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Da Redação
Publicado em 21 de dezembro de 2009 às 11:17
- Atualizado há 2 anos
O negócio foi fechado em Salvador, mas pareceu feito na China. Pelo menos para a empresa Constant, pertencente ao prefeito Manoel Santos de Oliveira (PT), de Nova Fátima, a 220km da capital. Este ano, ela venceu uma licitação da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) para lavar roupas do Hospital Octávio Mangabeira com preços até 135% acima dos praticados no mercado, mesmo sem possuir lavanderia própria e sem pagar água e transporte, dois dos principais custos do serviço. >
Contrato entre a Sesab e a Constant: indícios de superfaturamento e irregularidades, como transferência de custos >
Até o início de 2009, a Constant nunca havia lavado roupas hospitalares. Ainda assim, conseguiu vencer o pregão eletrônico 022/2009, apresentando proposta de R$ 4,24 por cada um dos 20 mil quilos mensais previstos no contrato. Até então, a Sesab pagava R$ 1,80 para a Cristal, empresa especializada no ramo. O preço incluía o uso e manutenção de lavanderia em sede própria e custos com equipe treinada, secagem, passagem e embalagem do material limpo, produtos químicos, esterilização e transporte da rouparia. >
De acordo com a Sesab, que nega irregularidades e superfaturamento no novo contrato, o preço mais alto se deve às especificações do edital para a licitação, que tornaram o serviço mais caro para a nova empresa responsável pela execução. O órgão diz ter feito cotação com outras empresas, que apresentaram valores cerca de 25% maiores. Mesma alegação do empresário Moacyr Constantino da Silva Filho, irmão e sócio do prefeito. Procurado, o prefeito Manoel Oliveira disse que qualquer assunto da Constant deveria ser tratado diretamente com Moacyr. >
Empresa que lava roupas do OctávioMangabeira é de prefeito do PT >
LevantamentoO CORREIO procurou a direção de três empresas do setor na Bahia para saber o valor cobrado pelo serviço às unidades de saúde privadas e às mantidas pelo estado. Como têm contratos com o governo e participam de licitações, só aceitaram falar com a condição de permanecer no anonimato. No levantamento, os valores médios variam de R$ 1,70 a R$ 2,30 por quilo na rede particular, e entre R$ 1,75 e R$ 2,80, nos hospitais públicos. Em todos os casos, a cotação incluiu lavanderia própria e custos com todos os insumos usados no processo. Entre eles, transporte para o local de destino da rouparia. “Quando o local de entrega é muito distante, o máximo que cobramos é R$ 3. Em todo o mercado, o serviço nunca ultrapassa esse valor”, diz o diretor de uma das empresas. >
ConsultorUm consultor da área, especializado em disputa de licitações para venda de produtos e serviços de limpeza e lavagem de roupas hospitalares, classificou como “abusivo” o valor unitário de R$ 4,24 pago pela Sesab à Constant. “Ainda mais, quando não se paga água e transporte, coisas que encarecem muito os custos do trabalho”, afirma. >
Segundo o especialista, para cada quilo de roupa lavada, uma empresa gasta em média 45 litros de água, o que custa R$ 0,43, levando-se em conta a tabela da Embasa válida para clientes que ultrapassem 50 mil litros de água por mês - acima dessa cota, são cobra dos R$ 9,51 por mil litros. O valor equivaleria, no caso do contrato firmado com a Constant, a cerca de 10% do custo. “É preciso ver se a empresa paga e como paga pela energia elétrica usada no processo, que representa mais 15%, fora o transporte, outro insumo caro no serviço”, acrescenta. A Sesab assegura que apenas a água não é cobrada. >
ConcorrênciaPara efeito de comparação, em junho a Sesab reajustou em 6% o contrato firmado com a Cristal para cuidar dos 40 mil quilos mensais de roupa suja do Hospital Ana Néri. Com isso, o preço unitário passou para R$ 1,73, R$ 0,10 a mais do que o anterior. No total, a empresa aumentou o teto para R$ 69,2 mil por mês. Já o da Constant é de R$ 84,8 mil, para realizar metade do serviço e livre de custos que incidem sobre a concorrente. Um verdadeiro negócio da China. >
Lavagemde roupa suja para a Sesab: nova frente de atuação >
Vídeo revela irregularidade Um vídeo obtido pelo CORREIO revela que a empresa do prefeito de Nova Fátima, Manoel Santos de Oliveira (PT), usa irregularmente a estrutura do Octávio Mangabeira para lavar a roupa de outro hospital. No caso, o Juliano Moreira, unidade com a qual a Constant mantém contrato, através da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). >
