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Donaldson Gomes
Publicado em 21 de junho de 2025 às 05:00
“Colhi a minha última safra”. Com esta frase o produtor rural Renato Joner, 67 anos, dá por encerrado um ciclo de 40 anos. Paranaense de nascença e baiano de coração, até porque foi aqui que passou a maior parte da vida, ele passou o comando dos negócios para a filha, Joana Angélica, de 32 anos, nascida em Barreiras, agrônoma. Sai a primeira geração e entra a segunda. Longe de um fato isolado, o processo de transição na Joner Agricultura é um retrato fiel de um movimento que ganha força na região Oeste da Bahia, com os filhos dos pioneiros na produção rural assumindo o protagonismo. >
O movimento que se registra nas propriedades é reproduzido nas duas principais entidades representativas dos produtores rurais. Moisés Schmidt, presidente da Bahia Farm Show e da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), e Alessandra Zanotto, presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), são os primeiros representantes da segunda geração na presidência das associações. Tanto nas fazendas, quanto nas entidades, os filhos e netos chegam com o desafio de honrar legados de entrega e superação que transformaram desertos econômicos em oásis, que há muitos anos vêm empilhando recordes de produção e de produtividade. >
A safra 2024/2025 de soja foi marcada por uma produtividade média de 68 sacas por hectare. Ao todo, foram produzidas 8,7 milhões de toneladas, de acordo com o mais recente Boletim Aiba, publicado em 19 de maio. O resultado é o melhor dos últimos 30 anos e demonstra o avanço técnico no campo. A colheita de milho, em curso, segue em ritmo acelerado na maioria dos polos produtivos, com produtividade entre 150 e 220 sacas por hectare. A expectativa é de uma produção total de 1,1 milhão de toneladas. No caso do algodão, a produtividade foi de 326 arrobas por hectare, com uma produção total de 2 mil arrobas.>
O produtor Renato Joner destacou o papel da Bahia Farm Show 2025 na transformação da região. Segundo ele, tanto as tecnologias comercializadas na feira, que é realizada todos os anos em Luís Eduardo Magalhães, quanto as discussões técnicas, são fundamentais para entender como uma área “completamente inóspita” passou a ser uma das principais regiões agrícolas no país. >
Na reta final da aposentadoria, seu Renato acompanhava um painel sobre crédito no auditório da Aiba na BFS 2025, quando começa a compartilhar sua história com o jornalista sentado ao seu lado. Filho de gaúchos, que foram pioneiros na produção agrícola no Paraná, o agricultor fincou suas raízes no Oeste e na região da Garganta, que faz divisa entre Tocantins e a Bahia, produzindo milho e soja. Joana, a filha, estava algumas fileiras ao lado, com o marido Eduardo. Só no final do evento, seu Renato chama os dois para apresentar o casal que vai tocar as propriedades a partir de agora. >
“Eu tenho muito orgulho do que fiz. Em 1984, essa chapada do Oeste da Bahia era praticamente um deserto, completamente inóspita. Hoje temos uma realidade bem diferente. Quando vejo essa Bahia Farm Show aí, a gente volta no tempo e constata uma transformação enorme”, afirma. Para ele, a possibilidade de definir o dia 11 de junho como o fim da carreira é emocionante. “Foi uma escolha importante, necessária e oportuna. Eu creio que é algo acertado, ninguém é eterno, somos todos passageiros e estou concluindo a minha passagem na atividade com sucesso”, avalia. >
Poderia ter conquistado mais? Ele acredita que sim, entretanto lembra que a maioria dos companheiros de migração para a região ficaram pelo caminho. “Acho que menos de 20% tiveram sucesso. Os demais foram ceifados por algum problema com o clima, planos econômicos, pragas, doenças ou famílias. Não puderam persistir por inúmeros problemas. Se deslocar do Paraná para cá e permanecer no início não era fácil”, conta.>
