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Larissa Almeida
Publicado em 21 de outubro de 2025 às 06:00
Pioneiros em conectar a Bahia com as tendências globais da moda muito antes da Shein ou da Shopee ganharem popularidade, os sacoleiros – comerciantes que vão para outras cidades em busca de novidade e voltam para vender peças de roupas em grandes sacolas – fazem parte de um grupo profissional quase esquecido no imaginário popular. Isso porque, diferente de décadas passadas, a maioria desses trabalhadores hoje tem um ponto de venda, sobretudo online. O tempo também mudou as rotas: Itabaiana (SE) e Petrópolis (RJ), dois destinos antes disputados, perderam demanda diante da força das feiras varejistas no Agreste de Pernambuco e em Fortaleza. >
Quem permanece na profissão dá risada quando é identificado como sacoleiro. É que o termo, junto com as demais mudanças, caiu em desuso para muitos. No caso de Lilian Vasconcelos, 38 anos, que desde que alcançou a maioridade passou a embarcar com a mãe para Feira de Santana e Pernambuco, ser chamada de sacoleira é uma forma de não esquecer o trabalho que ajuda a pagar as contas de casa desde cedo. >
Atualmente, Lilian trabalha como administradora em Madre de Deus e o comércio de roupas é um complemento de renda. A cada três meses, ela desembolsa cerca de R$ 400 para embarcar numa excursão para Pernambuco, que tem como destino as cidades de Toritama, Santa Cruz de Capibaribe e Caruaru. Cada uma delas tem um destaque específico no setor de vestuário, por isso, ela investe cerca de R$ 10 mil a R$ 15 mil em mercadorias a cada viagem. >
“Toritama é a capital do jeans. Então, é onde eu compro todo tipo de calça. Santa Cruz é mais diversificada, com opções tanto para moda infantil quanto moda adulto e plus size. Pernambuco, no geral, é um ótimo local para quem trabalha com esse segmento. Caruaru, além de ter os dois [moda infantil e adulto], tem muitas peças íntimas”, detalha. >
Quando o destino é Fortaleza, Lilian costuma comprar roupas inclusas na moda boutique, que tem um maior refinamento nas peças. O custo de um assento no ônibus de excursão para a capital cearense varia entre R$ 550 e R$ 600, partindo de Candeias – uma viagem de 23 horas. Ela afirma que a preferência, independente do destino, é sempre por um veículo fretado, porque os motoristas só fazem paradas estratégicas. >
“Eles já deixam a gente nas feiras. Se fossemos pegar um ônibus em uma rodoviária, teríamos que pegar um outro transporte para chegar na feira. Na excursão, tem a comodidade e o fato de já parar no estacionamento onde eles ficam recebendo nossas mercadorias. Então, o custo-benefício e a segurança acabam sendo maiores”, afirma. >
No caso da soteropolitana Lidiana Magalhães, que é sacoleira há cerca de 15 anos, o embarque em excursões é apenas para Pernambuco, estado que costuma visitar pelo menos uma vez a cada mês. Quando decide ir até Fortaleza ou São Paulo, ela ressalta que prefere pagar os custos de um transporte aéreo por conta da distância. >
“Essa é a minha principal fonte de renda. Comecei como sacoleira e hoje já tenho uma lojinha. Então, como é uma viagem com grandes desafios, já que passamos em lugares perigosos e percorremos estradas com risco de assalto, eu vou de avião para Fortaleza e São Paulo. Quando é época de festa, compro entre R$ 10 mil e R$ 15 mil de mercadoria em cada viagem. Fora desse período, compro de R$ 3 mil a R$ 4 mil por mês”, relata.>
No último sábado (18), 17 pessoas perderam a vida depois que um ônibus, que voltava do Polo de Confecções de Santa Cruz do Capibaribe (PE), acessou a contramão e atingiu rochas que estavam às margens da rodovia. O motorista chegou a retornar ao sentido correto, mas colidiu novamente em um barranco antes de tombar. Dos 17 mortos, sete eram baianos. >
Segundo Lilian Vasconcelos, que está acostumada a fazer o trajeto, de modo geral, as estradas para Pernambuco estão em boas condições, mas sempre demandam atenção maior pela sinuosidade: “Nós sempre sentimos a instabilidade no ônibus quando passa pelas curvas. Sempre vou com uma empresa de confiança, que, muitas vezes, não leva nem a capacidade máxima do ônibus. É uma viagem cansativa e perigosa”. >
Além do risco de acidente, pesa nos ombros dos sacoleiros a tensão por receio de assalto. Por conta de casos recorrentes, diversos ônibus viajam com escolta armada durante as madrugadas. Antes da medida ser adotada pelas empresas, muitos tiveram prejuízos. “Já vi gente sendo assaltada em ônibus na madrugada. A maioria dos sacoleiros pega empréstimo para viajar ou pedem financiamento e, quando ocorre de perder tudo, eles ficam em situação de extrema vulnerabilidade”, acrescenta Lilian. >
Para evitar se expor aos riscos com tanta frequência, ela utiliza as viagens para fazer contato. Uma vez estabelecida uma relação de confiança com fornecedores, os pedidos têm sido realizados cada vez mais pela internet. >
Outra estratégia, adotada pela assistente financeira Dayana Argolo, 48, que é sacoleira por ocasião – isto é, costuma fazer no máximo duas viagens por ano para Santa Cruz do Capibaribe – é ir de carro para ditar o próprio ritmo da viagem. “Eu e minha mãe saímos de Feira de Santana e encaramos nove horas de viagem de carro próprio, o que sempre achamos melhor porque vamos só para fazer isso. Tem muitas partes desertas na estrada e tinha muito assalto a ônibus, por isso, só vamos durante o dia. Gastamos em torno de R$ 1,3 mil de transporte, hospedagem e alimentação, além de R$ 15 mil para mercadoria”, finaliza.>