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Moyses Suzart
Publicado em 18 de outubro de 2025 às 05:00
Oldegar Passos ainda sente o vento da estrada no rosto e a pulsação de liberdade sob duas rodas. Rodou nas pistas do mundo todo. Maria Clarice também ama dirigir e pegar estrada, mas prefere veículos de quatro rodas. Carlos César é um exemplo de servidor. Nunca levou uma multa em sua condição de motorista de deputados na Alba. Tasso Franco todo dia sai para trabalhar e enfrenta rotineiramente aquela Avenida Paralela intensa no início da manhã. Além de amarem dirigir, esses quatro exemplos têm uma coisa em comum: são idosos ao volante. E ficam injuriados quando alguém questiona suas habilidades na direção devido ao tempo de vida: respectivas 76, 72, 69 e 81 anos. >
No início do mês, um casal de idosos perdeu o controle do carro e invadiu uma farmácia no Caminho das Árvores, em Salvador. Em agosto, o carro pilotado por uma senhora de 70 anos bateu no canteiro de um shopping. Neste mesmo estabelecimento, em 2023, o carro de uma senhora avançou contra uma loja de departamento, levando tudo que tinha pela frente. Em todos os casos, ninguém ficou ferido. Mas foram suficientes para muita gente indagar até que idade se pode dirigir. Mas será mesmo que estes casos servem para cravar que idoso ao volante é perigo constante?>
“De uma forma geral, os idosos cometem menos infrações e dirigem com mais cuidado. Não temos estudos conclusivos sobre este assunto, mas as infrações são diversificadas, embora eu possa garantir que não estão no rol das mais perigosas como embriaguez e excesso de velocidade”, revela o educador Rodrigo Ramalho, especialista em comportamento humano no trânsito e saúde mental.>
qual a idade máxima?>
A lei brasileira não define uma idade máxima para dirigir, seja moto, carro ou caminhões. Inclusive, somente na Bahia, existem cinco condutores acima de 91 anos habilitados para dirigir carretas e outros 28 com licença para guiar caminhões em todo território nacional, segundo o Registro Nacional de Condutores Habilitados. Somente no estado, 2.405 pessoas acima dos 100 anos estão em condições para dirigir. Mas afinal, há uma idade máxima que se recomenda para pendurar o volante?>
“Existem sinais, sim. E eles são claros. Começam com pequenas colisões e descuidos, mas temos três situações que envolvem a decisão de encerrar a condução veicular: quando a própria pessoa decide, quando o médico reprova na avaliação periódica [na habilitação] ou quando a família toma essa decisão para resguardar a segurança do idoso. Por isso, devemos estar sempre vigilantes com os nossos idosos, esse cuidado envolve diversos aspectos, e a direção de veículos também”, explica Rodrigo. >
Mas parece que a decisão quase sempre não é do idoso. Uma pesquisa internacional, feita pela Direção Geral de Trânsito da Espanha (DGT), aponta que 45% dos idosos que participaram da pesquisa admitiram ter parado de dirigir não por vontade própria, mas por pressão de familiares ou pessoas próximas. Neste mesmo estudo, uma idade foi apontada como o início da parada: 75 anos. Mas vá dizer isso para o motociclista Oldegar Passos…>
“Piloto da mesma forma de quando era jovem. Nunca fui daqueles que gostam de se exibir, se mostrar, principalmente para as mulheres. Até agora não encontrei nenhuma dificuldade pela idade avançada enquanto estou na estrada. Mesmo viajando em uma moto grande, que pesa muito, com motor de 1.800 cilindradas”, explica Oldegar, no auge dos seus 76 anos. Uma moto como a dele pesa, em média, 369 quilos. Ele nunca se envolveu em acidente. >
“As pessoas quando veem uma pessoa na minha idade pilotando uma moto, e grande, ficam realmente admiradas. Perguntam como tiro a moto do descanso, como dou ré, e a minha coragem. E olhe que já pilotei em estradas de quatro continentes, como a Europa, América do Sul e os Estados Unidos. No início deste ano, fiz a África do Sul. Para estarmos ativos ao volante de um carro, ou ao guidão de uma moto, só precisamos estarmos contentes e satisfeitos”, completa.>
Não dá para fugir. Com o Brasil envelhecendo em passos largos, a tendência é que mais idosos prolonguem sua vida nas estradas. Segundo o Censo de 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país chegou a 10,9% da população, com alta de 57,4% frente a 2010. Só para ter uma ideia, em 1980, essa faixa etária não ultrapassava 4% da população. >
Estes dados do Censo explicam muita coisa. Com tanta gente chegando na ‘melhor idade’, é natural o número de habilitados com mais de 60 anos aumentar também. Até setembro deste ano, 634.296 pessoas com 61 anos ou mais estavam habilitadas, somente na Bahia. No mesmo período do ano passado, eram 585.899, um aumento de, aproximadamente, 8,3% em um ano. Significa que novos idosos estão se habilitando? Pode ser. Mas dados apontam que, na verdade, as pessoas estão envelhecendo e continuando na ativa. Esta faixa etária representa, atualmente, quase 18% da população habilitada no estado. >
tecnologia atrapalha?>
O aumento no número de motoristas idosos não é exclusividade da Bahia: em âmbito nacional, o envelhecimento da população e a ampliação da longevidade contribuem para mais condutores 60+ no volante. Segundo dados do Registro Nacional de Condutores Habilitados, a quantidade de novas CNHs emitidas para pessoas nessa faixa etária cresceu 45% nos últimos cinco anos. Mas o que muda na prática para quem entra na fase idosa, mas quer continuar a pilotar? E até que ponto continuar dirigindo é um ato de coragem, prudência ou risco?>
