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Mariana Rios
Publicado em 14 de setembro de 2025 às 08:00
A mortadela, a lasanha, o molho bolonhesa e o tabaco. Sim, em Bolonha, ele é também símbolo de orgulho. Lá mesmo, onde se ergueu a primeira universidade que se tem notícia no mundo, um centro de formação com gente de todo lugar do globo tem a missão de elaborar, refinar e por em prática o que se descobre sobre como usar a planta americana que inunda os cérebros humanos de nicotina há milhares de anos. >
São funcionários, muitos deles jovens, diversos, reunidos num grande centro de produção que funciona 24 horas por dia. A 20 km do centro de Bolonha, em Crespellano, a Philip Morris Internacional, multinacional suiça, mostra por que a região continua sendo polo de disseminação pedagógica - também no mundo fabril. O norte da Itália, na região da Emilia-Romagna, é conhecido por sua gastronomia, universidades históricas e por ser um centro de educação, design e inovação social. >
O Centro de Excelência Industrial é recente - criado em 2021, mas desde 1963, a PMI opera em Bolonha. Um dos produtos que sai desse núcleo de inovação de processos, engenharia e sustentabilidade são sticks de tabaco (ou bastões de tabaco) que são aquecidos dentro de aparelhinhos que substituem o velho hábito de tacar fogo num cigarro. Na empresa, todos repetem como mantra: ‘se você não fuma, não comece; se fuma, pare; quem não deseja parar, informe-se sobre alternativas sem fumaça’. >
Esses aparelhinhos, batizados de Iqos (‘aicos’, em português), são vendidos há pelo menos 10 anos no Japão e na Itália (as cidades de Nagoya e Milão, respectivamente, foram as pioneiras). Por aqui, eles são proibidos, mas pelo mundo o dispositivo eletrônico para aquecer o tabaco (que fica bem enroladinho numa espécie de refil) foi adotado por 32,2 milhões de usuários - 72% deles abandonaram os cigarros. >
E tem tabaco brasileiro processado e enrolado em imensas bobinas nas máquinas que operam na Itália - mais da metade é colhido em terras brasileiras. A Bahia tem a quinta lavoura de fumo do país. Este ano, das 787 toneladas colhidas em solo brasileiro, 21t vieram daqui (estamos atrás do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Alagoas). >
Com a atual proibição, o Brasil está impedido de fabricar e exportar produtos sem fumaça para outros mercados. >
“O tabaco brasileiro é conceituado”, explicou Giacomo Volta, executivo de Comunicação da Philip Morris International, que guiou um grupo de jornalistas pela planta de Crespellano. Lá, são testados modelos fabris que serão replicados em outras indústrias do grupo. >
No final de maio, no evento que apresentou as investidas da marca para um mundo sem fumaça, o CEO da PMI, o polonês Jacek Olczak cravou que Japão e Suécia serão os primeiros países do mundo a abolir de vez os cigarros - e será em breve. “Seguir permitindo o cigarro é uma estupidez. Oferecer produtos livres de fumaça dá oportunidade ao consumidor. Mas se está sentenciando as pessoas que fumem”. >
Dentro dessa nova lógica, as palavras são usadas com parcimônia. Fumar é diferente de aquecer o tabaco - como um avião ou um celular foram sendo aperfeiçoados ao longo dos anos, é possível também aprimorar a forma de acessar a nicotina, defendem os executivos e cientistas financiados pela empresa, que assumiu o compromisso de parar de fabricar cigarros e substituí-los por alternativas sem fumaça. >
investimento bilionário>
Antes das máquinas italianas tornarem real um mundo sem cigarros ou fumaça, cientistas se reúnem num prédio à beira do lago Neuchatel, na Suíça, apelidado de Cubo. Lá, Gizelle Baker, que lidera toda a estratégia de comunicação científica da PMI, falou ao CORREIO sobre como ‘regulamentação com monitoramento contínuo’ pode ser mais eficaz do que a proibição total. >
“Eu questiono o valor de uma proibição quando ela não impede as pessoas de terem acesso a um produto, porque o que existe é completamente descontrolado. Nenhum estudo será capaz de explicar produtos que não estão sendo fabricados com boa qualidade, que não sabemos o que há dentro e que são usados por dispositivos que não têm controle sobre temperatura, por exemplo”, explica Gizelle.>
Desde 2008, a gigante suiça investiu mais de US$ 12,5 bilhões no desenvolvimento de produtos sem fumaça - o portfólio inclui tabaco aquecido, vapes e sachês de nicotina oral. Segundo Baker, atualmente há mais de 700 estudos que não são financiados pela indústria e que foram publicados sobre tabaco aquecido nos últimos anos. >
