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Maysa Polcri
Publicado em 14 de outubro de 2025 às 05:30
Um ano e dois meses após se recusar a remover um cadáver de uma cena de crime em Ubaitaba, no sul da Bahia, o perito técnico Diego Messias foi surpreendido. Neste mês, foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) da Bahia a instauração de um procedimento administrativo para investigar a conduta do servidor. Diego Messias, 42, que é perito há 18 anos, defende que o trabalho não é sua atribuição. >
Em agosto do ano passado, os policiais civis da região sul estavam sobrecarregados. Auxiliares terceirizados de necropsia e transporte estavam com atividades paralisadas em protesto aos atrasos salariais. Foi nesse contexto que o perito técnico Diego Messias, que estava a caminho de uma ocorrência, foi orientado a remover um cadáver em Ubaitaba. A ordem partiu da coordenação da Coordenadoria Regional de Polícia Técnica (CRPT) de Ilhéus.>
"Eu estava acompanhando uma perícia quando o coordenador me ligou solicitando que eu pegasse uma outra viatura, do tipo rabecão, e fizesse a remoção em uma cidade vizinha. Eu informei que não iria porque, além de não ser minha função, eu não poderia furar o bloqueio de outra classe [trabalhador], que estava em paralisação", conta Diego, que é secretário de formação sindical do Sindicato de Policiais Civis do Estado da Bahia (Sindpoc) e professor universitário.>
O coordenador da unidade disse, na ocasião, que tomaria as medidas cabíveis contra a recusa do servidor, enquanto a equipe de Itabuna foi realizar o serviço em Ubaitaba. A sanção só veio mais de um ano depois, em formato de instauração de processo administrativo disciplinar (PAD). A publicação foi realizada no Diário Oficial no dia 3 de outubro, assinada pelo titular da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), Marcelo Werner. >
Perito é alvo de investigação após se recusar a remover cadáver na Bahia
Para Diego Messias, o processo de investigação coloca em risco a categoria. "Ele abre um PAD de uma forma grotesca, colocando toda a classe em risco, no sentido de me punir por eu ter me negado a fazer algo que não é minha função, é uma injustiça", critica o perito técnico. O servidor questiona ainda a demora para a instauração do procedimento administrativo, que acontece antes de uma promoção extraordinária para a categoria prevista para os próximos, de acordo com o sindicato que representa a categoria. >
Questionado sobre a instauração do procedimento contra Diego Messias, o Departamento de Polícia Técnica (DPT) informou que apura possível conduta irregular e insubordinação do servidor, considerando a Lei Orgânica da Polícia Civil. De fato, o artigo 53 da legislação que rege o trabalhos dos policiais civis diz que é função dos peritos técnios "dirigir viatura do DPT em missão de natureza policial", além de “executar tarefas de apoio à realização de perícias de infração penal e de laboratório”.>
O perito técnico alvo da investigação e o sindicato defendem, por outro lado, que a remoção de cadáver é atribuição de outros servidores. "A lei prevê a condução de viatura em missão policial para os peritos técnicos. Mas remoção de cadáver, não. Até porque a remoção é executada por outros servidores, como auxiliares de necropsia e motoristas do rabecão", rebate Diego Messias. >
Fazer parte dos deveres dos peritos técnicos preparar cadáveres para necropsia, realizar confronto e classificação impressões papilares, realizar a identificação civil e criminal na área da papiloscopia, entre outras atribuições. O DPT não respondeu o que levou a instauração do PAD um ano e dois meses após o episódio. >
Em nota, o Sindicato dos Policiais Civis da Bahia repudiou o procedimento instaurado contra o perito. "A tentativa de instaurar procedimento disciplinar contra o perito e dirigente sindical, sem base legal, caracteriza-se injustiça e pode configurar abuso de autoridade, nos termos do artigo 27 da Lei nº 13.869/20", afirma a entidade. >
"O Departamento de Polícia Técnica informa que foi instaurado Processo Administrativo Disciplinar para apurar possível conduta irregular e insubordinação do servidor, considerando que a Lei Orgânica da Polícia Civil, nº 11.370/2009, no art. 53 iten XXII estabelece que “dirigir viatura do Departamento de Polícia Técnica em missão de natureza policial” é atribuição do Perito Técnico, bem como, “executar tarefas de apoio à realização de perícias de infração penal e de laboratório”, conforme estabelecido no mesmo artigo item II. Ressaltamos que atuação sindical é constitucionalmente protegida (art. 8º da CF/88), porém não é absoluta e não autoriza o incentivo à ilegalidade ou à insubordinação administrativa". >