Para ele, o cenário já melhorou muito, ainda vê desafios para a filha com questões relacionadas às estradas, principalmente as vicinais, e também o fornecimento de eletricidade. Mas a principal preocupação é outra. “O que preocupa muito é a parte financeira. O custo da atividade está muito alto, o financiamento está caríssimo. A Selic está em 15%, mas os juros estão acima disso em muitos casos. É um cenário complexo porque precisamos investir, mas quem se alavancar demais vai acabar saindo da atividade”, avisa. >
Sai da linha de frente, mas segue como conselheiro, sempre que demandado, tanto por Joana, quanto pelo filho mais velho, que toca uma propriedade vizinha ao pai. “Eles sabem que podem contar comigo se precisarem”, diz. >
Além da terra, outro legado destacado por Renato Joner é o do poder de escolha. Uma das suas filhas optou por seguir carreira no direito e conta com todo o apoio dele. “Eu me sinto abençoado por ter dado aos meus filhos a possibilidade de escolha”, afirma. >
Joana Angélica Joner, 32 anos, sem sombra de dúvidas está no agro por opção. Formada em agronomia e pós-graduada em agronegócio, ela se orgulha de ser filha de pioneiros. “Eu escolhi continuar o legado dos meus pais”, afirma. “Hoje sou diretora da nossa empresa agrícola e com o apoio do meu marido, me preparo para assumir na safra 2025/2026 a operação por completo”, afirma.>
Segundo ela, o processo de sucessão vem acontecendo há alguns anos, com ela assumindo cada vez mais atribuições. “A gente já começa com uma responsabilidade muito grande por todo o trabalho que foi realizado nos últimos anos. E enxergamos como a oportunidade de lapidar um diamante, esta é a minha visão”, explica. “Nós temos a missão de continuar fazendo algo que já vem sendo muito bem feito e aparar algumas arestas, afinar detalhes e continuar produzindo muito bem. Queremos encontrar o ponto de maior produtividade possível dentro das condições que temos hoje”, projeta. >
Neste sentido, ela comemora a possibilidade de lançar mão de tecnologias que não existiam nos anos 80. “Hoje eu posso fazer um gerenciamento à distância, acompanhar o que está acontecendo em tempo real. Era algo que o meu pai não podia fazer nos anos 80. São ferramentas que aumentam a rentabilidade para conseguir gerenciar melhor os detalhes. É onde a tecnologia ajuda”, acredita. “Meu irmão também está plantando sozinho há vários anos, colhendo ótimas safras porque meu pai nos ensinou e nos deu o caminho”.>
“A vida no campo é algo que eu devo totalmente ao meu pai, desde pequena ele foi me ensinando como as coisas funcionam, com muita paciência. Me passou detalhes sobre a ‘tocada’ do negócio e isso se tornou a minha vida com o passar dos anos. Quando eu cheguei na época de decisão, eu só via este caminho, porque eu já estava inserida. Foi algo muito natural, sutil”, conta. >
Moisés Schmidt, presidente da Aiba, destaca o ritmo de crescimento da região Oeste em relação ao restante do país. “O Brasil cresce o seu consumo de energia em 3,5% ao ano, enquanto o Oeste cresce a 25% ao ano”, destacou. Para ele, este movimento tende a se manter com a perspectiva de industrialização da produção. “A agroindústria não é o futuro, é o presente, isto já está acontecendo e nós já estamos transformando vidas e gerando desenvolvimento”, avalia. >
No ano que marcou os 35 anos de fundação da Aiba, Schmidt fez questão de honrar os seus antecessores. “O nosso crescimento nos traz a responsabilidade de produzir mais, ter mais produtividade, porém continuar fazendo isso com muita sustentabilidade”, afirma. >
Segundo o presidente da Aiba, o agro está cada vez mais preocupado com o tripé da sustentabilidade ambiental, social e de governança. Ele lembra que a Aiba foi a primeira associação agrícola do Brasil a receber a chancela do ESG. “Nós precisamos dar um passo adiante. Queremos chegar a 20250 com uma agricultura limpa e conectada com a sociedade”, diz.>
Alessandra Zanotto, presidente da Abapa, acredita que o futuro do campo passa por um diálogo cada vez mais próximo com a sociedade. “Temos feito muito para avançar na cotonicultura, mas também no sentido de demonstrar com cada vez mais transparência a importância da nossa atividade”, diz. >