“Então, você vê que, quanto mais tempo um produto existe, mais evidências começam a ser geradas pela academia e outras organizações. Mas os grandes e caros ensaios clínicos, esses ainda somos nós, porque não há muito investimento para que esses estudos sejam conduzidos”.>
Entre 2019 e 2022, a FDA - agência reguladora dos Estados Unidos - autorizou a venda e a divulgação de informações de ‘risco reduzido’ para cinco modelos do Iqos. Segundo o órgão, por aquecer e não queimar o tabaco, o dispositivo libera menos substâncias químicas nocivas. No próximo mês, a FDA vai discutir a continuidade da autorização. >
4 mihões usam no Brasil>
Os dispositivos eletrônicos que aquecem o tabaco (seja ele líquido ou em bastão, como os da PMI) são proibidos no Brasil desde 2009. Em 2024, a Anvisa manteve a proibição. >
A decisão, no entanto, não impede a soteropolitana Catarina*, de 41 anos, e ao menos outros 4 milhões de brasileiros, de utilizar os tais dispositivos eletrônicos. Ela fuma desde os 17. Em 2020, passou a usar o aparelhinho, também chamado ‘vape’. A escolha, revela, foi porque começou a se incomodar com o odor do cigarro. “Acho que, com a redução do número de fumantes, quando um de nós entra no ambiente, é de pronto identificado. O segundo motivo foi a possibilidade de redução de danos.”>
Hoje, não consegue fumar um cigarro industrializado mas reconhece que aumentou a frequência do uso. “É vapor, então não é detectado como fumaça e o cheiro se dissipa em segundos. A falta da regulamentação que me deixa mais insegura por não se ter um controle das substâncias que tem no líquido.”>
Apenas com o contrabando de cigarros eletrônicos, a estimativa é de que o Brasil deixou de arrecadar R$ 7,7 bilhões em 2025 em impostos estaduais e federais, de acordo com estudo realizado pela Escola de Segurança Multidimensional (ESEM), do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP).>
Para a professora de comportamento do consumidor da ESPM, Luciana Florêncio, a indústria do tabaco tem que trazer o máximo de transparência para o consumidor, para que ele consiga ver que os benefícios podem ser maiores que os possíveis problemas decorrentes de seu uso. >
“A gente percebe uma forte busca dos consumidores, especialmente os mais jovens, por saudabilidade e sustentabilidade. A indústria do tabaco está inserida nesse movimento e precisa, de fato, demonstrar que alternativas como vapes e pouches [sachês de nicotina em pó] têm efeitos menos nocivos à saúde humana — além de dar transparência a essas evidências. O uso de pesquisas científicas sérias seria bastante recomendada para demonstrar que alternativas tem efeito menor sobre saúde humana”, explica Luciana. >
Em 2022, a PMI adquiriu a Swedish Match - empresa líder em produtos de entrega oral de nicotina. A empresa já anunciou que 42% da receita líquida e 44% do lucro bruto total vêm de produtos sem fumaça. Atualmente, são explorados pela marca 95 mercados com o portfólio de produtos sem fumaça. >
Por que não?>
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que adquire e distribui regularmente os medicamentos utilizados no tratamento do tabagismo, como adesivo transdérmico de nicotina, goma de mascar de nicotina e cloridrato de bupropiona e que os estoques desses insumos estão regulares. Ou seja, que não reconhece o uso do tabaco aquecido como estratégia de redução de danos. >
A pasta citou o Programa Nacional de Controle do Tabagismo que oferece atendimento integral e gratuito no SUS a usuários de produtos de tabaco e dependentes de nicotina. O programa também incentiva estados, municípios e o Distrito Federal a implementarem ações para apoiar a interrupção do tabagismo (informações em https://bit.ly/3Ia4mDW). >
Já a Anvisa informou não existir, no momento, “novidades sobre o assunto”.>
Pela 1ª vez, desde 2007, o Brasil registrou aumento de 9,3% para 11,6% na proporção de adultos fumantes. Os dados são do Ministério da Saúde >
o que é o Iqos?>
Dispositivo eletrônico que aquece palitos de tabaco embrulhados em papel para gerar um aerossol contendo nicotina>
Como é produzido o refil? >
As folhas de tabaco (Virginia, Burley e Oriental) são moídas até formar um pó fino, depois misturadas e processadas com quatro ingredientes: água, glicerina, fibras de celulose e goma guar, para formar uma pasta. Essa pasta é enrolada em uma camada bem fina e depois assada, resultando em folhas de tabaco conhecidas como “folha fundida”. Por fim, as folhas são enroladas em um carretel.>
O que tem dentro? A glicerina é essencial para gerar o aerossol e protege o tabaco do superaquecimento. A fibra de celulose confere resistência. Por fim, a goma atua como um agente aglutinante.>
A jornalista viajou a convite da Philip Morris International>