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Alexandre Lyrio
Publicado em 12 de março de 2014 às 08:03
- Atualizado há 2 anos
Ela é quem dá as cartas deste baralho, mas nada de adivinhação - a escolha é com critérios bem objetivosNão chega a ser uma tenda cigana, mas o lugar é cercado de mistérios. Quem passa pela rua mal sabe o que acontece ali dentro. Somente os que marcam horário são prontamente anunciados na portaria. “Aguarde um minuto que dona Dayse vai atende-lo”, diz uma funcionária. A mulher, então, vem receber o visitante. Usa óculos, um anel de pedra azul e unhas prateadas. A “consulta” ocorre em uma saleta no 1º andar. “Sente-se, meu filho”, diz ela, uma senhora simpática, que, ao iniciar a conversa, logo dispõe o jogo de cartas sobre a mesa.Diferente do que parece, Dayse Oliveira, 62 anos, pode ser tudo, menos uma vidente. Em vez de adivinhações, confia em dados precisos. Em vez de futurologia, pesquisa diariamente o passado e o presente de gente perigosa. No máximo, dona Dayse é uma cartomante da bandidagem.É ela a responsável por organizar o chamado Baralho do Crime, criado em 2011 pela Secretaria da Segurança Pública (SSP). Ferramenta utilizada para localizar fugitivos de alta periculosidade, não por acaso fica a cargo da Superintendência de Inteligência (SI), que tem uma discretíssima sede em Ondina. Funciona em um prédio de três andares, sem brasões ou letreiros da SSP.CritérioFuncionária do SI há dez anos, Dayse escolhe as cartas que vão compor o jogo com quatro naipes e 52 peças diferentes. Mas, definitivamente, não faz isso sozinha ou de forma aleatória. “Esse é o tipo de baralho que não se pode misturar as cartas”, observa. Ou seja, não é qualquer valete ou dama que vai fazer parte do baralho. A busca pelos critérios que vão determinar uma nova carta é incessante. A primeira decisão é não colocar meramente suspeitos. Entram no jogo apenas reis da ilegalidade, como indiciados, alvos de inquéritos concluídos e mandados de prisão em aberto, além, claro, de condenados.Cumprido um desses requisitos, é preciso seguir mais alguns passos. O primeiro é buscar informações com o delegado responsável pelas investigações, que disponibiliza histórico e fotos do bandido. Depois são levantados mandados de prisão na Coordenação de Polícia Interestadual (Polinter) e confirmada a identificação no Departamento de Polícia Técnica (DPT). Aí resta conferir o andamento dos processos na Justiça e confirmar na Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) se o sujeito realmente não está preso.“Já aconteceu de a gente preparar a carta e, na última etapa, descobrir que o sujeito estava no presídio”, admite Dayse. Sua função é justamente monitorar as 52 cartas do baralho. “E faço isso sem nenhum julgamento ético ou moral. Me baseio em informações. Meu objetivo é puramente ajudar a polícia a encontrar esses cidadãos”, destaca.Desde que foi criado, há dois anos e meio, o baralho já passou por 52 trocas. Portanto, 52 ases da criminalidade foram presos ou morreram em confronto. “Claro que tiveram os casos de suspensão de mandados ou absolvições, mas são raros. Uma vez, por questão de cinco dias, não imprimimos uma carta de um sujeito que havia sido absolvido”.Nem todas as cartas, no entanto, foram trocadas. Luan Barreto Almeida, o 5 de Espadas, por exemplo, está lá desde a criação do baralho, em 2011. Ele atua em Alagoinhas.NaipesMas, como classificar a periculosidade de determinado fugitivo? “Isso é discutido com os delegados e com meus superiores. É claro que um homicídio é mais grave que dez roubos, por exemplo. Traçamos os perfis de cada carta e chegamos a um denominador comum. Às vezes, a gente leva uma semana para traçar o perfil de um indivíduo”, explica.Se abrir vaga no baralho, no caso de uma prisão ou morte, basta cavar uma carta na longa lista de criminosos. “Estou sempre recebendo ligações de delegados, de policiais e até de juízes para incluir alguém”, conta. Houve casos em que se abriu várias vagas de vez, uma canastra de bandidos presos. “A polícia capturou três ou quatro do baralho. Um dia para comemorar”, avalia.BuracosEntrar para o Baralho do Crime significa ter seu rosto exposto todos os dias para milhares de internautas que acessam o site do Disque Denúncia. É por isso que alguns ficam com receio de serem jogados no buraco. “Tivemos três casos de foragidos, que, ao serem colocados no baralho, se entregaram à polícia. Estavam com medo de morrer”, conta dona Dayse.Apesar de alguns questionamentos por conta da exposição, o Baralho do Crime virou referência. “Na Inglaterra e EUA eles colocam imagens de suspeitos em outdoors. A gente ainda toma todas as precauções possíveis. Só colocamos bandidos perigosos”, argumenta. “Recebo visitas de delegados e agentes federais de todo o país. Já recebi o FBI aqui. Nosso trabalho é muito sério e a eficácia é comprovada”, garante. Dona Dayse não é policial e muito menos delegada. Formada em relações públicas, não é advinha ou tem bola cristal. Não devolve o amor de ninguém em uma semana, mas está convicta de que ajuda a tornar a sociedade mais justa e pacífica.>
Caráter lúdico é chave do sucesso do Baralho do Crime para a políciaO homem que inventou o Baralho do Crime, o secretário da Segurança Pública Maurício Barbosa é, claro, entusiasta do projeto. Ele admite que a ideia não é tão original assim. Inspirou-se em um modelo americano. “O Baralho do Crime foi lançado para que a população pudesse ajudar as forças de segurança com informações sobre criminosos procurados. Criamos o jogo de memorização inspirado numa iniciativa do Exército americano e, assim, temos um mecanismo importante, lúdico e com resultados positivos”, diz o secretário. “Mas nosso baralho é muito mais completo que o americano. Enquanto eles criaram um jogo com algumas cartas, sem naipes, nós lançamos um baralho completo, com todas as cartas conhecidas popularmente”, explica dona Dayse. A parceria com alguns delegados é fundamental. O diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Jorge Figueiredo, é um dos mais beneficiados com a ferramenta.“O baralho tem trazido muitos resultados positivos para todos os departamentos. Nós, especialmente, prendemos alguns homicidas depois que seus rostos foram parar no jogo”, ressalta. O próprio superintendente de inteligência, Rogério Magno Medeiros, atribui ao caráter lúdico a eficácia do baralho. “As cartas e seus significados são bem populares. Por isso o sucesso do projeto”.Baralho hoje só existe online, no site do Disque-DenúnciaApesar das cartas impressas que coloca sobre a mesa, atualmente, Dayse Oliveira, que administra o baralho e suas cartas, conta apenas com a ferramenta virtual para ajudar a localizar os bandidos, uma vez que hoje ele só existe no site do Disque-Denúncia (www.disquedenuncia.org) e não é mais impresso. O Baralho do Crime é apenas uma das ferramentas do Disque-Denúncia. Com seções como Procurados, Desaparecidos e o próprio baralho, o site já tem mais de 21 milhões de acessos acumulados desde 2005. Pelo telefone também é possível fazer uma denúncia. Na capital, através do 3235-0000 e no interior pelo 181.>