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Thais Borges
Publicado em 26 de julho de 2025 às 05:00
Em pouco mais de um minuto e meio, a professora Bárbara Garbinato mostra o livro ‘Ideias para Adiar o Fim do Mundo’, de Ailton Krenak. O vídeo faz parte de um quadro fixo em seu perfil no TikTok (@prof.barbaragarbinato): toda sexta-feira, ela compartilha dicas de repertórios para a prova de Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). >
“Muitos temas ambientais de redação falam justamente sobre esse consumo exacerbado, sobre essa desvalorização e o desrespeito à natureza. Além de muito repertório cultural para além do meio ambiente, a gente consegue refletir muito sobre as nossas escolhas de vida”, explica, no vídeo. Apesar de estar presente em outras plataformas como o YouTube e o Instagram, é no TikTok que Bárbara consegue conversar com sua maior audiência: só lá, são mais de 249 mil seguidores. >
Ela faz parte de uma geração de professores que têm ocupado as plataformas com vídeos mais curtos, depois de uma hegemonia do YouTube na década passada. Agora, as dicas rápidas e com maior variedade em plataformas como o TikTok têm sido apontadas como uma das possíveis razões para que as que o desempenho médio das notas na disciplina ter aumentado no país. >
De 2018 a 2024, a média das notas em redação aumentou em todo o país. Nas escolas particulares, o crescimento foi de 20% em sete edições. Nas escolas públicas, foi ainda maior: as notas médias saíram de 369 para 618 - ou seja, um incremento de 67,47%. O dado faz parte de uma análise feita pelo SAS Educação a partir dos microdados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Só de 2023 para 2024, o aumento foi de 7,25% nas públicas, passando de 576 para 618. Nas privadas, foi menor, mas ainda houve avanço de 751 para 762. >
O maior desempenho nas redes públicas é reflexo de um conjunto de aspectos, a exemplo da Lei de Cotas, na avaliação do diretor de Ensino e Inovações Educacionais no SAS Educação, Ademar Celedônio. “Um jovem começa a perceber que é possível entrar no ensino superior e a redação é uma parte muito significativa na nota”, diz. Além disso, ele cita o uso de plataformas de inteligência artificial em estados como Espírito Santo e Paraná para a correção e o pragmatismo do formato. “A prova de redação é composta por cinco competências e elas se mantém até hoje”. >
Para ele, não é possível chegar a uma medida exata do tamanho do impacto de dicas que vêm do Tiktok. “Mas a gente sabe que, hoje, mais de 60% dos alunos estudam pelo TikTok. E a gente sabe também que tem muitos professores que dão dicas, até muito boas, dentro dessas plataformas”, acrescenta. >
Conteúdos>
De acordo com o TikTok, somente no ano passado, vídeos relacionados ao Enem tiveram mais de cinco bilhões de visualizações na plataforma. Além disso, ainda em 2024, mais de 980 mil vídeos foram publicados com a hashtag #TokDoEnem, que reúne criadores de conteúdo sobre o exame.>
Esse interesse se reflete também na busca de dicas para o Enem, conteúdos e aulas. O termo ‘dicas para a redação do Enem’ é um dos três termos mais buscados do tema. Além disso, segundo o TikTok, Redação é a mais buscada na plataforma.>
Na plataforma desde 2020, a professora Bárbara Garbinato começou justamente por perceber que estudantes brasileiros de escola pública estavam precisando de ajuda durante a pandemia da covid-19, quando as escolas estavam fechadas. Tudo começou quando ela divulgou um PDF com citações que tinha usado quando vestibulanda, em seu perfil pessoal no antigo Twitter (atual X). >
“Aquele tweet acabou viralizando e muitas pessoas, de diversos estados do país, começaram a me chamar no direct para pedir o PDF. Foi ali que notei uma necessidade pouco atendida e que entendi o impacto social positivo que a internet pode criar”, conta, em entrevista ao CORREIO. >
Ela começou a organizar outros PDFs, que divulgava no Twitter e no Facebook. Na mesma época, sua irmã sugeriu que criasse um perfil no Instagram e seu pai lhe deu um ring light (um tipo de luminária para vídeos) e um computador. Ela criou a conta no TikTok para alcançar mais estudantes e, depois de uma semana gravando todos os dias, viu um de seus vídeos viralizar. >
“Com o tempo passei a receber mensagens de jovens querendo estudar comigo e serem meus alunos. Virei professora desta forma: a pedidos da audiência. Eu já estava cursando Letras e queria ser professora de Literatura e Redação, mas nunca imaginei que isso se realizaria aos 18 anos”, diz. Desde então, ela usa os conteúdos com foco em estudantes que não conseguem pagar por cursinhos e também para divulgar seu curso online de redação. >
Segundo ela, os conteúdos que mais viralizam são apostas de temas de redação, além de estrutura e repertório. Nesses vídeos, Bárbara apresenta ideias de argumentação e repertório - esses últimos são como pílulas para ampliar a bagagem cultural. A ideia é que o estudante possa refletir sobre problemáticas nacionais. Uma vez por ano, ela também prepara um compilado de vídeos ensinando toda a estrutura do texto partindo do zero. >
“O perfil de quem me acompanha é aluno de escola pública, com pouco ou nenhum conhecimento de redação e que quer tirar +900 na redação para conseguir bolsa Prouni ou a vaga na Federal. Meu perfil no TikTok ensina qualquer um a escrever uma redação do zero e tirar +900 no Enem. Basta tirar um tempinho para consumir o conteúdo com carinho e anotar tudo”, completa. >
Para Bárbara, atualmente, é ainda mais fácil produzir conteúdo do que na época dos youtubers, especialmente pela facilidade com as ferramentas de edição. Em geral, plataformas como o TikTok já oferecem possibilidades. Por isso, ela acredita que existem também muitas explicações mal feitas. >
“É comum ver vestibulandos falando mentiras como ‘não pode usar x conectivo na redação’, ‘isso é proibido’ ou ‘faça isso e zere a redação’, apenas com o intuito de viralizar. Por isso, recomendo que os estudantes avaliem bem o conteúdo que estão consumindo”, enfatiza. >
O professor Ademar Celedônio, do SAS Educação, também faz um alerta para que os alunos tenham cuidado com o que é mostrado nas plataformas. “Existem pseudoprofessores que vendem chavões para que o aluno leve um pedaço de uma redação e ela se encaixe em qualquer tema. Frases de efeito, coisas sem sentido. Então, existe um comércio dentro das redes sociais de alguns que vendem essas soluções mágicas. Em alguns casos, pode até funcionar, mas na maioria, não”. >