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Mario Bitencourt
Publicado em 8 de janeiro de 2020 às 12:00
- Atualizado há 2 anos
Um projeto de convivência com o semiárido, que envolve a plantação de palmas, cultivadas por detentos em ressocialização, está levando esperança de dias melhores para o homem do campo em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia.>
Até o final de 2019, de acordo com a prefeitura local, 130 produtores rurais receberam 650 mil mudas de palma, planta nativa do México que se adaptou bem ao bioma caatinga e que é utilizada para auxiliar na alimentação de animais (bovinos e caprinos), sobretudo em época de estiagem. Além disso, a planta é utilizada também em receitas variadas para a alimentação humana. Detentos atuam em projeto de ressocialização (Mário Bittencourt/CORREIO) Batizado de Palmas para Conquista, o projeto da Prefeitura foi iniciado em 2017 e atua com presos em ressocialização desde agosto de 2018. Atualmente, 18 deles trabalham no projeto.>
Segundo o engenheiro agrônomo Reuber Matos, idealizador e responsável técnico do Palmas para Conquista e também coordenador de Fomento à Agricultura Familiar da Secretaria Municipal de Agricultura, a doação da espécie para agricultores tem como objetivo expandir e fortalecer o projeto.>
“O produtor recebe 5 mil mudas de palmas e firma o compromisso de, em um ano, devolver a mesma quantia para que outro produtor, de preferência um vizinho dele, possa ser beneficiado e faça o mesmo”, disse Matos, que almeja chegar ainda no começo deste ano a 2 milhões de muda de palmas entregues a mais 400 agricultores.>
As palmas são cultivadas em 16 hectares de uma fazenda que teve parte do seu terreno cedido pelo proprietário, para que o projeto possa ser desenvolvido. As espécies plantadas são as da variedade Doce (também conhecida como miúda) e Mão de Moça (ou Baiana).>
Essas variedades foram escolhidas para o cultivo porque são resistentes a uma praga que já atingiu plantações de palma em outros estados do Nordeste, a falsa cochonilha do carmin, um inseto parasita que se alimenta da seiva das palmas e causa a morte da planta. As espécies resistentes funcionam como uma guarnição contra a praga.>
Outro diferencial do projeto é a aplicação de técnicas agronômicas na plantação da palma, o que quase não é realizado no Nordeste, onde impera o sistema convencional - ou seja, sem controle de pragas, correção de solo e cultivo em espaçamento desordenado, o que gera baixa produção.>
“No plantio intensivo conseguimos elevar a produtividade de 27 toneladas por hectares, que é a produção hoje da Bahia, para até 500 toneladas por hectare. Então, é um ganho muito grande que temos a partir da aplicação das técnicas de cultivo, e tudo isso está sendo ensinado aos produtores que recebem as mudas e aos presos também”, disse Matos. Detentos carregam caminhão de produtor rural beneficiado com as palmas (Mário Bittencourt/CORREIO) Novos horizontes A plantação da palma, realizada no povoado dos Quatis, a 20 km de Vitória da Conquista, é feita exclusivamente por presos do regime semiaberto do Conjunto Penal de Vitória da Conquista, que abriga somente detentos desse tipo, além de mulheres de regime fechado. Atualmente, o Conjunto Penal tem 325 presos.>
Os detentos foram inseridos no Palmas Para Conquista por meio de outro projeto da Prefeitura Municipal, o Começar de Novo, que oferece oportunidade trabalho em secretarias da gestão local. Ao todo, 146 presos trabalham na Prefeitura, nas áreas de saúde, serviços públicos, meio ambiente, trabalho e agricultura.>
A atividade dos detentos ocorre por meio de parceria da Prefeitura com a Secretaria de Administração Penitenciária da Bahia (Seap). A cada três dias trabalhados, eles reduzem um dia da pena, além de receberem R$ 779 por mês - deste valor, 70% vai para a família deles e o restante é depositado em uma conta que o preso terá acesso quando terminar de cumprir a pena.>
