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Carmen Vasconcelos
Publicado em 20 de novembro de 2025 às 06:00
No mês da Consciência Negra, quando o país volta os olhos para trajetórias que rompem barreiras e reinventam futuros, a história de Rafael Figueiredo, 41 anos, ganha mais força. >
Dono de um dos salões mais disputados de Salvador, o RF Beauty Studio, o cabeleireiro carrega na própria biografia um legado que nasceu longe dos holofotes: nas feiras livres de Alagoinhas, onde, ainda adolescente, vendia coentro e roupas como camelô. Foi ali, entre barracas e negociações improvisadas, que ele aprendeu seus primeiros pilares: tratar bem as pessoas, criar relações de confiança e acreditar que humildade é ferramenta de transformação.>
A travessia para Salvador foi o início de tudo. Rafael desembarcou na capital com pouco dinheiro, duas malas e uma fé que ele descreve como “teimosa”. Dividindo quarto em pensionato no bairro de São Rafael, acordava diariamente cantando músicas que o inspiravam e o mantinham firme. “Era o meu jeito de renovar a coragem”, relembra.>
Líder humano>
O atendimento — talento aprendido cedo na rua — seria mais tarde a base do que viria a se tornar sua marca profissional. Antes de abrir o próprio salão, Rafael observou, estudou e absorveu técnicas em cada lugar por onde passou. “Aprendi sobre disciplina, sobre o que eu queria levar comigo e o que eu definitivamente não repetiria”, diz. >
O encanto pelo universo da beleza surgiu ao prestar um serviço pontual em um salão. “O ambiente me tocou. Aquilo me despertou”.>
O primeiro negócio nasceu sem glamour, mas com resiliência. Uma cadeira usada, um lavatório comprado com dificuldade, uma sala modesta em um prédio comercial e a clientela fiel que o acompanhava desde o salão anterior. “Sempre senti que aquele espaço seria o começo de tudo”, conta. >
A aposta deu certo. Depois veio o salão no Shopping Ponto Alto e, com ele, a virada de chave: reconhecimento, fluxo crescente e a construção de uma marca que hoje influencia tendências. Com quase duas décadas de carreira, Rafael define seu estilo de gestão como liderança humanizada — uma abordagem que dialoga diretamente com os princípios do empreendedorismo negro, baseado em comunidade, acolhimento e mobilidade social. >
“Sei na pele como a rotina pode ser dura. Então faço questão de criar um ambiente leve e produtivo, onde as pessoas se sintam vistas”, esclarece.>
Rompendo barreiras >
A qualificação continua sendo prioridade. Com formações nacionais e internacionais, o cabeleireiro faz questão de lembrar que conhecimento é também ferramenta política: abre portas, gera oportunidades e rompe barreiras históricas impostas a profissionais negros. >
Ele também reforça a importância do pós-venda — gesto simples, mas que revela respeito e cuidado, pilares que guiam seu trabalho desde os tempos de feira. >
Mas, talvez, seu maior impacto esteja além da técnica. Rafael trabalha com autoestima — e isso, para ele, é propósito. “Quando uma cliente chega com uma queixa e confia em mim, eu sei que posso transformar o dia dela. Às vezes, é só cobrir fios brancos. Às vezes, é resgatar algo muito maior”, reflete.>
Os próximos passos incluem cursos, a escrita de um livro e o desejo de formar novos profissionais, especialmente jovens de periferia. “Quero deixar legado. Quero ser o motivo de crescimento de outras pessoas”, afirma.>
A ambição de Rafael é popularizar suas técnicas de mechas e criar caminhos para que o futuro da beleza na Bahia seja também mais diverso e representativo. >
No Dia da Consciência Negra, a trajetória de Rafael ecoa como uma homenagem concreta: ela mostra que talento, quando encontra oportunidade — mesmo que construída com as próprias mãos — pode mudar destinos. Sua história é também a história de um Brasil que pulsa nos salões, nas feiras, nas periferias e em cada pessoa negra que, apesar dos obstáculos, insiste em sonhar grande.>