Terreiro do Bate Folha completa 100 anos; conheça história

Festa acontece durante o domingo e segue até dia 10

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  • Daniel Silveira

Publicado em 4 de dezembro de 2016 às 06:18

- Atualizado há um ano

O ano era 1916 quando Manoel Bernandino da Paixão fundou o terreiro do Bate Folha, o Manso Bandunquenqué. O mesmo que já foi cantado por Margareth Menezes nos versos da música Toté de Maianga. Atualmente, o espaço ocupa um terreno de 15 hectares, no bairro da Mata Escura, em Salvador. O atual cuidador da casa é Cícero Rodrigues Franco Lima, que  também é chamado de Tata Muguanxi, o zelador de inquices da casa. Inquices é como são conhecidos os orixás na tradição do Candomblé Congo-Angola, que é seguida pelo terreiro desde a sua fundação. O barracão do terreiro do Bate Folha é onde acontecem as cerimônias do candomblé (Foto: Angeluci Figueiredo/CORREIO)Ele é de Lemba (Oxalá), assim como a maioria dos outros zeladores que a casa já teve, mas pontua que o terreiro e todo o terreno são de Bamburucema, o nome de Iansã na cultura banto. “Foi tudo oferecido a ela, é dela”, diz o sacerdote.

O terreiro carrega uma forte herança do sincretismo, tanto que o registro jurídico é Sociedade Beneficente Santa Bárbara. Além disso, eles têm uma imagem da santa em casa.Conheça um pouco dessa rica história de devoção e fé. O terreiro fica localizado na Mata Escura (Foto: Angeluci Figueiredo/CORREIO)Casa dos seis homensApesar de ser de Iansã, o terreiro do Bate Folha é uma casa patriarcal. Todos os seis chefes que passaram por lá foram homens. O primeiro foi seu Bernardino, que recebeu o terreno e o entregou a Iansã. Ele tinha o título de Ampumandezu e ficou na liderança do local por 30 anos. A ele seguiu Antônio José da Silva, Tata Bandanguame; Pedro Ferreira Tata Dijineuanga; João José da Silva, Tata Nebanji; Eduarlindo Crispiano de Souza, Tata Molundurê; e Tata Muguanxi, que cuida da casa desde 2007.  "Sempre tive uma ligação muito forte e vim tomar conta da casa dela", conta Cícero Rodrigues, também chamado Tata Muguanxi, atual zelador de inquices da casa (Foto: Angeluci Figueiredo)O fato de só terem homens à frente do terreiro é explicado por Cícero como uma decisão da própria Iansã. “Os mais antigos contam que, na cabeça de seu Bernadino, ela sempre disse que a casa dela teria um homem à frente e que ela seria a única mulher a mandar”, diz. Cabem às mulheres tarefas que envolvem as roupas e comida da casa. Aos homens ficam as responsabilidades das obrigações, o quarto do santo e as arrumações.

Outra curiosidade apontada por Cícero é o fato de que nenhum deles tinha Iansã como orixá de cabeça. Na verdade, quatro deles eram de Oxalá (Lemba) e os outros dois eram de Xangô (Zazi) e Omolu (Kavungo). O acarajé é a comida preferida de Iansã, a dona da roça do Bate Folha: ela comanda(Foto: Arquivo Correio)Rainha da casa“Essa roça foi dada de presente a ela”, lembra Cícero. Os antigos contam que seu Bernadino sempre dava comida a Lemba no primeiro dia do ano, ele ficava o mês de janeiro, mas o resto do ano era ela quem comandava”.

Também chamada de Oyá, a dona do terreiro do Bate Folha é conhecida como rainha dos raios, ventos e tempestades. Uma das suas características é a força. “Ela também é mãe, lutadora e usa sua espada para defender os seus através da luta”, conta Cícero. Sua cor é o vermelho, predominantemente, e sua comida favorita é o acarajé. “Sempre um grande, com sete pequenos do lado”. E nada de abóbora, ela não gosta, tem quizila. “Aqui (no terreiro), a gente não usa abóbora em nada”, lembra o sacerdote. A saudação para a orixá  é “eparrei”.

Uma santa no terreiroA fé e devoção em Santa Bárbara é uma das marcas do Bate Folha e herança, no terreiro, do sincretismo religioso. Parte da festa que o templo oferece a Bamburucema acontece na Igreja do Rosário dos Pretos, onde a santa católica é reverenciada. Todos os anos, uma missa é celebrada lá e, depois, uma procissão segue para o terreiro. A imagem da santa que pertence ao local passa por todos os cômodos da casa. A última parada é o barracão. “Quando chega lá, os santos do candomblé respondem e dá-se uma saudação aos inquices”, conta Cícero.

Ele conta que, enquanto muitos terreiros preferem a separação entre as religiões, isso não é uma questão de relevância por lá. “Nunca tivemos problemas e mantivemos a missa de Santa Bárbara pela tradição”, finaliza.

A festaAs comemorações do centenário do Bate Folha começaram há mais de uma semana, com uma homenagem na Assembleia Legislativa da Bahia, proposta pelo deputado Bira Coroa, e continuam até domingo que vem.

Hoje, no terreiro, a partir das 9h30, acontece a mesa Protagonismos das Religiões de Matriz Africana. A programação segue à tarde com a mesa O candomblé de Angola e sua Resistência Cultural. Depois dos debates será apresentado o Recital Fala Preta. Ao final do dia, às 17h30, tem apresentação do Maracatu Nação Raízes, de Pai Adão. Santa Bárbara é reverenciada pela sua trajetória de devoção e fé (Foto: Angeluci Figueiredo/CORREIO)O espaço também recebe a Exposição Fotográfica: 100 Anos do Terreiro do Bate Folha, da fotógrafa Marisa Vianna, fruto de dois anos de imersão  na comunidade. A visitação pode ser feita até dia 18. No dia 10 acontece a Festa de Bamburucema, a partir das 20h, aberta ao público.

SincretismosHistoricamente, os adeptos das religiões de matriz africana conseguiram reverter a perseguição que sofriam por conta de suas crenças, dando nome e o rosto de santos católicos aos seus deuses. A Iansã, por exemplo, a relação foi feita com Santa Bárbara, princesa do século III, que se converteu ao cristianismo.

“Segundo a tradição católica, ela era uma jovem virgem, nascida na Nicomédia, onde atualmente é a região da Turquia, filha única de pai rico, que tinha muito receio da filha sofrer com a corrupção dos homens da época e, por isso, a trancou numa torre”, conta padre Lázaro Muniz, pároco da Catedral Basílica de Salvador e capelão da Igreja do Rosário dos Pretos.

Depois de muito tempo presa, o pai permitiu que Bárbara visitasse a cidade próxima do castelo. Foi durante esse passeio que ela conheceu cristãos que falaram sobre a nova fé crescente. Depois de um tempo, a jovem também se converteu e foi batizada. Seu pai não gostou nada da decisão e a denunciou. Sem negar sua nova crença, Bárbara foi julgada, torturada, teve seus seios arrancados e foi condenada à morte. “A tradição conta que foi o próprio pai que a degolou. No momento de sua morte, houve um estrondo grande e um relâmpago que o deixou sem vida”, diz o padre. Por isso, ela é invocada para a proteção contra tempestades, raios e trovões.

A santa católica também protege aqueles que lidam com fogo, por isso é padroeira dos bombeiros. Ela também é chamada protetora dos artilheiros e dos mineiros.

Elementos como o relâmpago, a espada na mão, a coroa na cabeça, o vermelho e a relação com o fogo ajudam a estreitar a relação entre as duas divindades.