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Thais Borges
Publicado em 12 de julho de 2025 às 05:00
Por quase cinco décadas, quem passava pela Avenida Presidente Dutra, uma das mais movimentadas de Feira de Santana, tinha a visão de um dos símbolos mais famosos da cidade: uma construção em forma de abóbora. Na verdade, a ‘abóbora’ de Feira era a Boate Jerimum e fazia parte do Complexo Carro de Boi, que tinha ainda restaurante e cozinha. >
Depois de todo esse tempo, contudo, a Abóbora estava numa situação sofrível, com buracos e estrutura condenada. Por isso, nos últimos meses, porém, a paisagem mudou. Em março, após mais de 20 anos fechada, a abóbora foi demolida. Em seu lugar, será construído um novo jerimum, com inspiração no projeto original e integrado ao Centro de Cultura Amélio Amorim (CCAA). Todo o Complexo Carro de Boi será restaurado. >
"Sou morador de Feira e a gente acompanha a abóbora há muito tempo. Esse espaço foi deixado de lado. A parte do teatro estava em plano funcionamento, mas a parte do restaurante estava abandonada, bem deteriorada. Já tinha escoramentos e estava bem precário. Esse foi um dos motivos da demolição", conta o engenheiro Carlos Pinho, da CSO Engenharia. Um consórcio formado pelas empresas CSO e Inovare é o responsável pelo projeto e pelas obras. >
Agora, tudo será adequado às normas atuais de segurança e construção, mas a ideia é preservar a alma do projeto original. Ou seja: a nova Abóbora deve ser parecida com a primeira, mas adequada às exigências atuais, como ter um pé direito um pouco mais alto, rota de fuga para incêndio e acessibilidade. Nos anos 1970, quando o complexo foi construído, não havia essas regras. >
Por conta dos tapumes que cercavam a área, muita gente só percebeu a demolição esta semana, depois que um vídeo da arquiteta e criadora de conteúdo Mana Lula viralizou mostrando bastidores da obra. "A Abóbora foi e continua sendo um projeto muito inovador. Se a gente olha hoje, em 2025, é inovador. Imagine quando foi construído, na década de 1970. Vejo como algo fora da curva e genial, como todos os projetos de Amélio Amorim", diz ela, referindo-se ao criador da Abóbora. >
Atualmente, o espaço pertence à Secretaria de Cultura da Bahia, que informou a requalificação do complexo vai garantir os elementos arquitetônicos originais, incluindo novas possibilidades de uso, integrado ao CCAA. Segundo a pasta, o investimento de R$6,2 milhões.>
A expectativa é de que a Abóbora nova seja um espaço multiuso. O projeto teve que passar por ajustes, mas já está sendo finalizado, de acordo com o engenheiro Carlos Pinho. Uma vez concluído, as obras devem levar cerca de seis meses. >
"A parte do Complexo vai ser toda restaurada. Antigamente, a Abóbora era uma estrutura de madeira. A gente está fazendo metálica, mais resistente. O piso do restaurante era de toras de madeira e estava bem estragado. Parte das paredes era tipo de taipa e isso vai ser refeito. Vamos tentar manter os demais pontos, como a cobertura do restaurante e as rodas do carro de boi. Estamos fazendo o máximo para preservar", completa. >
Veja como estava a Abóbora de Feira, antiga Boate Jerimum, antes da demolição; ela será reconstruída
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Desde meados dos anos 1990, a abóbora não funcionava mais e todo o complexo tinha sido fechado. Assim, o equipamento passou quase três décadas apenas como uma lembrança, sempre presente no imaginário dos moradores e visitantes da cidade. >
"Era um local emblemático que tinha um público seleto, a nata política. Era realmente um ponto de encontro", conta a engenheira Camila Bastos, da Inovare Engenharia, que também faz parte do consórcio responsável pela obra. "Essa é uma obra que busca a preservação da memória e da cultura de Feira. Traz de volta um marco, porque o objetivo do projeto é usar o máximo do original", acrescenta. >
Muito antes de ter o centro cultural batizado em sua homenagem, o arquiteto Amélio Amorim almejava fazer um complexo hoteleiro. O Complexo Carro de Boi seria parte do Hotel de Turismo Carro de Boi, que contaria com 80 apartamentos na primeira fase e outros 120 que seriam construídos depois. >
"Amélio Amorim tinha a questão de trazer elementos regionais, de trazer a terra através dos materiais. Tinha muita madeira e pedra. A própria abóbora jerimum é uma abóbora da terra", diz a arquiteta Mana Lula. O local era estratégico, por ficar muito perto da BR-324, uma das que tornam Feira de Santana um dos principais entroncamentos rodoviários do país. "Ele sabia que ali seria um local de encontro de várias pessoas e, de fato, isso acontecia". >
Ele morreu antes de conseguir fazer o hotel, em 1982. Nascido em Coração de Maria, Amélio Amorim foi um dos arquitetos mais famosos de Feira de Santana. O CCAA foi inaugurado dez anos após sua morte. >
"Amélio Amorim tinha uma veia muito forte para o modernismo, mas era também um apaixonado pelo regionalismo, pelos símbolos da nossa Feira de Santana. A Abóbora está muito mais ligada a essa paixão e veio de uma essência muito criativa e artística", analisa a arquiteta Carina Macêdo, moradora de Feira. >
Ela era uma das pessoas que ficava intrigada com a Abóbora desde a infância, quando passava por ali para ir à escola. "Achava uma edificação muito curiosa, principalmente pelo formato e pelas histórias que meus pais contavam sobre como era bem frequentada e como aquele espaço tinha uma certa excentricidade. Na minha adolescência, quando me interessei por arquitetura, eu desejei muito conhecer por dentro, mas já estava fora de funcionamento e sem acesso".>