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Rodrigo Daniel Silva
Publicado em 19 de julho de 2025 às 05:00
A articulação da família Bolsonaro para que o presidente americano Donald Trump interviesse no Brasil em benefício de Jair Bolsonaro (PL) agravou ainda mais a situação do ex-presidente, que foi alvo de uma operação da Polícia Federal nesta sexta-feira (18). Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro passou a usar tornozeleira eletrônica e será monitorado 24 horas por dia. >
Além disso, o ex-chefe do Palácio do Planalto está proibido de acessar as redes sociais e de manter contato com o filho Eduardo Bolsonaro (PL), que se licenciou do mandato de deputado e se encontra nos EUA, onde atua em defesa de sanções contra Moraes. Bolsonaro também terá que cumprir recolhimento domiciliar noturno, das 19h às 7h, e integralmente aos fins de semana. Está vetado ainda de se comunicar com embaixadores e diplomatas estrangeiros ou de se aproximar de embaixadas. >
Na decisão em que impôs as medidas restritivas, Moraes ressaltou que Bolsonaro confessou uma tentativa de extorsão ao condicionar o fim do tarifaço de Trump a uma possível anistia para si mesmo. No dia 9 de julho, o presidente americano anunciou a imposição de uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras, com a alegação de que Bolsonaro estaria sendo vítima de uma "caça às bruxas", além de ter feito ataques à Suprema Corte brasileira. >
“A conduta do réu Jair Messias Bolsonaro (...) é tão grave e despudorada que na data de hoje (17/7/2025), em entrevista coletiva, sem qualquer respeito à soberania nacional do povo brasileiro, à Constituição Federal e à independência do Poder Judiciário, expressamente, confessou sua consciente e voluntária atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira, condicionando o fim da ‘taxação/sanção’ à sua própria anistia”, escreveu Moraes, que ainda fez questão de citar uma passagem de Machado de Assis sobre a defesa da soberania nacional. >
“O imortal Machado de Assis proclamava que: ‘A soberania nacional é a coisa mais bela do mundo, com a condição de ser soberania e de ser nacional’”, anotou o ministro em seu voto, com menção a obra Crônicas Obras Completas de Machado de Assis, edição de 1957. >
A decisão de Moraes foi referendada pela Primeira Turma do STF ainda na sexta-feira. O colegiado julgou o tema após pedido do ministro. A determinação dele foi embasada em publicações feitas por Bolsonaro, por seu filho Eduardo e pelo próprio Donald Trump nas redes sociais. >
Durante a operação da Polícia Federal, que teve como alvos a residência de Bolsonaro em Brasília e a sede do PL, agentes encontraram cerca de US$ 14 mil e R$ 8 mil em espécie na casa do ex-presidente, além de uma cópia de uma ação contra Moraes apresentada nos Estados Unidos e um pen drive escondido no banheiro. "Eu estou surpreso, vou perguntar para a minha esposa (Michelle Bolsonaro) se o pen drive é dela", afirmou o ex-chefe do Executivo nacional. >
Embora o dinheiro vivo não configure, por si só, um crime, a PF irá investigar se os valores teriam alguma relação com eventuais delitos. >
Na mesma sexta-feira, Bolsonaro se manifestou sobre as medidas restritivas e criticou a operação. Afirmou que sempre guardou dólares em casa e que possui recibos do Banco do Brasil. Negou qualquer intenção de fugir ou de se abrigar em embaixadas e considerou a ação uma afronta. >
“A suspeita é um exagero. Sou ex-presidente da República, tenho 70 anos de idade. Suprema humilhação. É a quarta busca e apreensão em cima de mim”, afirmou diante da sede da Polícia Federal em Brasília. “O inquérito do golpe é um inquérito político. Nada de concreto existe ali”.>
A narrativa de perseguição foi replicada por aliados. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL) comentou nas redes sociais: “Busca e apreensão, tornozeleira, proibição de falar com embaixadores, diplomatas e até o próprio filho Eduardo. Isso tudo um dia após Bolsonaro receber uma carta de apoio de Trump. Venezuela está com inveja”. >
