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Donaldson Gomes
Publicado em 9 de maio de 2019 às 05:15
- Atualizado há 2 anos
A menos de 10 quilômetros por hora, uma caixa com quase 70 toneladas desfila, fazendo história pelo Porto de Salvador. É uma das 24 naceles que – junto com outros 24 geradores e 24 hubs, para a produção de energia eólica – formam a primeira carga de equipamentos do tipo exportada pelo Porto de Salvador para os Estados Unidos. A operação iniciada anteontem deve ser concluída hoje, quando as 72 peças fabricadas pela GE Renewable Energy - Onshore Wind, em Camaçari, rumam para a cidade de Houston (Texas). >
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O embarque é o primeiro de um total de seis, que serão realizados até outubro, com a movimentação total de 80 peças de cada componente, que vão somar um valor total de aproximadamente R$ 600 milhões. Além da primeira exportação de cargas eólicas, de alto valor agregado para o mercado norte-americano, a operação atraiu, também de maneira inédita o navio Bahri Jeddan, de bandeira da Arábia Saudita, que nunca tinha atracado antes na América do Sul.>
Por envolver uma carga de alto valor agregado, tamanhos e pesos fora dos padrões de operações portuárias, a operação é conhecida no meio portuário como o de embarque de cargas de projeto. Só a etapa portuária demandou 90 dias de planejamento, para garantir que o processo iniciado há mais de um ano, com a assinaturas de contratos e início de produção, seja bem sucedido desde a fábrica, em Camaçari, até o destino final, até o destino final, a 7,7 mil quilômetros de distância. >
O que ninguém quer ouvir no meio de uma movimentação de cargas desta magnitude é a famosa frase: “Houston, i have a problem”. >
“Nossa participação neste processo foi no sentido de mostrar que o Porto de Salvador tem toda a capacidade para dar conta de uma operação desta magnitude e com suas peculiaridades”, explica o o diretor de Gestão Comercial e de Desenvolvimento da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba), Fábio Luiz Lima de Freitas. Para ele, o maior sinal de que a operação foi bem sucedida é que 72 peças gigantescas cruzaram Salvador, rumo ao porto, sem chamar a atenção da cidade. “Esta é uma operação que coroa a competência do nosso parque industrial, por produzir bens demandados pela maior economia do mundo, a nossa comunidade portuária e a infraestrutura do Porto de Salvador”, acredita Freitas. Luiz Freitas, diretor da Codeba (Foto: Marina Silva) Segundo o diretor da Codeba, o sucesso da operação é importante para literalmente mostrar ao mundo que a estrutura portuária baiana é capaz de movimentar cargas de projeto. A estimativa é que uma única operação do tipo equivalha à movimentação de seis mil contêineres. >
Nos últimos anos, o porto exportou cargas eólicas, através do Terminal de Conêineres (Tecon Salvador), operado pela Wilson Sons, para o Japão (2017/2018), Honduras e México (2018). O terminal foi a porta de entrada para 1.036 contêineres com equipamentos no ano passado, além de 6,1 mil toneladas em cargas soltas. >
Grande e sensível O empresário Matheus Oliva, diretor da Intermarítima, empresa responsável pela operação da carga, destaca a simbologia da operação. “O Brasil, que é conhecido pela exportação de produtos primários, está enviando turbinas para os Estados Unidos. A Bahia está vendendo valor agregado, tecnologia, energia limpa, para a maior economia do mundo”, ressalta. >
Oliva explica que a complexidade da operação não se deve apenas às dimensões da carga. “É uma carga fora dos padrões de tamanho e peso, que é ao mesmo tempo sensível. Tem um design industrial específico”, explica. É o que se chama de mobilidade crítica. “Os equipamentos estão cheios de componentes eletrônicos e sistemas internos que não podem sofrer com o manuseio incorreto”, diz. “Cada uma vale R$ 5 milhões”. Os 30 anos de experiência da Intermarítima foram fundamentais, acredita o empresário. >
“O mais importante é que a Bahia mostra a sua vocação para o comércio exterior, apesar da aridez do momento. Pouca coisa está acontecendo, mas é possível fazer algo. Quando essa carga chegar lá, a origem dela é a Bahia”, comemora Matheus Oliva.>
O vice-governador e secretário de Desenvolvimento Econômico da Bahia, João Leão, destaca o interesse do estado em tornar operações do tipo mais constantes. “A Bahia lidera no número de parques em operação, lidera no cadastramento e na comercialização de projetos nos leilões e, além deste protagonismo nacional, temos uma indústria de componentes consolidada”, afirma. Segundo ele, o desafio agora é atrair para cá as grandes indústrias de subcomponentes, concentradas hoje nas regiões Sul e Sudeste do país. >
