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Baiana cotista perde vaga em Medicina por não ser considerada parda: 'Vida destruída'

Mesmo após decisão judicial, Samille Ornelas teve matrícula cancelada com semestre quase concluído

  • Foto do(a) author(a) Carol Neves
  • Carol Neves

Publicado em 5 de agosto de 2025 às 10:47

Samille Ornelas
Samille Ornelas Crédito: Reprodução

Uma estudante baiana, aprovada em Medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF) por meio de cotas raciais, teve a matrícula cancelada após um ano frequentando o curso. Samille Ornelas, de 31 anos, ex-aluna de escola pública e autodeclarada parda, viu seu sonho ser interrompido a duas provas do fim do primeiro semestre de 2025, quando a Justiça cassou a liminar que lhe havia garantido o direito à vaga.

“Meu mundo caiu. Minha vida toda está assim, bagunçada, destruída, baseada em um vídeo de 17 segundos. Ninguém me viu para dizer se sou parda: nem a banca, nem a Justiça”, disse Samille em entrevista ao portal G1.

A jovem, que já havia cursado Biomedicina pelo Prouni na mesma modalidade de cotas raciais, tentou ingresso em Medicina pelo Sisu de 2024, escolhendo a UFF e se inscrevendo para vagas destinadas a pessoas pretas ou pardas, com renda familiar de até 1,5 salário mínimo.

Como parte do processo de verificação, a universidade solicitou um vídeo curto, com foco no rosto da candidata, conforme previa o edital. O Comitê de Heteroidentificação da instituição analisou as imagens e concluiu que Samille “não apresentava as características fenotípicas esperadas”, indeferindo a matrícula.

Baiana Samille Ornelas perdeu vaga por Reprodução

Ela recorreu à universidade, gravou novo vídeo, apresentou fotos antigas e comprovantes da sua trajetória acadêmica, mas a resposta foi a mesma. Foi então que acionou a Justiça.

Com uma decisão liminar favorável, Samille conseguiu ingressar na universidade em janeiro de 2025. Morando em Belo Horizonte à época, ela se mudou às pressas para o Rio de Janeiro, pedindo demissão do emprego.

Durante o semestre, seguiu normalmente com os estudos, até ser surpreendida ao tentar entrar no refeitório da universidade. “Deu ‘acesso negado’ no QR code. Achei que fosse algum problema do aplicativo, mas aí, entrando no sistema, vi que todos os meus dados tinham sido apagados. Minhas notas, minha grade horária, tudo tinha sumido, como se eu não fosse ninguém”, relatou.

A explicação estava em um aviso no sistema acadêmico: “matrícula cancelada por liminar cassada”. A Justiça havia revertido a decisão anterior e a universidade desligou Samille do curso.

Laudo

Para reforçar sua identidade racial, os advogados da estudante pediram um laudo antropológico. “Ele analisou meus traços, o formato dos meus lábios, o meu nariz e o meu crânio, para provar que tem origem negroide. O laudo mostrou que tenho todas as características, mas isso não bastou”, afirmou.

A experiência teve forte impacto emocional. “Eu estou com dificuldade de me olhar no espelho, ando na rua com vergonha, de cabeça baixa. Porque eu sempre tenho a sensação de que alguém vai olhar para mim e vai falar: ‘Você não é, você é uma impostora’.”

Samille afirma ter enfrentado racismo em diversas situações, inclusive no mercado de trabalho, e sempre se reconheceu como parda.

Apesar de tudo, ela não é contra os mecanismos de verificação das cotas raciais. “É por meio delas que a gente consegue tirar as pessoas que fraudam [as regras]. Só que, por falta de estrutura, são muitos alunos para pouco tempo de avaliação, então acaba sendo passível de erros. Só queria que admitissem que erraram”, disse.

Como funcionam os comitês de heteroidentificação?

As universidades públicas podem adotar critérios próprios para verificar se um candidato se encaixa no perfil de cotas raciais. Algumas aceitam apenas a autodeclaração, enquanto outras usam comitês de heteroidentificação, bancas que avaliam a aparência física do candidato para decidir se ele é socialmente lido como negro.

A avaliação deve se basear exclusivamente em traços fenotípicos, como tom de pele, formato de nariz, lábios e cabelos, e não na ancestralidade. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu esse modelo como legítimo, e normas federais também reforçam esse entendimento.

Na UFF, a avaliação é feita por vídeo, conforme edital do Sisu. O material precisa mostrar o rosto do candidato em um ambiente com boa iluminação, além de registrar o perfil direito e esquerdo. A universidade não comentou o caso específico de Samille.

O caso segue em tramitação nas instâncias superiores. Enquanto isso, Samille voltou a estudar para o Enem. “Eu não aceito desistir por causa disso. A medicina é um amor que eu tenho em ajudar, em cuidar das pessoas. É mais do que um sonho. É um propósito.”