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Gil Santos
Publicado em 30 de setembro de 2025 às 05:45
Quando uma mulher sai para mariscar no Vale do Iguape, no Recôncavo, ela passa até 5h no rio. Depois de extrair os mariscos, elas carregam o peso por 1km até chegar em casa, precisam encontrar lenha para o fogão onde vai escaldar o produto, e catar e embalar o alimento que será vendido nas feiras. A atividade é demorada e exaustiva, por isso, elas fizeram uma festa para comemorar a inauguração da Casa das Marisqueiras, um espaço para melhorar as condições de trabalho e o beneficiamento dos mariscos. >
Santiago do Iguape é uma vila de pescadores e pequenos agricultores quilombolas que fica às margens da Baía do Iguape, no município de Cachoeira. A Casa das Marisqueiras, entregue na sexta-feira (26), está a menos de 100 metros de um dos pontos de extração dos mariscos, no Rio Paraguaçu. O espaço foi construído pela Votorantim, empresa responsável pela administração da Usina Hidrelétrica (UHE) Pedra do Cavalo, e serve como ponto de apoio para essas trabalhadoras.>
O local tem área para o manejo dos mariscos, fogão para escaldar os produtos e refrigeradores para acondicionar a mercadoria. A presidente da Associação de Mulheres Quilombolas e Marisqueiras do Vale do Iguape, Olgalice dos Santos, contou que a unidade era uma reivindicação antiga da comunidade e que já começou a ser usada pelas trabalhadoras. São 168 mulheres associadas, sendo que 30 delas trabalham diretamente nas marés. As demais participam das outras etapas do beneficiamento do marisco.>
“É um processo complexo. O marisco é extraído, escaldado e catado, que é quando retiramos as impurezas. Essa etapa é repetida algumas vezes. Selamos à vácuo e, depois, comercializamos. Essa casa é muito importante porque ajudou a economizar tempo e melhorou as condições de trabalho. Quando as mulheres chegam da maré, elas têm onde tomar banho, enquanto as outras já começam o beneficiamento do produto”, disse.>
Elas pescam siri, ostras, sururu, caranguejo e aratu. São cerca de 500 kg por mês. Parte da produção vai para as escolas da região, e a outra parte é vendida nas feiras livres. A associação está em busca da autorização para comercializar também nos supermercados. As mulheres plantaram uma horta no quintal da Casa das Marisqueiras e estão usando a colheita no preparo do alimento. O local tem ainda uma máquina processadora de cascas de marisco que, segundo elas, vai entrar em operação em breve.>
Problemas>
Marisqueiras relataram que algumas espécies já não são mais encontradas, devido a mudanças climáticas, e contaram que desenvolveram problemas de saúde por conta dessa atividade. Adenildes Santana, 54 anos, é pescadora desde os 7 anos. Ela criou três filhos através desse trabalho, mas disse que isso teve um preço.>
“Na pesca do siri, por exemplo, a gente saia de casa 17h e ficava até 23h ou meia-noite, muitas vezes com a água na altura do peito. Era muita frieza. Por conta disso, desenvolvi algumas doenças. Hoje, estou fazendo tratamento porque estou com problemas nos ossos, sinto muitas dores”, contou.>
A Associação disse que cobra políticas públicas de saúde do poder público e afirmou que distribuiu Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como botas, chapéus, camisa para proteger do sol e capa para proteger da chuva, mas que algumas trabalhadoras ainda resistem em usar os kits. Na sexta-feira, elas fizeram uma festa para a inauguração com diversos tipos de salgados, todos recheados com os mariscos que elas extraíram na região.>
O gerente de operações da Votorantin, Dejair Lima, explicou que a iniciativa faz parte do Programa ReDes, que é realizado em parceria com o Instituto Votorantim e tem como objetivo desenvolver projetos e ações que fortaleçam as atividades econômicas regionais, gerem novas oportunidades de renda e promovam autonomia financeira para as famílias beneficiadas. O investimento na Casa das Marisqueiras foi de R$ 200 mil.>
“Mais do que um investimento em infraestrutura, essa parceria valoriza o trabalho das associações locais, promove geração de renda e contribui para o desenvolvimento do território de forma sustentável. Esse é um compromisso que reforça a importância da integração entre empresa e comunidade para construir um futuro com mais oportunidades e autonomia”, afirmou.>
Mariqueiras do Vale do Iguape
Um dia antes do evento, o projeto Força Quilombola do Dendê, desenvolvido pela Associação dos Pescadores e Marisqueiras do Dendê, em Maragogipe (Recôncavo), recebeu investimentos da Votorantim para ampliar e adequar a sede da associação para transformá-la em uma unidade de beneficiamento de aipim. A expectativa é que a nova estrutura permita processar mais de 50 toneladas do produto por ano, com potencial de venda em mercados regionais e programas institucionais.>
Houve também a construção de um sistema de água e a implantação de uma fossa séptica. Foram adquiridos equipamentos como seladora, mesa de inox e freezer, e os associados receberam insumos como embalagens e rótulos. O grupo ainda teve capacitação contínua em associativismo, gestão de negócios, boas práticas de manipulação de alimentos, técnicas de plantio e manejo de aipim, suporte de um gestor comercial e qualificação em gestão financeira, considerados fundamentais para a sustentabilidade da iniciativa.>