Eduardo Bolsonaro também se manifestou. Ele atacou Moraes e acusou o ministro de agir como um “ditador”. Em sua declaração, pediu ajuda aos americanos: “Estados Unidos, o país da liberdade e lar dos corajosos, mandem uma resposta” para o Brasil, “para não deixar que o modelo de censura brasileira seja exportado para outros países".>
Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, chegou a sugerir que Donald Trump suspendesse o tarifaço por meio de sanções individuais. Posteriormente, apagou a publicação. >
As restrições impostas pelo STF indicam que Bolsonaro caminha rapidamente para uma possível condenação por sua tentativa de subverter a democracia após a derrota nas eleições de 2022. Ainda nesta semana, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu formalmente sua condenação no processo. >
Além de Bolsonaro, o procurador-geral Paulo Gonet também quer a condenação de outras figuras centrais do governo e das Forças Armadas: Walter Braga Netto, general e ex-vice na chapa presidencial; Augusto Heleno, ex-ministro do GSI; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e delator. >
A PGR acusa Bolsonaro de cinco crimes: liderar organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado. Em seu parecer de 500 páginas, o procurador-geral dedicou 137 à atuação direta do ex-presidente na tentativa de ruptura institucional. >
Segundo Gonet, o ex-presidente utilizou a máquina pública para fomentar a quebra da ordem democrática e tentar se manter no poder, mesmo após ser derrotado nas urnas. Ele aponta que Bolsonaro liderou um grupo que incluía membros do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, todos envolvidos em um plano sistemático de ataque às instituições, com o objetivo de impedir a alternância legítima de poder e de minar a atuação dos demais Poderes - especialmente o Judiciário. >
Gonet classifica Bolsonaro como o líder da organização criminosa, principal articulador, maior beneficiário e autor dos atos mais graves no plano de ruptura do Estado Democrático de Direito. A expecativa é que o STF julgue em setembro o pedido de Gonet e defina se condena ou inocente o ex-presidente da República.>
“O sentimento é que (prisão) vai acontecer, até o mês que vem, que é o julgamento. Nunca se viu um processo tão rápido como o meu”, disse Bolsonaro.>
O ex-presidente Jair Bolsonaro pode ser preso caso desrespeite as medidas cautelares impostas pelo Supremo Tribunal Federal. Esse alerta, inclusive, está presente na decisão do ministro Alexandre de Moraes, que autorizou a operação de busca e apreensão contra o ex-presidente. “O descumprimento de qualquer uma das medidas cautelares implicará na revogação e decretação da prisão”, diz o despacho.>
Nesta sexta, para evitar infringir a ordem de Moraes, o ex-presidente interrompeu uma entrevista coletiva e afirmou que precisava encerrar a conversa para cumprir as medidas cautelares, que incluem o recolhimento domiciliar noturno. A decisão da Justiça determina que ele permaneça em casa das 19h às 7h. “Eu tenho que ir embora, senão, eu vou... essa medida restritiva”, declarou Bolsonaro ao se despedir dos jornalistas.>
As medidas cautelares visam garantir que a ação penal siga sem interferências indevidas. Representam, portanto, uma alternativa à prisão preventiva. Caso ocorra o descumprimento dessas obrigações, os investigadores podem solicitar a prisão. Cabe à Justiça analisar o pedido.>
Jair Bolsonaro não é o único ex-presidente da República que foi obrigado a usar tornozeleira eletrônica. Antes dele, Fernando Collor também teve que utilizar o equipamento de monitoramento. >
O ministro Alexandre de Moraes concedeu prisão domiciliar a Collor em maio deste ano, mas determinou o uso da tornozeleira eletrônica. O ex-presidente apresentou laudos que comprovam o diagnóstico de Parkinson, além de mais de uma centena de exames indicando outras comorbidades, como privação de sono crônica.>
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Temer (MDB) também se tornaram réus em investigações, mas não chegaram a usar tornozeleira eletrônica. Ambos foram presos após deixarem a Presidência — Lula em 2018 e Temer em 2019.>