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Da Redação
Publicado em 19 de setembro de 2009 às 10:40
- Atualizado há 2 anos
Existe uma Porto Seguro que muita gente conhece ou já ouviu falar. É a cidade dos hotéis, resorts, restaurantes e megabarracas de luxo, entupida de visitantes atraídos pela imagem de paraíso da diversão e prazer ilimitados no Atlântico Sul. Há também uma outra Porto Seguro, desconhecida da maioria: a dos altos índices de assaltos, homicídios e tráfico de drogas. >
O problema, em um local que vive quase que exclusivamente do turismo, é quando as duas se juntam. E isso tem acontecido cada vez mais. Terça-feira, 12 de maio, km-3 da BA-001, rodovia que liga a BR-367 a Trancoso e Arraial d’Ajuda, os dois mais badalados balneários de Porto Seguro. >
A jornalista goiana Clênia Marques, 24 anos, fazia parte do grupo de 45 turistas a bordo de um ônibus da CVC, operadora que domina o mercado no extremo sul baiano.A caravana rumava para o distrito de Vale Verde, onde curtiria o dia. Mas a cidade escondida resolveu mostrar a cara. >
E,com ela,veio tudo o que não aparece nos cartões-postais ou folhetos e sites de promoção da terra onde o Brasil nasceu. Passava das 9h, quando o ônibus alcançou a ladeira próxima à Ponte do Rio do Peixe. De repente, foi interceptado por dois carros que o aguardavam na estrada- um Gol azul e um Uno branco. >
De dentro, saltaram quatro homens mascarados e com armas em punho. Invadiram o veículo e começaram o saque: dinheiro, joias, cartões, câmeras digitais, celulares. Horas após, Clênia relatava à delegada de Proteção ao Turista de Porto Seguro, Teronite Bezerra, o que se passou durante os minutos de tensão. Segundo a goiana, os turistas foram constantemente coagidos. Se tentassem pedir ajuda, eles passariam da ameaça à ação. Por sorte, todos entenderam o recado. >
Dois dias depois, oito turistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Argentina embarcaram em uma van para conhecer a Praia do Espelho, em Trancoso, top ten nas listas dos mais belos recantos do litoral brasileiro. Quando entraram em uma estrada de terra, foram parados por três homens, que estavam em uma motocicleta. Encapuzados e armados, limparam os visitantes. Um dos passageiros teve a aliança arrancada do dedo à força. >
ALVOS Os dois episódios revelam com contornos bem definidos quem entrou definitivamente na alça de mira da criminalidade em PortoSeguro e seus distritos: os turistas e os setores que sobrevivem deles, sobretudo o comércio e o trade hoteleiro. De 2008 para cá, uma nova “frente de serviço” foi aberta pela bandidagem praieira do extremo sul. >
Em menos de um ano, cerca de dez hotéis, pousadas e resorts, quase todos no ranking dos melhores da cidade, foram alvos de assaltos que até então não se viam no trecho da costa brasileira onde Cabral aportou para desbravar o país. >
Foi exatamente pelo ineditismo da ação que o ítalo-suíço Jean- Pierre Salerno não esquece do telefonema assustador recebido em uma noite de junho de 2008. Eram funcionários do La Torre, resort classe A dirigido por ele e situado na Praia de Taperapuã, onde está concentrada grande parte dos melhores hotéis e barracas de Porto Seguro. >
Do outro lado da linha veio a notícia que quase lhe tira o fôlego: haviam sido assaltados. Não só o estabelecimento, como os hóspedes que estavam no local. Naquela noite, uma picape de luxo com dois homens a bordo chegou à entrada do La Torre sem despertar suspeitas. Afinal, pareciam mais dois turistas endinheirados em busca de conforto em um dos 170 apartamentos do resort. >
Resort La Torre: assaltos e hóspedes estrangeiros feitos reféns >
Quando o veículo se aproximou do estacionamento, homens armados saltaram do fundo. Foi aí que os funcionários perceberam do que se tratava.“ O recepcionista foi rendido e obrigado a fornecer à quadrilha a lista de hóspedes, a maioria portugueses”. Um a um, todos foram saqueados. “Graças a Deus, ninguém sofreu violência física”, afirma.TSUNAMI Nos dias seguintes, foram realizados outros três assaltos nos mesmos moldes. Dessa vez, as vítimas foram os hóspedes do Villagio Arcobaleno, Portobello e Brisa da Praia, também situados na orla norte de Porto Seguro. >
O tsunami de violência iniciado em 2008 arrastou também o comércio da cidade: barracas de praia, restaurantes, lojas, farmácias, mercados, agências de turismo, poucos foramos segmentos que escaparam. >
