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Gilberto Barbosa
Publicado em 17 de outubro de 2025 às 05:00
O Brasil vive a expectativa para a revelação do assassino de Odete Roitman. Na dramaturgia, o público saberá a resposta nesta sexta-feira (17), quando encerra a novela Vale Tudo. No entanto, se a novela se passasse na Bahia, o capítulo final provavelmente não terminaria com a descoberta do culpado. >
Essa afirmação tem como base a pesquisa Onde Mora a Impunidade, realizada pelo Instituto Sou da Paz, que aponta que apenas 13% dos homicídios dolosos cometidos na Bahia em 2023 foram esclarecidos, sendo o menor do país entre os estados que forneceram informações para o levantamento. Naquele ano, 4.461 crimes contra a vida foram registrados em território baiano, com 572 mortes esclarecidas.>
A metodologia considera crimes esclarecidos, aqueles em que ao menos um dos autores é denunciado em até dois anos após o caso. Os dados têm como base as ocorrências de homicídio doloso denunciados criminalmente e foram fornecidos pelo Ministério Público ou Tribunais de Justiça de cada unidade federativa. Dez estados foram desconsiderados por fornecerem informações incompletas.>
“Cerca de dois terços dos crimes são denunciados no mesmo ano. Uma atuação rápida das equipes de investigação, desde o isolamento até a perícia, é fundamental para que se consiga bons elementos de prova. Essa celeridade garante que o processo siga de uma forma mais robusta até uma efetiva condenação”, explica a coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Beatriz Graeff.>
Os dados da Bahia foram fornecidos pelo Ministério Público (MPBA) e mantêm a média dos anos anteriores. Dos crimes registrados no estado em 2023, 11% foram esclarecidos no mesmo ano, enquanto apenas 2% tiveram resolução no ano passado. Apesar de solicitado, o órgão não informou idade, raça ou sexo das vítimas. >
A medição no estado começou em 2017 com o estado registrando 20% de esclarecimento e alcançando o maior índice em 2019, com 24%. O número caiu pela metade em 2020, variando entre 12% e 15% nos anos seguintes.>
“A Bahia sempre esteve entre os piores desempenhos do país. É importante considerar que o estado vive uma situação já consolidada de disputa de facções criminosas, mantendo a taxa de homicídios sempre muito alta. Isso faz com que a estrutura do estado esteja sempre defasada e correndo atrás de um volume grande de mortes para investigar”, continua Beatriz.>
Para Dudu Ribeiro, integrante da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, alguns fatores explicam essa dinâmica da baixa resolução de crimes contra a vida: “Uma é a desproporção que a política de segurança pública dá aos seus esforços e, portanto, financiamento e recursos que é focado na repressão, o que tem comprometido a investigação”. >
No Brasil, a taxa de resolução chega a 36%. Os estados com os melhores índices são o Distrito Federal, com 96% e Rondônia, com 92%. Apesar da pesquisa não fazer a análise qualitativa das políticas públicas, a coordenadora afirma que o contexto criminal em cada estado pode ajudar a explicar o porquê dos números.>
“O Distrito Federal tem como característica o fato de ter polícias muito bem estruturadas, muitos recursos, bons salários, concursos regulares e isso tem impacto nos resultados. Sobre Rondônia, é importante olhar esse dado com cuidado, porque houve um salto muito grande no indicador e isso pode estar relacionado a um possível represamento de processos nos anteriores, ou a uma questão na coleta de dados no Ministério Público”, explica.>
Para Beatriz, a solução envolve a criação de um único indicador por parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública que consolide os dados sobre a elucidação de crimes no Brasil. Ela lembra que uma das motivações para o surgimento da pesquisa do Instituto Sou da Paz foi a falta desse tipo de informação por fontes oficiais.>
“Essa produção de dados padronizados possibilitaria que os estados realizem o acompanhamento anual dessa situação e fixaria o esclarecimento de crimes como uma prioridade de política pública. Se você não consegue medir o caminho para o qual está direcionada a efetividade da sua ação, não é possível identificar o que está dando certo e onde é possível melhorar”, finaliza.>
O MPBA afirmou, em nota, que “vem intensificando o controle e o monitoramento dos prazos e da qualidade dos inquéritos conduzidos pela Polícia Civil (PC)”. Entre as ações estão o desenvolvimento de protocolos de investigação de homicídios com foco no aprimoramento das técnicas de investigação, na padronização de procedimentos e na priorização de casos em que as vítimas estejam em situação de maior vulnerabilidade.>
A Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) também foi procurada e informou que cerca de 1.800 novos delegados, escrivães, investigadores e peritos foram contratados desde o início de 2023. Segundo o órgão, as contratações têm o objetivo de qualificar as investigações e garantir uma maior rapidez nos trabalhos de elucidação de crimes.>
Outras medidas informadas são a adoção da política de Policiamento Orientado Pela Inteligência (POI), com forças estaduais e federais atuando em conjunto contra grupos envolvidos em mortes violentas, além de investimentos em modernização e interiorização de equipamentos.>
“Por fim, a SSP salienta que planeja novos concursos para a Polícia Civil e Departamento de Polícia Técnica (DPT), além da aquisição de novas ferramentas de investigação”, finaliza o órgão.>