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Escritora, ativista e comunicadora: como Yasmin Morais criou comunidade com o projeto Vulva Negra

Natural de Candeias, jovem de 25 anos já levou seu trabalho para dez países, ganhou prêmios e representou o Brasil em eventos internacionais

  • Foto do(a) author(a) Maria Raquel Brito
  • Maria Raquel Brito

Publicado em 20 de novembro de 2025 às 06:00

Yasmin Morais no Encontro Feminista Vulva Negra em São Paulo
Yasmin Morais no Encontro Feminista Vulva Negra em São Paulo Crédito: ALE ANSELMI/Divulgação

Antes mesmo de nascer, Yasmin Morais já era escritora. Quando sua mãe estava grávida, o pai lia para a barriga e já arrancava reações, manifestadas através de chutes em aprovação. Como um presságio de que a literatura seria um caminho através do qual ela estruturaria sua identidade.

Anos depois, na escola, a relação se estreitou. A infância em Candeias, na Região Metropolitana de Salvador, foi regada a livros e questionamentos. Um deles foi crucial. “Muito cedo, eu já comecei a me perguntar por que, por conta da minha etnia ou do meu gênero, eu recebia um tratamento diferente de outras pessoas”, diz.

Encontro Feminista Vulva Negra no Rio de Janeiro em junho deste ano por Catharine Sant Ana do Nascimento/Divulgação

Curiosa, levou as dúvidas para a internet. Através de artigos em revistas e vídeos no YouTube, descobriu aos 17 anos as noções do feminismo. “Eu fui começando a assistir e a fazer esses links dentro da minha cabeça, e percebi que eu queria continuar estudando sobre aquilo e também escrever sobre aquilo”, relembra.

Tudo isso moldou quem ela é hoje: ativista do feminismo negro, escritora, artista e jornalista. Em 2018, criou o Vulva Negra, primeiro projeto feminista e materialista negro do Brasil. No site e nas redes sociais — em que acumula mais de 80 mil seguidores —, ela traz questões étnico-raciais e relativas à opressão feminina, que afetam a experiência de vida das mulheres negras no Brasil e em toda a América Latina.

“O Vulva Negra nasceu desse anseio de, além de documentar o pensamento e de estar ali como uma comunicadora e como uma educadora, também fomentar nas pessoas essa consciência de que mulheres negras também podem falar a respeito de outros aspectos da experiência feminina e de muitas outras experiências, até para além da nossa opressão”, conta.

De lá para cá, conquistou marcos impressionantes para uma pessoa de 25 anos. Entre 2018 e 2021, teve obras publicadas em de cinco coletâneas. Em 2019, foi finalista do Prêmio Malê de Literatura na categoria Conto/Crônica e, no ano seguinte, uma das vencedoras do Primeiro Prêmio Neusa Maria de Jornalismo.

Outro ano movimentado para ela foi 2022. Publicou o livro de estreia “Romãs incandescentes no inverno”, representou representou o Nordeste como Embaixadora na BC at Harvard & MIT e foi a primeira brasileira a palestrar no palco principal da maior conferência feminista da Europa.

Quando fala sobre as autoras que são referências para ela, seus olhos se enchem de luz. Tateia com um sorriso a estante ao seu lado para pegar alguns dos livros escritos pelos nomes mencionados. A lista é longa: Lélia Gonzalez, Andrea Dworkin, Catherine Malabou, bell hooks, Audre Lorde… “Eu guardo muitas das minhas autoras no coração já há muito tempo”, diz.

Todo o estudo não impede que enfrente obstáculos na academia, ambiente ainda predominantemente masculino e branco. Sendo uma intelectual jovem e negra, vê sua credibilidade ser posta em xeque com frequência, o que classifica como etarismo.

“Enfrentei isso em diversos espaços onde algumas pessoas, especificamente brancas, tentavam desclassificar a qualidade do meu trabalho, não por uma avaliação dele, mas por uma avaliação da minha idade. ‘Ah, porque você hoje tem 23, tem 24, tem 25’. Como se esses fossem marcadores que definissem a minha capacidade intelectual”, defende.

“E isso também é alinhado ao racismo, porque, por exemplo, quando uma pessoa branca de 20 anos, de 22 anos faz alguma coisa, ela é um prodígio, ela é genial. Quando uma pessoa de qualquer outra etnia faz algo interessante nessa faixa etária, é um impostor ou copiou de alguém. Então, é muito interessante ir percebendo como essas violências se apresentam, muitas vezes de uma maneira sutil, porque no meio intelectual ninguém quer assumir que é racista. Ninguém quer assumir que não pensou que você era negro porque está ali no seu currículo que você fala francês”, acrescenta.

Pertencimento

Se o objetivo quando pensou o Vulva Negra foi criar uma comunidade virtual de mulheres negras, isso logo tomou dimensões ainda maiores. Sentiu em pouco tempo o afeto de quem a acompanha, quando abriu uma campanha para arrecadar fundos para um intercâmbio que faria pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) na França. Em menos de um mês, já tinha o valor que precisava.