“Temos visto uma evolução muito grande dos presos que atuam não só nesse projeto, mas em outras atividades laborais da prefeitura e das empresas. Muitos deles trabalham em atividades que já exerciam antes de terem de cumprir pena, e estão ganhando nova oportunidade para que possam ser reinseridos na sociedade”, comentou o diretor do Conjunto Penal de Vitória da Conquista, Alexsandro Oliveira. Frutos da palma, também conhecidos como figo da índia (Divulgação) Durante a visita que o CORREIO fez ao projeto, os presos contaram que buscam, no projeto, uma forma também de se afastar do que chamam de "más influências do ambiente de cárcere", e veem o trabalho como aprendizado para o exercício de uma profissão ligada ao campo.>
Para o preso que se identificou apenas como “JP”, de 36 anos, o trabalho, “é um aprimoramento do que já fazia antes”. Ele exercia a profissão de vaqueiro na região de Itapetinga, sudoeste da Bahia, e plantava palmas para alimentar o gado. “Mas era um plantio sem muita técnica, bem diferente daqui”, disse.>
Outro preso, oriundo da região de Anagé, de 35 anos, disse que seu grande objetivo é conquistar a confiança da sociedade, para que possa se reinserir no mercado de trabalho e atuar de forma honesta. “Isso é uma das coisas que tenho aprendido aqui também”, disse. Nenhum dos presos que conversaram com a reportagem quiseram dizer seus nomes e nem a razão de estarem reclusos.>
De acordo com a Seap, a Bahia conta com 2.585 presos que atuam em projetos de ressocialização, de uma população carcerária de 15.121 detentos.>
A secretaria informou ainda que está em tratativas com as prefeituras de Lauro de Freitas, Jequié e Feira de Santana para o desenvolvimento de projetos de ressocialização na área pública, tal como é feito em Vitória da Conquista. >
Atualmente, de acordo com a pasta, 109 detentos trabalham em secretarias do Governo do Estado e no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Dos que trabalham nos projetos de ressocialização na Bahia, 786 exercem atividades remuneradas, 763 atuam em atividades não remuneradas e 1.036 fazem artesanato.>
Multiplicadores Entre os agricultores beneficiados com o projeto, a sensação é de segurança com relação à continuidade do trabalho no campo, sobretudo porque a palma, além de garantir o sustento dos animais em tempos de estiagem e ser também fonte de reposição de líquidos por acumular muita água, tem sido cada vez mais usada na própria alimentação humana.>
Um dos agricultores contemplados na sexta-feira com a doação de palmas foi o agrônomo José Jorge Pereira Oliveira, da Associação de Agricultores Familiares de Amargoso, no povoado de Bate-pé, em Vitória da Conquista. Os produtores da associação receberam 50 mil mudas de palma.>
“Os agricultores estão muito confiantes, a palma é resistente à falsa cochonilha do carmin, e isso nos dá segurança de não sermos atingidos. Além disso, o suplemento alimentar à base de palma é muito importante para os animais manterem o nível de produção”, disse, informando em seguida que muitos produtores de cidades da região sudoeste criaram expectativas a partir do projeto Palmas Para Conquista.>
Para o produtor rural Felisberto José Crus, 50, da localidade de Pedra Branca, no povoado de Casulo, em Vitória da Conquista, a plantação das palmas oferece a segurança de ser autossustentável no futuro. Atualmente, ele tem 21 vacas leiteiras em produção, 12 bezerras, 4 equinos e 68 caprinos.>
“A palma é uma introdução de cultura de aumento de produtividade para o produtor rural. Todos têm receio da chegada da seca, mas com a palma o cenário muda mais um pouco, pois ela dá alimento tanto aos animais quanto para nós. Isso é um grande ganho para os produtores seguirem motivados a manterem o rebanho, e motivo de alegria saber que existem pessoas preocupadas em olhar para o homem do campo”, comentou.>
Produção de gás A palma já desperta também interesses para a produção de gás. Em Salvador, o engenheiro civil Feliciano Muiños Ventin desenvolveu um biodigestor capaz de gerar gás metano a partir da mistura da palma com esterco de bovinos.>
Segundo ele, para gerar um bujão e meio de gás, é preciso um balde de 10 litros cheio de esterco, misturado a 10 litros de água. “E quando coloca a palma triturada, acelera o processo e gera mais gás em um tempo menor. Então, a palma serve como um acelerador do processo de geração de gás”, comentou.>