A escalada da criminalidade já deixou marcas na economia local. “É claro que a violência prejudica o turismo. Notícias de roubos a turistas arranham a imagem da cidade e muitas pessoas deixam de vir por isso. Fora que, dificilmente, uma vítima de assalto retorna”, analisa o presidente do Sindicato dos Hotéis do Extremo Sul da Bahia (Sindhesul), Hélio Lima. >
“É tanto que, este ano, tivemos o pior julho de toda a história, com média de ocupação entre 30% e 40%, quando costumávamos ter entre70%e 80%, sobretudo na segunda quinzena do mês”, reclama. O medo, agora, é de que, se algo não for feito com urgência, a cidade deixe cada vez mais de ser um porto seguro. >
Operação abafa Na sala da delegada de Porteção ao Turista de Porto Seguro, Teronite Bezerra, é comum chegar relatos de turistas assaltados enquanto caminhavam em cartões-postais da cidade. Escadarias do Centro Histórico, orla central e as praias da zona norte são as líderes em número de ocorrências. >
Para alertar os turistas, a delegada elaborou, há cerca de quatro anos, uma cartilha com dicas para evitar a ação dos assaltantes. O projeto naufragou, à época, por que os donos de pousadas se recusaram a fornecer o material para os hóspedes, alegando que a iniciativa afastaria os clientes. >
Delegada reativou cartilha antes vetada em hotéis>
Agora, o material será impresso, a pedido do próprio trade hoteleiro, assustado com a repetição dos casos de roubo. Para ela, a situação só não é pior porque não há histórico de violência física contra turistas em Porto Seguro. >
Tráfico é o desafio Traficantes de droga são o maior problema enfrentado pelo subtenente Antonio Pereira de Farias Filho, da PM. O combate ele faz em duas frentes: a primeira, como pastor de uma igreja evangélica de Porto Seguro. A segunda, nas ruas mesmo. >
A última grande ação que coordenou, em 20 de agosto, resultou na apreensão de 4kg de cocaína. A droga estava com cinco traficantes - três paranaenses e dois cariocas - que se hospedaram em Trancoso para distribuir o produto. Conhecedor das bocas-de-fumo da cidade e dos distritos de Arraial d’Ajuda e Trancoso, onde atua, Farias concordou em mostrá-las ao CORREIO.>
“Aqui é uma. Funciona dia e noite, na cara de todo o mundo”, conta, apontando para uma casa no bairro Areal, bem próxima à residência onde mora com a mulher e os filhos. Foi seguindo suas dicas que a reportagem chegou a Bruno, brasiliense de cerca de 20 anos, que serve de avião para os turistas do Arraial. >
Sem saber que falava com a imprensa, ele logo ofereceu seus serviços em um estacionamento próximo ao Beco das Cores, ponto chique do lugar. “Você quer o quê? Tem pó, doce (LSD), balinha (ecstasy) e maconha. Busco agora”, diz. >
Ele é um dos moradores da famosa Pousada Jatobá, centro de distribuição de drogas do Arraial, junto com as localidades de Santiago, Rua Mucugê e Praça dos Hippies. “A droga é realmente o principal problema na região. >
Os altos índices de assaltos e homicídios estão relacionados ao tráfico”, conta o delegado Evy Paternostro, que comanda a 23ª Coordenadoria de Polícia do Interior, sediada em Eunápolis. Foi ele um dos responsáveis, junto com os federais, pela prisão em julho do traficante Romarinho, ex-flanelinha que virou um dos maiores comerciantes de drogas da cidade.Empresas de segurança privada fazem a festa Os adesivos são a grande moda nas ruas e avenidas onde o comércio e o setor de hotelaria em Porto Seguro estão concentrados. Intervig, Alartec, Detec, Bitarrom, Águia de Ouro são marcas estampadas nas fachadas de lojas, pousadas e hotéis, na tentativa de que funcionem para afugentar a ladroagem que, até agosto deste ano, já havia roubado 40 estabelecimentos, segundo dados da Polícia Civil. >
Na cidade, repete- se o fenômeno da multiplicação das empresas de segurança privada, comum a todo município brasileiro onde o Estado não consegue conter a criminalidade. >
Atualmente, há quase dez delas atuando em Porto Seguro e Arraial d’Ajuda, com e sem autorização da Polícia Federal (PF), órgão responsável pela regularização do setor. “Elas existem porque não tem policiamento suficiente. Virou um grande negócio”, afirma a empresária Renata Tardin, dona do Hotel Estalagem Porto Seguro. >
Ela diz que, diante dos casos de roubo, teve de contratar os serviços de uma empresa de segurança. “Pago mensalmente R$100 por um plano de monitoramento. Hoje, não dá para ficar sem o serviço”, lamenta. “ Temos segurança eletrônica e patrimonial, porque a pilantragem tá grande aqui. Os comerciantes têm medo”, diz Laércio Nascimento, gerente do supermercado Vipão, situado na Avenida Getúlio Vargas, uma das principais da cidade.>