Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Bruxo genial, Hermeto Pascoal deixa música experimental orfã

Artista alagoano morreu no sábado (13), com um quadro avançado de fibrose pulmonar

  • Foto do(a) author(a) Doris Miranda
  • Doris Miranda

Publicado em 15 de setembro de 2025 às 06:00

Artista recebeu o Grammy Latino em três ocasiões
Artista recebeu o Grammy Latino em três ocasiões Crédito: gabriel quintão/divulgação

Uma lenda da música brasileira, celebrado em muitas partes do mundo, o multi-instrumentista Hermeto Pascoal morreu neste sábado (13), aos 89 anos. A causa da morte não foi revelada, embora o músico alagoano estivesse internado com um quadro avançado de fibrose pulmonar. O velório será realizado nesta segunda-feira (15), na Areninha Cultural Hermeto Pascoal, em Bangu, bairro onde morava no Rio de Janeiro. A cerimônia será aberta ao público.

Considerado um gênio da música experimental, Hermeto ficou conhecido por transformar sons do cotidiano em arte — desde o barulho da água até o sopro do vento. Talvez por isso tenha recebido o título de “bruxo dos sons” - além de, claro, o visual com barba e cabelos compridos. Com suas habilidades extraordinárias, Hermeto Pascoal marcou seu nome na história com uma abordagem jazzística muito particular para a música brasileira.

É que sempre compunha e tocava a partir da improvisação e defendia, acima de tudo, a espontaneidade como ponto de ignição. O estilo absolutamente único dificultava qualquer classificação da música que Hermeto fazia a partir do que de gêneros pré-estabelecidos. Sua música era universal

Ele não tocava bem apenas instrumentos. Tocava qualquer coisa. Uma chaleira, uma garrafa, um sapato, um serrote, um porco, as plantas, a água ou a própria barba. Em sua filosofia, escutava música no barulho de insetos e até do trânsito das grandes cidades. O exotismo de seus experimentos com texturas sonoras inusitadas eram o coração de sua arte. “Só pode dar pancada em instrumento quem sabe o que é dó maior”, disse, em 2004, à revista Continente, de certa forma se defendendo da pecha de músico extravagante.

Acontece que Hermeto não sabia dizer o que é um dó maior quando começou a batucar no interior de Alagoas. Tinha a seu favor a audição extremamente apurada, Nascido albino na zona rural de Alagoas em 1936, tinha muita dificuldade para enxergar. Passou a infância sem iluminação elétrica à noite e com dor nos olhos sob o sol forte no agreste nordestino. Só conseguia jogar futebol no fim de tarde, quando a luz era menos intensa.

Por isso, brincava com os sons da natureza e dizia que os animais eram seu público. Mas também ouvia música no ofício de seu avô, ferreiro, e aprendeu a tocar o instrumento do pai, a sanfona. “Já nasci música, não fiz nada que não tivesse música”, disse à Folha no ano passado. “Montar num cavalo e sair andando é música. Uma cor, um desenho num papel, tudo isso vale como música”, completou.

Nas redes sociais, circula por aí um vídeo dele numa lagoa tocando flauta e a própria água. Trata-se de um exemplo claro de sua relação musical com a natureza, pinçado do filme Sinfonia do Alto Ribeira, de Ricardo Lua, de 1985.

Biografia de Hermeto saiu pela editora Kuarup
Biografia de Hermeto saiu pela editora Kuarup Crédito: divulgação

Crazy albino

Hermeto deixou Lagoa da Canoa nos anos 1950 para tentar a vida como artista em Recife, ao lado do irmão mais velho, José Neto. Começou a trabalhar como músico de rádio, aos 14 anos, substituindo outro gênio albino da música brasileira, Sivuca —que na época tinha 20, e com quem era frequentemente confundido pela semelhança física.

Dali em diante, Hermeto não parou. Rodou o Nordeste tocando em orquestras, rádios e eventos até se mudar para o Rio de Janeiro, em 1958, e depois para São Paulo, nos anos 1960. Integrou o Quarteto Novo, tocando flauta ao lado de Theo de Barros, Heraldo do Monte e Airto Moreira, com quem gravou o único disco do grupo em 1967.

Foi aos Estados Unidos com Airto Moreira e sua mulher, Flora Purim. Na terra do Tio Sam conheceu Miles Davis, de quem Airto era percussionista, e ganhou da lenda do jazz do jazz o apelido de “crazy albino”.

Davis ficou tão impressionado que gravou com Hermeto para álbum Live - Evil, de 1971 - sendo que três das oito faixas foram compostas pelo alagoano, ainda que no LP original todas tenham sido creditadas apenas ao americano. As músicas são Little Church, Selim e Nem um Talvez. Hermeto, citado como músico, nunca reclamou.

De volta ao Brasil, estabeleceu residência em Bangu, no Rio, com a mulher Ilza, que conhecera anos antes em Recife. A casa do casal era conhecido ponto de encontro de músicos, abastecidos com a lendária feijoada de Ilza. Ele dizia que ela cozinhava como ele tocava, “espontaneamente, sem receitas”.

Até 2024, Hermeto gravou e tocou regularmente. Do jazz, emprestava a liberdade e o improviso, mas a base sempre foi a música genuinamente brasileira. No álbum A Música Livre de Hermeto Pascoal, de 1973, gravou suas versões de Asa Branca e Carinhoso. Em Lagoa da Canoa Município de Arapiraca, de 1984, relê o frevo de Pernambuco e Alagoas. Em E Sua Visão Original do Forró, reforça a conexão com o baião.

Também nunca deixou de tocar coisas. Em seu primeiro disco, de 1970, usou dezenas de garrafas afinadas com água. Em Brincando de Corpo e Alma, de 2012, gravou partes do corpo —assovios, palmas e batimentos cardíacos.