoram o gol na frente da torcida rival. O time tem que se colocar como protagonista.

A existência da torcida única é a falência do sistema de segurança pública?

Olha, já me perguntaram como o Estado promove o Carnaval, mas não consegue fazer um Ba-Vi de torcida mista. Acho que são diferentes, pela paixão que, como disse, às vezes ultrapassa os limites. 

No carnaval, todo mundo está com intuito de brincar. Pode haver briga sim, mas não há rivalidade por trás. A pessoa do seu lado não é sua rival, como num Ba-Vi.

O que vejo, na verdade, é que não há um interesse organizado para que a torcida mista volte. Interesse que digo é no sentido de organizar o cenário para que isso seja possível.

Preciso que o número de policiais sejam suficiente, preciso que o perímetro seja isolado, preciso que se retire os ambulantes, preciso preparar todo o cenário.

E para haver isso precisamos de interesse, o que requer também medidas que podem ser julgadas como impopulares, negativas.

Quais medidas?

Por exemplo, se o governo municipal for retirar os ambulantes, pode trazer repercussão ruim; se a PM deixar de colocar uma guarnição ali ou aqui, pode ter uma repercussão negativa. Política é outra paixão, e isso também interfere.

A senhora enxerga a torcida única como medida educativa ou extrema?

É uma medida extrema necessária, não educativa. A festa é muito mais bonita com torcida mista. Já participei, inclusive, e é muito mais bonita. Tempos atrás, os torcedores sentavam lado a lado, sem problema nenhum. Eu torço para o Vitória, e todo mundo sabe [risos].

Sempre deixo claro isso porque é pior quando descobrem e insinuam atitudes que não existem, e tentam desabonar sua conduta. Da mesma forma que trato o Bahia, trato o Vitória, no trabalho. No trabalho, isso não existe.

Essas pessoas se reúnem como, já que a violência entre torcedores continua acontecendo?

Há um monitoramento, dentro do que é possível nas redes sociais claro. Muita coisa é evitada, você não tem noção.

Por exemplo, já aconteceu de a gente ter um jogo importante de um dos clubes, e a torcida de outro clube organizar uma festa no mesmo horário.

A PM já os convenceu de não realizar essa festa. Houve outro caso de uma festa que seria feita pelos Imbatíveis, e conseguimos, por meio da conversação, que a festa começasse mais tarde e terminasse mais cedo, para evitar que os horários com a saída do clube coincidissem. Hoje, sai do Instagram a maioria dessas informações.

Há alguns pontos da cidade que, hoje, são tensos?

As estações de metrô. Por isso, a CCR Metrô é uma parceira nesse diálogo. Claro, temos que levar em consideração o quantitativo de homens que é disponibilizado, o que é uma despesa enorme para o Estado.

Existe alguma especificação nas ocorrências para classificar a violência relacionada ao futebol?

Não. Os crimes relacionados ao futebol acabam sendo enquadrados como crimes comum, e, como não temos uma vara específica para tratar dos crimes esportivos, não temos esse mapeamento estatístico.

Isso é um problema, imagino…

Sim, por isso estamos lutando para que haja uma vara específica, como existia antes.

A senhora tem esperança nesse retorno da torcida mista?

Sim. Meu sonho é realizar o que está previsto, ver aquela ladeira da Fonte Nova livre, ver a zona livre de ambulantes, como vi no Maracanã, onde havia barreiras até para chegar perto do estádio.

Tenho muito esperança, apesar de a geografia da Arena Fonte Nova não favorecer muito, acredito sim, porque na Copa do Mundo, por exemplo, isso foi feito e deu tudo certo. Se evitou, ali, o trânsito de pessoas que não as pessoas que entrariam no estádio.