“As pessoas compraram meu sonho de verdade. Teve gente que me doou um real e falou: ‘Yasmin, é tudo que eu tenho hoje, mas você vai para a França’. Para mim foi um dos momentos mais lindos da minha história”, conta.

Ficou na França do início de 2022 até o início de 2023. Em uma ocasião, decidiu viajar para Portugal e tirar uns dias para descansar. A missão falhou rapidamente. Assim que pisou em Porto, recebeu várias mensagens de coletivos feministas pedindo um encontro, dizendo que organizariam tudo. Viria aí outro momento importante para a sua trajetória.

“Eu fui, fiz e foi uma experiência maravilhosa. Ali eu percebi que nós, enquanto mulheres, estávamos carentes desses espaços físicos onde pudéssemos de fato escutar umas às outras e perceber as similaridades das nossas experiências. Foi transcendental para mim”, conta.

Foi a primeira de muitas edições do Encontro Feminista Vulva Negra. Hoje, já passou por capitais brasileiras como Goiânia, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Em primeira mão, ela avisa: o encontro chegará em breve ao Nordeste, com uma edição em Fortaleza em março de 2026.

“Quando eu fiz o festival, pensei: ‘gente, eu quero fazer isso pelo resto da minha vida’. Eu quero para o resto da minha vida ter espaços onde as pessoas possam se sentir bem, porque não é só sobre política, não é só sobre fazer uma palestra. É se reunir com outras mulheres lésbicas, bissexuais, pessoas LGBT, negras e com deficiência sem precisar se preocupar com o que os outros vão pensar, porque todo mundo ali faz parte de uma comunidade. Isso para mim também é político. Não só escrever, ler ou falar sobre como a gente sofre.”

Quando fala que o espaço é aberto, é aberto mesmo. Se diverte ao lembrar que até homens idosos e um bebê já compareceram aos eventos do Vulva Negra. “Foi lindo esse dia”, diz. Mas reforça que as mulheres negras são sempre suas convidadas de honra. “Qualquer evento, qualquer coisa que eu faça, primeiro é nosso, porque eu e essas mulheres sempre vamos ter essa coisa em comum. Eu acho que nenhuma outra mulher no mundo me entende tão bem como uma mulher negra.”

Outra população englobada pela fala de Yasmin é a comunidade trans. Esse é um questionamento que por vezes aparece nos comentários de suas redes sociais, por ser uma mulher feminista crítica de gênero. Ciente das opiniões, ela defende que as pessoas têm uma noção dessa vertente muito baseada no que é posto na internet.

“Eu conheço poucas pessoas que tenham, de fato, lido os livros, lido as autoras, conhecido e entendido que da mesma maneira que dentro de todos os movimentos sociais filosóficos, como as próprias religiões, existem vertentes, concordâncias e embates. Isso também se apresenta no movimento feminista e também no feminismo material e crítico de gênero. Eu falo da minha perspectiva. É até ridículo para mim falar que não tenho nada contra pessoas trans. Porque eu não tenho mesmo. Eu sinto que nós, enquanto população negra sobretudo, compartilhamos uma realidade que ultrapassa determinados aspectos”, diz.

Ela reflete por alguns segundos sobre o assunto. Depois, afirma entender profundamente a dificuldade de lidar com um mundo que te vê como você não gostaria de ser visto. “Isso me aproxima de uma certa maneira da comunidade trans, porque eu entendo como é se sentir assim. Eu entendo de verdade como é se sentir assim. Mas eu sinto que é possível dialogar. Eu não consigo acreditar em um mundo onde as pessoas realmente não possam conversar e ouvir umas às outras.”

Próximos passos

Yasmin não pensa nem por um minuto em parar. Para o futuro, tem muitos planos em mente – alguns concretos e outros em construção, mas todos bem definidos. O próximo é o lançamento do segundo livro, “Mamãe, Mamãe & Eu”, que será lançado no início de 2026 pela Editora Urutau. Nas páginas do romance, ela passeia pelas experiências que a formaram como mulher e escritora e faz uma reflexão sobre a tristeza feminina.

“Eu estou feliz, porque fazia tempos que eu queria escrever uma coisa que viesse de um lugar muito sensível, mas que eu sei que é um lugar que consegue se comunicar com o lugar sensível das outras pessoas também”, diz.

Para o portal, também tem planos. “Eu gostaria muito de ter mais mulheres trabalhando comigo, esse é um desejo ancestral que eu tenho carregado”, conta. Para ela, o Vulva Negra não pode ser só seu, tem que alcançar muito mais mulheres. Tem certeza que esse momento vai chegar e que vai dar passos certeiros em direção ao futuro. O motivo é simples: sua crença na vida.

“Quando eu nasci, eu morava numa periferia da região metropolitana de Salvador. Hoje eu tenho 25 anos, eu conheci dez países, eu representei o Brasil em diversos países, eu ganhei prêmios. Eu sou uma mulher negra e eu fiz todas essas coisas. A minha comunidade acreditou em mim, os meus pais acreditaram em mim, outras mulheres negras acreditaram em mim. E isso me fez conseguir acreditar na vida.”