“A resposta é a prudência. Nós, idosos, somos muito mais prudentes, mas não temos mais as mesmas habilidades motoras de antes, o que não significa se afastar do trânsito. Tenho mais de 60 anos ao volante e nunca me envolvi em acidentes. Um risco aqui, uma encostada na ré, no máximo. Mas ao volante, nunca. Claro, a atenção precisa ser muito maior do que antes”, disse Tasso Franco, com 81 anos. >
Tasso acompanhou os últimos acidentes que já citamos aqui, envolvendo idosos. E ele tem a opinião dele, principalmente quando um ponto é discutido: tecnologia. “Observei que todos os carros [dos acidentes] tinham câmbio automático. Foram casos isolados, uma confusão na hora de manusear o câmbio automático. Por isso prefiro o manual, dá um maior controle no carro e evita este acidente. Mas pode observar: quase não se vê acidente mais grave envolvendo idosos”, garante>
De fato, Tasso tem razão. Segundo o último estudo feito pelo DataSus, em 2023, apenas dois a cada 10 idosos que se envolveram em acidente estavam dirigindo. A maioria dos acidentes de trânsito envolvendo 61+ tem outro motivo: eles são os mais atropelados. >
“Do meu ponto de vista, como especialista em trânsito e mobilidade urbana há 26 anos, eu diria que a grande maioria dos idosos realmente é mais prudente que jovens habilitados. Quando ele tem a oportunidade de receber uma boa formação e adquirir o conhecimento necessário, dificilmente vai se envolver em infrações, ainda que apresente limitações físicas e cognitivas típicas da idade”, aponta Maurício Dantas, instrutor e especialista em trânsito e mobilidade urbana.>
Dantas treina idosos no volante e conta boas novas. O crescimento de idosos que buscam a primeira habilitação está crescendo, mesmo que ainda de forma tímida. “Em uma turma de, por exemplo, 60 alunos, eu costumo ter três ou quatro idosos. Quando falo em idoso, me refiro à faixa etária a partir dos 65. Inclusive, tive recentemente uma aluna de 74 anos, Dona Maria, que estava tirando a primeira habilitação e ficou muito feliz com essa conquista. Passou de primeira”.>
‘dirigir significa liberdade’>
Dona Maria Clarice está habilitada há 60 anos e nunca bateu o carro. E olhe que, entre outras paixões, ela ama dirigir e tomar uma cervejinha. Mas nunca, jamais, mistura bebida e volante. Gosta tanto de dirigir que, antes mesmo que a família dê falta dela, pega seu carro e se joga na estrada pelo simples fato de amar pilotar. Ela tem 72 anos e não tem nenhuma chance de deixar o volante de lado. >
“Já fiz barbeiragem? Já, como todo mundo. Mas nenhuma grave, que ocasionou algum acidente. Dirijo sempre na defensiva. Adoro minha cervejinha, mas quando vou fazer minhas farras, só de Uber. Minha paixão é dirigir. E o que muita gente não entende é que, para o idoso, poder dirigir significa liberdade e independência. E precisamos disso”, conta. >
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não prevê perda automática da carteira de motorista por faixa etária. A grande diferença está no processo de renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Para condutores até 50 anos, o prazo de renovação é de 10 anos. Até 70 anos, a cada cinco. A partir daqui, a cada três. O prazo é justamente para avaliar aptidão física e mental feita por peritos. Só assim a carteira pode ser indeferida. Procuramos o Detran para esclarecer quais são os aspectos que reprovam um idoso, mas não tivemos retorno até o fechamento desta edição. >
“É importante lembrar que o envelhecimento é um processo heterogêneo, ou seja, não dá para definir por idade o que vai acontecer, porque cada pessoa envelhece de uma forma diferente. As condições típicas do envelhecimento normal não impedem que a pessoa dirija. O essencial é realizar avaliações periódicas para garantir que o motorista mantenha a capacidade e dirija com segurança”, conta o médico Leonardo Oliva, Presidente Sociedade Baiana Geriatria.>
“Com o passar do tempo, alguns reflexos e habilidades sensoriais podem se tornar mais lentos. Também há mudanças na acuidade visual e na capacidade de adaptação dos olhos à luminosidade, o que torna a direção noturna mais difícil. Além disso, podem ocorrer alterações leves na coordenação motora, mas essas mudanças, em geral, não comprometem diretamente a condução”, completa. Por isso, muitas vezes o idoso é tido como motorista lento. A questão não é dirigir devagar, mas defensivamente, se adaptando às suas limitações do tempo. >
Aos 69 anos, Carlos César não só gosta de dirigir, como também é sua profissão. E, para ele, idade não é documento para determinar o bom condutor. “A questão não é saber quem é bom ou mau motorista. Se é jovem ou idoso. O que determina um condutor é sua responsabilidade. Como ele se comporta, como ele cuida do seu veículo, do pedestre e de tudo que envolve o trânsito. E isso sabemos que o idoso vai com muito mais paixão”, assegura. >
A rainha Elizabeth dirigiu até os 95 anos - um dos últimos modelos que conduziu foi o Land Rover Range Rover Vogue, utilitário esportivo da marca britânica, uma das favoritas da monarca, leiloado em agosto deste ano por R$ 1,2 milhão.>
Com o envelhecimento da população e a ausência de uma idade-limite para dirigir, o desafio agora é equilibrar segurança e autonomia. Um idoso invadir uma farmácia por descuido ou dirigir devagar não podem determinar que não há mais condições de guiar um veículo. A avaliação médica regular, a atenção da família e a conscientização são os principais caminhos para garantir que a terceira idade continue rodando com responsabilidade.>
Idosos no volante