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Maysa Polcri
Publicado em 2 de outubro de 2025 às 05:30
O antigo aeroporto de Vitória da Conquista, o terreno destinado à futura sede da Polícia Federal na cidade, imóveis do programa Minha Casa Minha Vida e até a sede do Ministério Público Federal (MPF) estão entre as áreas reivindicadas pela Arquidiocese da cidade como pertencentes à Igreja Católica. A disputa judicial, que atinge sete bairros e pode afetar 150 mil moradores, ganhou novo capítulo nesta semana, quando a Justiça Federal determinou que a instituição religiosa não poderá realizar novas transferências de imóveis.>
Nos últimos meses, a Arquidiocese de Vitória da Conquista protocolou atos no Ofício de Registro de Imóveis da cidade, apresentando documentos que, segundo a entidade, comprovam que as áreas onde os imóveis citados pertecem à Igreja. >
A partir desses registros, a Arquidiocese busca restaurar matrículas de terrenos que, na prática, já estão ocupados há décadas por particulares, órgãos públicos e até empreendimentos habitacionais. O MPF ingressou com ação civil pública contestando a legalidade das manobras.>
Igreja disputa áreas equivalentes a sete bairros em Vitória da Conquista
No centro da disputa judicial estão as enfiteuses - direito previsto no antigo Código Civil e que foi extinto no Brasil em 2002. A prática permitia ao proprietário a concessão de imóvel para o enfiteuta, que passava a ter direitos como se fosse dono do espaço, mediante ao pagamento de taxas. Entre as tarifas cobradas estão o foro anual (valor pago todos os anos para manter o direito sobre o terreno) e o laudêmio (taxa paga toda vez que o imóvel for vendido ou transferido). >
Para o órgão, os registros apresentados pela Igreja não possuem validade, já que os prazos para regularização desse tipo de propriedade expiraram em 2003. Na segunda-feira (29), o juiz João Batista de Castro Junior, da Justiça Federal, concedeu liminar favorável ao MPF e proibiu a continuidade dos registros em favor da Arquidiocese.>
No documento, ao qual o CORREIO teve acesso, o juiz magistrado proibiu a Arquidiocese de Vitória da Conquista e o cartório do município de transferirem imóveis em favor da Igreja. Além da perda da propriedade, os atuais proprietários precisariam pagar taxas extras (laudêmio) à Arquidiocese. As áreas disputadas pela Igreja são ocupadas por cerca de 150 mil pessoas, o que representa 37,8% de todos os 396 mil habitantes da cidade.>
Procurada para se manifestar sobre o processo judicial, a Arquidiocese de Vitória da Conquista reafirmou a legalidade dos atos feitos no cartório do município. A Igreja afirma que exige laudêmio (taxa) apenas de imóveis os quais ela possui "claro direito previamente constituído". A Arquidiocese reforça ainda que emite declarações de não incidência de laudêmio, quando necessárias, para os imóveis que não são de sua propriedade. >
"O Departamento Jurídico repudia toda desinformação acerca da decisão judicial e esclarece que a Arquidiocese nunca tentou reaver terrenos de terceiros ou instituir novas enfiteuses", diz a Arquidiocese, em nota. A Igreja afirma que vai recorrer da decisão da Justiça Federal. >
Além da Arquidiocese, Carlos Alberto Resende, titular do 2º Ofício de Registro de Imóveis e Hipoteca de Vitória da Conquista, também é réu no processo. Segundo o procurador Roberto Vieira, o MPF defende que os atos realizados por ele no cartório neste processo não têm base legal. >
Carlos Alberto foi condenado pela Justiça Federal a pagar multa de R$ 50 mil por tentar transferir o caso para o Ministério Público estadual. O juiz João Batista de Castro Junior avaliou que o registrador agiu de má-fé ao tentar esvaziar a jurisdição federal. A reportagem entrou em contato com a defesa do titular do cartório, que não quis se pronunciar sobre o processo em andamento. >
A Prefeitura de Vitória da Conquista, procurada para comentar sobre o caso, disse, em nota, que não tem participação em cobranças de laudêmio, cuja compensação é cobrada diretamente pela Arquidiocese. >
"A Procuradoria-Geral do Município tem acompanhado o processo, mesmo o Município não tendo responsabilidade sobre qualquer cobrança de laudêmio. A Secretaria Municipal de Finanças já orientou o setor de cadastro imobiliário a não efetuar qualquer alteração de titularidade de imóveis para a Arquidiocese de Vitória da Conquista", diz a gestão municipal. >