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Larissa Almeida
Publicado em 29 de julho de 2025 às 05:30
A tarifa de 50% que os Estados Unidos impuseram sobre os produtos brasileiros nem começou a valer, mas os efeitos dessa medida já estão sendo sentidos na economia baiana. No setor das frutas, especificamente a manga, já há estimativa de prejuízo de US$ 32 milhões (aproximadamente R$ 179 milhões) no Vale São Francisco, que é responsável por 80% da manga exportada pela Bahia. Nos portos de três capitais do Brasil, incluindo Salvador, contêineres com pescados que tinham como destino o país liderado por Donald Trump estão ‘encalhados’ e com possibilidade de perdas de espaço no cenário internacional. >
A situação mais grave é da manga, de acordo com Humberto Miranda, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Ele aponta que 60% da produção da fruta é escoada para os Estados Unidos – que é o segundo maior comprador –, o que preocupa o setor. “A colheita começa em setembro. Estamos falando de um produto altamente perecível e não há tempo hábil para encontrar mercados alternativos”, frisa. >
Na região do Vale São Francisco, onde a produção baiana de manga se estende até Pernambuco, 20% do que é exportado nos 50 mil hectares de terra vai para os Estados Unidos. Isso equivale a 50 mil toneladas da fruta em uma janela de exportação – que dura, aproximadamente, quatro meses, sendo que a atual iniciou no final de julho e vai até meados de novembro. >
Maiores produtores de manga da Bahia
A tendência é que a próxima carga da fruta embarque para os Estados Unidos no dia 2 de agosto, saindo de Salvador, Fortaleza e Natal. Se não houver reversão da tarifa de 50%, já há uma articulação dos produtores para que apenas 30% das mangas produzidas no Vale São Francisco sejam encaminhadas para a população estadunidense. Ou seja, o tarifaço pode gerar queda de 70% no volume de exportação da região e prejuízo de US$ 32 milhões (R$ 179 milhões). >
“É um prejuízo imenso e, diga-se de passagem, um prejuízo direto. Quando esse impacto é mensurado, é calculado o que vai deixar de ser pago e uma dessas coisas é a mão de obra. Se não há venda, não há como manter a mão de obra, então demissão é a primeira coisa que acontece. São 7 mil pessoas que trabalham nos 51 mil hectares de terra cultivada que podem ser afetadas só nessa região. Será um caos se essa tarifa seguir”, declara Tássio Lustosa. >
Além da manga, há apreensão no setor de pescados. Isso porque, desde que as taxa de 50% foi anunciada por Donald Trump, foram suspensos embarques de cerca de 58 contêineres com 1.160 toneladas de pescado, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca). Isso afetou diretamente os produtores da Bahia e de outros estados, que tinham peixes para serem embarcados nessa carga. >
Em 2022, 80% das exportações de peixe brasileiro foram para os Estados Unidos, sendo que a Bahia contribuiu com 11% desse volume. Nesse cenário, considerando o total nacional no valor de exportação de US$ 23,8 milhões em 2022, a Bahia teria exportado cerca de US$ 2,6 milhões (cerca de R$ 14 milhões à época). >
Entre os peixes preferidos para compra dos estadunidenses na mão dos pescadores brasileiros, está a tilápia. Em 2024, as exportações de tilápia da Bahia foram modestas em comparação com todo o Brasil, totalizando 174 toneladas por cerca de US $ 654 mil, o equivalente a aproximadamente R$ 3 milhões. >
De acordo com Marcos Rocha, assessor especial da presidência da Bahia Pesca, os Estados Unidos são o principal parceiro externo para exportações de pescado da Bahia, representando o primeiro lugar nas relações comerciais de exportação da piscicultura baiana. Ele aponta que, com o tarifaço, haverá diversos prejuízos para o setor. >
“Esse bloqueio representa prejuízo significativo em termos mercadológicos e de receita, embora não haja valor exato individual divulgado, mas calculam-se perdas diretas e logísticas pela suspensão e retorno das cargas. Acredita-se que o tarifaço de 50% provocará queda nas exportações, aumento de estoque, prejuízos financeiros, redução da produção, desemprego e sobrecarga no mercado interno”, elenca. >