“Nós estamos fortalecendo a agenda da sustentabilidade. Tem ganhado muita força e exigibilidade. Para nós do algodão não tem sido uma dor, mas um fato importante. Além de inovações e muito cuidado com a sua lavoura, o produtor se preocupa em agregar valor com a pauta ESG”, defende. >
Muito trabalho>
A localização geográfica, nos trópicos, garante ao Oeste da Bahia um dos mais importantes insumos naturais para a agricultura: o sol. Sem ele não se faz fotossíntese. Pois a radiação solar é abundante na região, em alguns períodos até excessivamente, como acontece nos chamados veranicos, que exigiram capacidade de adaptação aos produtores. Por outro lado, a terra da região é naturalmente pobre. O que as quase cinco décadas de atividade rural acrescentaram a este cenário foi muita tecnologia e trabalho, aponta o produtor rural Luiz Carlos Bergamaschi, vice-presidente da Aiba. “Eu acredito que o que fez a diferença lá atrás foi o trabalho da Embrapa, trazendo conhecimento, e as pessoas que vieram para cá”, diz. >
O agrônomo e produtor rural Celito Missio, 70 anos, se mudou para a região em 2005, mas conhece a realidade desde 1981, quando os pais da esposa, Carminha, compraram terras na área que despontava como uma nova fronteira agrícola do país. O gaúcho de Espumoso conta que o motivo que atraiu a família da esposa não foi a qualidade das terras, mas o seu preço. Enquanto as propriedades no Sul tinham até 60% de argila, por aqui, quando o solo era bom, encontravam-se 15%, lembra. >
“Na época, um hectare era muito barato. Era algo como uma caixa de cigarros, ou um saco de soja. Algo em torno de US$ 10”, conta. O sogro, por exemplo, pagou parte da fazenda com a caminhonete que o trouxe do Sul, diz. Hoje, mesmo a terra bruta, aquela que ainda não recebeu nenhum tipo de beneficiamento, vale 100 vezes mais. >
Pelo menos a terra era plana, pondera, o que permitiria o uso de grandes máquinas. “O que se imaginou, e o tempo mostrou que havia razão nisso, é que a soja poderia abrir espaço para a expansão com as cultivares certas”, explica. >
“A gente demorou para entender o solo, demorou para entender o clima, mas aquela geração tinha um espírito aguerrido”, destaca. Com o tempo, descobriu-se o papel do gesso para enriquecer o solo, técnicas como a do plantio direto, para proteger o solo do sol e reter mais a água, entre outras iniciativas. >
Em relação ao futuro, Celito Missio aponta para a industrialização como o caminho. “A exploração horizontal já está feita. Agora tem que trabalhar verticalmente. A região vai ser um grande palco para a produção de proteína animal”, aposta. Com estradas melhores e energia suficiente, o próximo passo do desenvolvimento do Oeste passa pela implantação de frigoríficos, além da diversificação cada vez maior da região, onde a soja, o milho e o algodão já dividem espaço com cacau, café, amendoim e grande diversidade de frutas, acredita. >
Para Bergamaschi, o Oeste caminha a passos largos em direção à industrialização. Mas ao contrário de processos que se deram em outros locais da Bahia, por lá os investimentos indicam processos de adensamento de cadeias produtivas locais. “Vivemos um tempo de informação mais rápida, os filhos da primeira geração estão voltando com informação e com vontade de inovar”, aponta. >
“As primeiras gerações fizeram uma enorme transformação aqui, mas ainda há muito por acontecer com a chegada das indústrias”, avalia o produtor. Ele acredita que os movimentos de adensamento de cadeias irão potencializar os impactos socioeconômicos da atividade agrícola. >
Um exemplo disso, destaca, é a movimentação para produção de etanol a partir do milho. Além de gerar energia, o processo tem um subproduto chamado de DDG, que é riquíssimo em proteínas e deve fomentar um crescimento cada vez maior da pecuária.>
Presente na Bahia Farm Show, o presidente da Neoenergia, Eduardo Capelastegui, garantiu que energia não será um gargalo para o desenvolvimento da região Oeste. “Queremos saber onde o agro estará em 10 ou 20 anos. Fazemos investimentos para 40 anos e esperamos oferecer soluções mais rápidas para a região”, ressaltou. >
A cobertura da Bahia Farm Show 2025 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da AIBA.>