No material, de cerca de 70 segundos, um funcionário vestido com o fardamento da empresa, sem saber que estava sendo filmado, admite a um interlocutor que a lavanderia do Octávio Mangabeira serve também para lavar as roupas do Juliano Moreira. Ao fundo, aparece um balde verde com as iniciais HJM, sigla do hospital especializado em transtornos mentais. >
A reportagem não teve acesso ao contrato firmado para lavagem de roupa do Juliano Moreira. Mas no site Transparência Bahia, mantido pela Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), o primeiro pagamento da Sesab para a empresa, de R$ 11.747,57, aparece em 6 de outubro. Quinze dias depois, a Constant recebeu mais R$ 24.139,19, referentes ao pregão eletrônico 69/09. >
Em nota de esclarecimento enviada ao CORREIO, a Sesab afirma que a Constant foi “contratada para prestar serviços exclusivos ao Hospital Especializado Octávio Mangabeira”. Ou seja, por obrigação legal, a empresa não pode usar a lavanderia para realizar trabalhos “por fora”. >
No vídeo, o funcionário da empresa afirma também que lava a rouparia do Hospital Ernesto Simões, que integra a rede pública estadual, embora não mantenha contrato específico com a unidade para este tipo de trabalho. >
Empresa aumentou faturamento na gestão do PT Manoel Santos de Oliveira, o Manoelzinho do PT, é um nome bastante conhecido nos hospitais públicos baianos. Desde que abriu a Constant junto com seu irmão, Moacyr Alexandrino da Silva Filho, em 1997, o prefeito de Nova Fátima, sempre atuou na venda de produtos e serviços de limpeza para unidades da Sesab. Mas, nos últimos anos, sua empresa ganhou o domínio do setor, através de contratos com o governo do estado que somam, entre 2006 e novembro deste ano, quase R$ 14 milhões. >
Em 2006, ainda na gestão de Paulo Souto (DEM), a Constant recebeu dos cofres do estado cerca de R$ 2,8 milhões. Com a vitória de Jaques Wagner, melhorou sua performance na rede pública de saúde. No primeiro ano da administração petista, a Sesab pagou à empresa R$ 4,44 milhões em contratos, mais de 150% do ela que recebeu no ano anterior. Em 2008, faturou R$ 3,3 milhões. O crescimento foi menor do que em 2007, mas acima do que a Constant recebeu em 2006. Até novembro deste ano, o governo pagou R$ 3,5 milhões para a empresa do correligionário. Irmão de prefeito nega acusações Em entrevista gravada por telefone, o representante legal da Constant, Moacyr Alexandrino da Silva Filho, negou irregularidades no contrato com o Octávio Mangabeira. Disse que a elevação de preços ocorreu porque o edital de licitação exigia o aparelhamento da lavanderia do hospital, que já havia sido reformada no governo Paulo Souto, embora nunca tivesse entrado em operação. Contudo, se esquivou da maioria das perguntas. >
Alegou ainda que “questões espirituais” o impediam de cometer atos ilícitos. Informado sobre o teor do vídeo, mudou o tom. Afirmou que houve manipulação na denúncia e quis saber a autoria do material entregue à redação. Diante da negativa, disparou: “Mas a um juiz você terá que dizer”. >
Sesab diz não haver indícios de irregularidades Através da assessoria de imprensa, a Sesab afirmou em nota que o contrato com a Constant obedeceu aos trâmites legais exigidos no processo de licitação e que não havia nenhum indício de irregularidade. >
O órgão informou que o aumento no preço ocorreu por conta do grande número de obrigações que incidiriam sobre a empresa contratada, tais como a compra de equipamentos para a lavanderia, mas não disse se o maquinário ficaria na unidade em caso de rescisão do contrato. A Sesab explicou que a Constant venceu com critério de menor preço, contra a Monte Sinai, empresa desconhecida no setor de lavagem hospitalar. >
Operação Roupa Suja prendeu 13 por acordo em licitações Uma operação da Polícia Federal, desencadeada no Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás desbaratou cartéis que fraudavam licitações públicas na prestação de serviços de lavanderia para hospitais públicos no Rio e prendeu 12 pessoas, no ano de 2005. >
Os empresários acertavam previamente os preço apresentados nas licitações, lotean do, assim, a prestação de serviços nas lavanderias do estado e podendo cobrar preços mais elevados do que os que cobrariam se a concorrência fosse livre. De acordo com a investigação, os acordos eram realizados na sede do Sindicato das Empresas de Lavanderia do Estado do Rio de Janeiro (Sindilav). Esquema semelhante acontecia na concorrência para a compra de insumos para retrovirais (principalmente coquetel anti-HIV) nos laboratórios estaduais do estado do Rio. Prefeito foi eleito por diferença de 276 votos em 2008.>
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