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Carolina Cerqueira
Publicado em 11 de maio de 2025 às 05:00
Bianca Cerqueira Faria tinha 14 anos quando saiu de casa, em Salvador, para encontrar uma amiga e nunca chegou ao destino. Quando questionado sobre o ano em que o desaparecimento aconteceu, o irmão, Diego Ângelo, tem a data completa na ponta da língua. Dia 2 de janeiro de 2005. Impossível esquecer. Hoje, Bianca está com 34 anos e a união entre Inteligência Artificial e caixas de leite nas prateleiras dos mercados renova as esperanças do irmão e da mãe de Bianca de encontrá-la. >
O projeto “Desaparecidos”, do grupo Piracanjuba, começou em outubro de 2024 a estampar fotos de pessoas desaparecidas em caixas de leite. Primeiro, foram 19 fotos. A partir de março de 2025, mais 50 chegaram às embalagens de leite líquido e em pó da marca e de uma das parceiras, a LeitBom. Chegou a vez de Bianca, a primeira baiana a aparecer. A previsão é que sua foto comece a circular a partir de junho. >
Mas não é qualquer foto. As únicas imagens que a família tem dela, obviamente, são de 20 anos atrás. Por isso, entra em cena a Inteligência Artificial. A pedido da Piracanjuba, o artista digital especializado na técnica de projeção de idade Hidreley Dião consegue criar imagens que mostram como essas pessoas estariam atualmente. >
“Já fiz vários testes com pessoas que me enviaram fotos de quando eram crianças para verem se bate e é incrível a semelhança”, diz o artista, que conta que também usa imagens de pais e avós dos desaparecidos para encontrar resultados ainda mais precisos. >
“Com o projeto Desaparecidos, queremos gerar empatia e contribuir para a busca dessas pessoas. É uma forma que encontramos de aproveitar um espaço já existente nas embalagens para um marketing com foco no social, o que vai ao encontro do propósito da marca”, diz a diretora de marketing do Grupo Piracanjuba, Lisiane Campos. >
Mães na busca >
O projeto, que ganhou um site próprio (www.piracanjuba.com.br/desaparecidos), acontece em parceria com a Associação Mães da Sé, que é de São Paulo, mas hoje reúne mães de desaparecidos de todo o Brasil, inclusive a mãe de Bianca. Ela é liderada por Ivanise Espiridião, que conta que o grupo nasceu em 1996. De lá para cá, 5.796 pessoas foram encontradas. Ainda há 6 mil desaparecidos cadastrados. >
Um deles é sua filha, Fabiana Espiridião, que também tem o rosto estampado nas caixinhas. Ela desapareceu com 13 anos, em 1995. “Para o estado, 30 anos depois, a minha filha não existe mais”, desabafa Ivanise. Ela lembra que, quando a filha desapareceu, a pauta do desaparecimento era pouco conhecida. >
“Ninguém dava a devida importância a esse fenômeno social. No Brasil, 212 pessoas desaparecem todos os dias e pouca gente sabe disso. A novela Explode Coração ajudou a fazer o assunto vir à tona e hoje já temos a Política Nacional de Buscas de Pessoas Desaparecidas. Avançamos muito, mas a passos lentos, o Estado ainda precisa investir muito nessa pauta”, defende a presidente da Associação Mães da Sé. >
É em mães como Ivanise que Iracema, mãe de Bianca, buscas forças há 20 anos. Diego Ângelo, irmão de Bianca, conta que ela lê e assiste a muitos conteúdos sobre desaparecimento e, sempre que a família recebe ligações com pistas do paradeiro (muitas delas trotes), Iracema vai até cada um dos lugares. >
“Eu vou ser sincero. No início, eu pensei que mainha ia ficar maluca. Ela emagreceu de uma forma terrível e parou de trabalhar”, conta Diego Ângelo, que é policial militar e tinha 19 anos quando a irmã desapareceu. Ele acrescenta que o pai saiu de casa e deixou a mulher com três filhos. Iracema trabalhava lavando roupa para sustentar os filhos pequenos. >
Jeisa Santana, de 39 anos, também não conseguiu mais trabalhar depois que a filha, Gabrielly, desapareceu em Feira de Santana no dia 21 de janeiro de 2017, com 7 anos. No dia, Jeisa deixou a filha com a avó e foi trabalhar como babá. Gabrielly brincava na porta da casa quando desapareceu. >
“Minha mãe chamava e ela não respondia. Quando foi ver, as coleguinhas tinham ido embora e só ficou o chinelinho da minha filha”, conta Jeisa. A comunidade se reuniu para as buscas, sem sucesso. Jeisa compartilha que, para a polícia, o caso está encerrado. >
“Encontraram um crânio e disseram que o exame deu que era da minha filha. Mas o perito me disse que era o crânio de um homem adulto com a arcada dentária completa e Gabrielly estava sem alguns dentinhos na época. Não era a minha filha. Eu nunca desisti e nunca vou desistir”, diz ela, que também participa da Associação Mães da Sé e aguarda a chegada da vez de Gabrielly de estampar as embalagens da Piracanjuba. >
Diego Ângelo, irmão de Bianca, diz que também não perde as esperanças, mas, 20 anos depois, essa missão fica mais difícil a cada dia. “Vai passando o tempo e isso vai matando a gente. Já fomos em tantos lugares! O que nos resta agora é pedir a Deus.” >
“Se a gente sabe que morreu, sofre um período e depois melhora. Às vezes eu estou em casa e fico pensando se ela está em algum lugar presa, se está comendo, se está sofrendo. Uma das piores coisas é alguém desaparecer e ninguém saber o que aconteceu. Mas Deus sabe de tudo. A gente deixa na mão dele, no tempo dele”, finaliza Diego Ângelo. >
Na Bahia, de 2015 a 2025, 9.085 pessoas desapareceram. O número equivale a uma média de sete desaparecimentos por dia. A maioria é de homens (5.524) e de pessoas acima dos 18 anos (5.781). Os dados são do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. >
Somente em 2025, que tem dados atualizados até março, foram 951 desaparecimentos registrados. O número reforça a percepção de aumento de casos nos últimos anos. Para comparação, em 2021, considerando todo o ano, foram registrados 541 desaparecimentos. Em 2022, 2023 e 2024, os números ficaram acima de mil, o que também é tendência para 2025. >
A Polícia Civil alerta que não é necessário aguardar 24 horas para alertar as autoridades quando um familiar ou conhecido desaparece. Deve ser registrado um boletim de ocorrência em uma delegacia de polícia ou em uma delegacia eletrônica.>
Uma lista de pessoas desaparecidas na Bahia pode ser conferida no perfil da Delegacia de Proteção à Pessoa no Instagram (@desaparecidospcba) e no site da Polícia Civil. Quem tiver informações sobre alguém que está desaparecido deve entrar em contato com a Polícia Civil através do WhatsApp (71 99631-6538) e telefone (71 3116-0124). >