Planos para Camaçari O diretor de Supply Chain da GE Renewable Energy - Onshore Wind para a América Latina, Brian Pitel, conta que o interesse da empresa é o de ampliar operações do tipo a partir da unidade em Camaçari. “Esta é uma operação muita representativa para a GE e inclusive estamos analisando alternativas que possam nos tornar ainda mais competitivos, permitindo ampliar oportunidades de novos negócios tanto no Brasil, quanto para novas exportações”, afirma. >
Atualmente, a planta industrial conta com cerca de 100 empregados diretos, além dos parceiros na região, que fornecem serviços de transporte, guindaste, armazém, manutenção e segurança.>
Anteriormente, a GE havia realizado operações de exportação a partir de Camaçari para o Japão e a Europa. “No entanto, a operação atual representa um marco para a nossa empresa, pois é a primeira exportação da unidade para os Estados Unidos, além de ser a maior quantidade de aerogeradores já exportados pela GE diretamente de Camaçari”, explica.>
O executivo da GE avalia que energia eólica como uma das “protagonistas do setor elétrico brasileiro”. A empresa projeta que a demanda por produtos do tipo deve continuar a crescer e faz planos de novos investimentos na unidade baiana. “Esses investimentos contemplam também a adequação da fábrica de Camaçari para produzir a maior turbina onshore da GE, a Cypress 5,3 megawatts (MW), que já está sendo comercializada no mercado”. >
As projeções são de que o país ultrapasse o patamar de 15 giwawatts em capacidade instalada a partir da energia eólica em breve. “A GE está avaliando alternativas de investimento para ampliar sua capacidade produtiva e a cadeia de fornecimento local”, diz Pitel. >
Parque industrial A Bahia possui o maior parque industrial de fabricantes de aerogeradores, com quase 60% do mercado brasileiro em capacidade produtiva. Estes fabricantes, também chamados de montadores, recebem partes e peças e realizam a integração do sistema. A montagem completa do aerogerador se dá no local de implantação do parque eólico, quando o cubo é acoplado à torre, as pás são fixadas na nacele e ambos são integrados em uma máquina completa.>
Atualmente, mais de mil pessoas trabalham em empresas que fabricam equipamentos para a produção de energia eólica na Bahia. >
A diretora de desenvolvimento de negócios da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Lais Maciel, acredita que nos próximos anos o estado vai conseguir atrair mais fabricantes de componentes. Segundo ela, este processo estava em curso, mas retrocedeu por conta da ausência de novos leilões de energia nos últimos três anos. >
Com a expectativa de crescimento da economia nos próximos anos e a consequente alta na demanda por energia, Laís acredita em um cenário de crescimento na indústria de componentes. “O governo federal anunciou leilões de energia para os próximos três anos e em relação à transmissão, que é considerada um gargalo para o crescimento do setor, temos o cenário em que 50% dos projetos previstos para o país serão implantados na Bahia”, pondera.>
Atualmente, a Bahia é líder no número de parques eólicos em operação no país e tem, sozinha, 31,8% dos novos projetos cadastrados para o setor no leilão que será realizado no próximo mês de junho. O estado se destaca pela qualidade dos ventos, constantes e unidirecionais, o que permite a produção de energia em mais da metade dos dias. São 156 parques eólicos implantados por 23 municípios baianos. >
Os seis maiores destaques são os municípios de Sento Sé, com 42 projetos e 964 MW de geração; Caetité, com 36 projetos e 777 MW; Igaporã com 31 projetos e 539 MW; Campo Formoso com 27 projetos e 683 MW; Morro do Chapéu com 24 projetos e 653MW; e Gentio do Ouro com 11 projetos e 246MW.>
O presidente da consultoria Eoluz, Rafael Valverde, explica que o mercado de energia tem características globais.“Fornecer equipamentos para projetos em outros países requer capacidade de competir mundialmente. O Brasil tem dificuldades na área de infraestrutura, logística, custos trabalhistas e tributários elevados, o que dificulta a inserção internacional”, explica. Por outro lado, complementa: “Existem unidades industriais com alta competitividade e condições técnicas que só se encontram por aqui”. Além disso, Valverde aponta a desvalorização cambial como um fator que ajuda a tornar operações externas mais atrativas. >