No momento, ele trabalha na criação de um protótipo de biogerador que possa ser mais fácil para transportar, como se fosse uma bolsa, já que o que ele tem atualmente exige um custo alto para fazer o deslocamento.>
“Ano que vem, em janeiro, quero estar com biodigestor pronto, para levar para o projeto em Conquista e fazer os testes lá”, afirmou. “A ideia é fazer com que os pecuaristas possam aproveitar o esterco dos animais e a palma para gerar o gás e utilizar em suas casas, o que seria outra forma de obter ganhos, sem a necessidade mais de comprar gás de cozinha”, disse, sem saber ainda um preço estimado que deve custar o biogerador portátil. Umbu gigante (Foto: Divulgação) Projeto de ressocialização oferece mudas para produção de umbu gigante Um projeto de desenvolvimento econômico do semiárido, que incentiva a produção do umbu gigante há mais de 10 anos em Vitória da Conquista, está oferecendo mudas para que agricultores possam expandir a produção.>
O projeto, pioneiro no Brasil, fica localizado na região de Bate-pé e é desenvolvido por meio de uma parceria entre a Prefeitura e a Embrapa Semiárido.>
Na fazenda do projeto onde ocorre uma produção experimental, em seus 10 hectares há 730 pés de umbu, mantidos e cultivados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vitória da Conquista.>
A mudas de umbu gigante podem ser adquiridas de forma gratuita por meio da própria Secretaria Municipal de Agricultura. Além das plantas em si, a pasta ainda orienta ao agricultor o manejo com a espécie, desde o plantio à colheita.>
Com peso de 4 a 5 vezes acima dos frutos convencionais, o umbu gigante é um dos acessos do Banco de Germoplasma da Embrapa Semiárido, e apresenta potencial para cultivo voltado para o agronegócio.>
O umbuzeiro produz um fruto de polpa doce, aromática e rica em vitamina C. Além disso, sua raiz pode armazenar até mil litros de água em seus tubérculos.>
O extrativismo de umbuzeiro é uma atividade importante na geração de renda dos agricultores familiares do semiárido brasileiro, e um tipo de umbu com a característica do gigante possibilita a implantação de uma fruticultura de sequeiro.>
Plantas de umbu gigante podem ser utilizadas para reflorestar o bioma caatinga, enriquecendo a vegetação com uma planta nativa capaz de reduzir os efeitos da degradação da região.>
E a produção do umbuzeiro precisa ser expandida na região sudoeste. Segundo a Prefeitura de Vitória da Conquista, apesar da resistência da planta, capaz de suportar os climas mais áridos da caatinga, o umbuzeiro corre risco de extinção devido à falta de procura por parte da maioria dos agricultores.>
“A principal dificuldade que a cultura do umbu encontra é que os produtores tendem a optar pela criação de rebanhos, que consomem os brotos, dificultando o desenvolvimento da planta”, explica o agrônomo da Prefeitura, Dilermando Moraes.>
O coordenador de agricultura, Eduardo Castro, relata que um umbuzeiro pode ser uma importante fonte de renda, sobretudo para um pequeno produtor. “O umbu é um fruto muito apreciado, cada vez mais presente em grandes centros urbanos e de variedade gigante. Por proporcionar frutos maiores, geram um incremento ainda maior na produção por cada planta”, garante.>
Ele acrescenta que o produtor que desejar obter mudas poderá pedir na própria Secretaria, “basta que nos solicite as muda, que iremos disponibilizar ainda uma consultoria”.>
No caso dos frutos produzidos na fazenda experimental, após a colheita, feita entre os meses de janeiro e fevereiro, eles são destinados à Secretaria Municipal de Educação, onde são inseridos na produção de sucos que servem como complemento à merenda escolar dos alunos da rede municipal de ensino.>
Este mês, o projeto passou a atuar também com a ressocialização de presos do regime semiaberto do Conjunto Penal Nilton Gonçalves. Os detentos, além de desempenhar atividades laborais, aprendem a cultivar e a produzir mudas.>
“Além de dar uma nova chance na vida dessas pessoas, a Prefeitura ainda permite a eles que aprendam um ofício, o que pode significar uma fonte de renda no futuro”, comentou Eduardo Castro.>