Cerca 60 contêineres com aproximadamente 1.000 toneladas de peixe ficaram parados em portos de Suape (PE), Pecém (CE) e Salvador por suspensão dos importadores diante da incerteza tarifária, desde o dia 11 de julho. Mesmo que a participação da Bahia seja modesta na piscicultura frente o restante do país, Marcos Rocha defende a adoção de medidas emergenciais e estratégicas para preservar a cadeia produtiva da pesca no estado. >
O prefeito Bruno Reis (União Brasil) lamentou, na manhã desta segunda-feira (28), os prejuízos do tarifaço para Salvador. “Tudo que está acontecendo é lamentável. Prejudica quem quer empreender, prejudica quem quer produzir. Prejudica a cidade de Salvador. O prefeito, que tem a missão de administrar, está vendo o estado parando e, consequentemente, isso impacta a arrecadação e dificulta [a missão] de honrar nossos compromissos e garantir os níveis de investimento”, ressaltou. >
“O que a gente espera é que as autoridades tenham equilíbrio, sensatez, que possam conduzir para um acordo para evitar que a população, que não tem nada a ver com isso com as brigas políticas e com a condução da política internacional do Brasil, pague essa conta”, completou o gestor municipal de Salvador. >
A indústria baiana, que tinha estimativa de chegar aos 900 milhões de dólares até o final do ano, cerca de R$ 5 bilhões, deve perder aproximadamente 470 milhões de dólares só no primeiro ano da aplicação do tarifaço, o equivalente a R$ 2,6 bilhões convertidos. A estimativa é de Arthur Cruz, coordenador de Conjuntura Econômica da Superintendência de Estudos Econômicos da Bahia (SEI). Por enquanto, o impacto imediato tem sido na logística de envio para os Estados Unidos. >
“Para fazer um embarque em uma exportação, geralmente, leva-se 90 dias preparando a logística, quanto mais se não houver um comprador definido. Para as grandes empresas que exportam celulose, produtos químicos e outros produtos industriais, há prejuízo porque não há estrutura para absorver os custos do não-embarque e porque não há capacidade para investir e redirecionar mercados”, esclarece Arthur. >
Com a redução da exportação e cancelamentos das logísticas, o próximo prejuízo deve recair sobre a mão de obra, conforme pontuou Fernando Branco, presidente do Sindicato das Indústrias de Papel, Celulose, Papelão, Pasta de Madeira para Papel e Artefatos de Papel e Papelão do Estado da Bahia (Sindpacel), em entrevista recente ao CORREIO. >
“Há um efeito em cadeia. Porque, se houver redução da exportação, haverá redução das movimentações logísticas. Se não conseguirmos buscar outros mercados, vão reduzir a produção e isso pode causar desemprego”, constata. >
De acordo com Arthur Cruz, a celulose lidera a exportação para os Estados Unidos na Bahia. Também são grandes exportadoras as indústrias de pneus, óleos combustíveis, frutas, café e bioquímicos. Todos esses segmentos devem ter, mesmo em menor escala, prejuízos com cancelamentos logísticos. >
Wilson Andrade, diretor-executivo da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (ABAF) e integrante do Grupo de Trabalho criado pelo governo estadual com o objetivo de mensurar os impactos do tarifaço na Bahia, disse que empresas de diversos setores têm dialogado com o governo em busca de proteção para evitar desemprego. >
“Está sendo buscada uma forma de dar incentivos fiscais e financeiros para as empresas, para que elas possam não demitir seu time de trabalho e esperar uma solução mais definitiva. Os compradores querem negociar com o exportador daqui para ver quem paga a diferença de preço. Eles querem que nós paguemos e nós queremos dividir com eles”, adianta. >
Ainda segundo Wilson Andrade, foi levantado o número de 35 mil pequenos fazendeiros e 200 mil pessoas na região do semiárido baiano sem outra alternativa econômica que podem ser afetados diretamente. Por isso, ele defende a criação de um programa de assistência para a empresa e para esses fornecedores, a fim de evitar um dano social maior. >