Entenda por que o Acervo da Laje leva bem-estar ao Subúrbio

Peças raras encontradas no lixo, doadas ou compradas estão no espaço que é uma casa-museu-escola

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  • Laura Fernades

Publicado em 16 de setembro de 2019 às 09:38

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO
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A presença do Acervo da Laje no Subúrbio Ferroviário de Salvador virou sinônimo de bem-estar na região. Não só por sua vista encantadora - da varanda, o encontro do mar com o rio parece uma pintura natural. Também não é só por causa das mais de 5 mil obras de artistas locais que abriga em duas casas acolhedoras. Mas, sim, por motivos mais subjetivos que podem ser melhor compreendidos a partir de uma história curiosa contada pelo próprio idealizador do espaço.

Jogada no lixo, uma estátua chamou a atenção do pedagogo José Eduardo Ferreira Santos, 44 anos, que pegou o objeto de madeira e levou para sua casa-museu-escola, mais conhecida como Acervo da Laje. Mal sabia Eduardo que havia ali uma raridade. Só depois de um tempo é que ele descobriu que estava em posse, na verdade, de “um Paciência”. Então, foi correndo atrás dessa história. 

“Descobrimos que esse homem morou em Paripe e fazia esculturas de santos maravilhosas”, revela, sobre o trabalho de Adilson Baiano Paciência. “Não tem biografia, não tem história dele. Só sabia que era um senhor, negro, que vendia no Mercado Modelo”, destaca Eduardo, que rodou a cidade em busca de outras obras de Paciência e hoje coleciona uma série. “São artistas invisíveis do Subúrbio”, ressalta. (Foto: Marina Silva/CORREIO) O que para uns não passou de descarte, portanto, para ele virou sinônimo de pertencimento e daí vem o sentimento de bem-estar. Afinal, o pedagogo nascido e criado no Subúrbio acredita que a preservação da memória e do patrimônio cultural têm “uma função importante no desenvolvimento humano”. 

Mestre em Psicologia e doutor em Saúde Pública, Eduardo defende que o contato com a obra cria uma “dimensão carregada de pertença” e o encontro com a beleza transforma realidades vulneráveis. E é sobre isso que vai conversar nesta terça-feira (17), às 18h, na roda de conversa Patrimônio É, que acontece no Espaço Cultural da Barroquinha (veja matéria coordenada).

Olhar Chamado de professor pelos vizinhos, Eduardo recebeu a reportagem em sua Laje, na última sexta-feira. Ao chegar no espaço idealizado por ele em 2011 e mantido com a esposa e professora Vilma Soares, 51, encontramos o pequeno Guilherme Ferreira, 9. Frequentador assíduo, o estudante estava concentrado na aula de reforço com Vilma.

Mesmo atento, o garoto fez uma pausa para contar o dia em que encontrou uma peça rara, hoje parte do acervo. Foi nas férias, enquanto ajudava o pai a subir uma laje, que viu um objeto branco brilhando na areia e na hora lembrou do que aprendeu no Acervo da Laje: observar a beleza do entorno. Imediatamente, guardou a peça e no dia em que voltou a estudar, foi correndo para a “pró” Vilma. Entregou, para surpresa dela, um artefato de marfim.

Não acaba aí. Em outro momento, o pequeno encontrou uma pintura em aquarela no lixo e foi correndo chamar a professora. “Tava saindo da banca e na hora que passei do quadro, voltei pra chamar minha pró, porque quadro tem que ficar na parede”, justifica o simpático estudante que, com apenas 4 anos, começou a frequentar o Acervo onde tocar nas obras é mais do que permitido: é necessário.

“Tudo isso trabalha a percepção, o olhar, a curiosidade de saber que aquilo é importante. Mexe muito com o raciocínio da criança, que tem vontade de aprender”, destaca Vilma. “A gente permite que toquem nas obras, porque acreditamos que essa dimensão é educativa. Ela vai nos oferecer pessoas mais conscientes daquele patrimônio, mais educadas, mais sensíveis em relação à vida, e que vão ter repertorio para lidar com as dificuldades”, completa Eduardo.

Beleza No momento em que as pessoas se identificam com esse acervo, “o valor de cuidado e pertencimento com esse patrimônio muda”, reforça o gerente de patrimônio cultural da Fundação Gregório de Mattos (FGM), Edwin Neves, 39. “Acredito que isso aproxime mais a população, no que tange conhecer a história da sua cidade”, completa o porta-voz do evento de amanhã, que faz parte do projeto Salvador Memória Viva.

É a partir dessa proposta que o Acervo da Laje mantém sua missão: contar a história do Subúrbio através de tijolos, azulejos e porcelanas antigas, assim como artefatos históricos, quadros, esculturas, fotografias, livros e outros objetos. Além dos trabalhos de artistas locais, comprados ou doados, o Acervo reúne obras cedidas por nomes como Calasans Neto (1932-2006), Reinaldo Eckenberger e Kennedy Bahia (1929-2005).

“O Acervo da Laje aumenta minha noção de pertencimento. Sinto bem-estar em poder dar uma devolutiva ao bairro onde nasci, em continuar educando as pessoas, em favorecer as trocas simbólicas para o bairro não virar um gueto. Eu e Vilma encontramos a beleza, a arte, e quando você encontra uma coisa bonita, você não guarda embaixo de uma caixa. Você quer mostrar para todo mundo”, sorri Eduardo.

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Evento gratuito aborda memória e cultura no Subúrbio

A partir do tema Subúrbio Ferroviário: Memória e Cultura, a roda de conversa Patrimônio É acontece nesta terça-feira (17), às 18h, no Espaço Cultural da Barroquinha, com entrada gratuita.

O evento realizado pela Fundação Gregório de Mattos (FGM) e mediado por Edvard Passos, vai contar com a participação do pedagogo e curador do Acervo da Laje, José Eduardo Ferreira, além do geógrafo e professor titular do Programa de Pós-Gradução em Desenvolvimento Regional e Urbano (Unifacs), Renato Barbosa Reis.

Outra convidada do evento é Ana Vaneska Santos de Almeida, que coordenou o projeto Experiência de Gestão Participativa do Centro Cultural Plataforma.