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Agência Brasil
Publicado em 8 de junho de 2025 às 17:02
A próxima terça-feira (10) será mais um dia de fortes emoções para a estudante de Direito pernambucana Mirtes Renata Santana, de 38 anos. A ex-empregada doméstica, mãe do menino Miguel, que morreu há cinco anos após cair de um prédio no Recife (PE), vai apresentar o trabalho de conclusão de curso sobre escravidão moderna. Ela está próxima de se formar e ter mais instrumentos de luta pela própria família e por outras histórias de violência e injustiça.>
Depois da apresentação do TCC, outra data, marcada de expectativa, é o dia 16 deste mês. O Ministério Público de Pernambuco tem até essa data para se pronunciar sobre as responsabilidades penais da ex-patroa dela, Sari Corte Real, em relação à morte do garoto. O posicionamento do MP é considerado importante pela acusação e defesa antes do veredito dos desembargadores do Tribunal de Justiça daquele Estado. >
Sari foi condenada inicialmente a oito anos e seis meses de prisão. Em novembro de 2023, a pena foi reduzida para sete anos. Como cabem recursos à decisão, a ex-patroa continua em liberdade. >
Abandono e morte>
O caso chocou o país. Naquele 2 de junho de 2020, em plena pandemia, a creche de Miguel estava fechada. Por isso, ele teve que ir com a mãe para o trabalho dela, no apartamento de Sari Corte Real, em uma torre de luxo no centro do Recife. >
A patroa ficou incomodada com os pedidos do menino para ficar com a mãe, que tinha recebido ordem para passear com o cachorro da casa. Segundo as imagens do circuito interno do prédio, o menino foi deixado sozinho por Sari dentro do elevador. Ele subiu para a área da cobertura, e foi de lá que ele caiu. Miguel chegou a ser atendido, mas não resistiu aos ferimentos. Durante a última semana, foi feito um ato em frente ao local da morte do menino.>
'Morosidade'>
Enquanto está vidrada nos estudos para apresentação da decisiva etapa universitária, Mirtes, que trabalha durante o dia em função de assessoria na Assembleia Legislativa, também não descola o olhar sobre o andamento do processo, que considera "moroso" e "racista".>
Ela acredita, inclusive, que o caso só terá uma conclusão depois que chegar ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.>
“O que vem acontecendo hoje é um absurdo. O Tribunal de Justiça de Pernambuco está beneficiando a Sari. Está dando a ela o privilégio de seguir a vida como se nada tivesse ocorrido”, lamentou, em entrevista à Agência Brasil. >
Entre as queixas, Mirtes cita que a ex-patroa, mesmo condenada, conta com privilégios de não ter o passaporte apreendido e não atualizar informações sobre o endereço de residência. Mirtes ficou inconformada ao saber que, inclusive, Sari está cursando Medicina.>
Mirtes acompanha com olhos críticos cada parte do processo, principalmente depois que ingressou no curso de Direito. Mergulhou nos livros e atravessou madrugadas para entender como a legislação brasileira poderia fazer Justiça. Uma das descobertas foi a consciência sobre a exploração que sofreu. A dura experiência profissional e pessoal a levou a estudar no trabalho final a vida e direitos das empregadas domésticas. >
“Eu estou falando sobre trabalho escravo contemporâneo e direitos fundamentais. Faço uma análise da proteção constitucional brasileira com foco nas trabalhadoras domésticas”, afirmou.>
O caminho do curso de Direito não era exatamente o que sempre sonhou, mas identifica que foram as circunstâncias que a levaram para a sala de aula. No ano que vem, o objetivo é ser aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). >
Mirtes lamenta também que o processo trabalhista, que demanda indenização para ela, no valor de R$ 2 milhões, foi suspenso.>
“Enquanto os processos estiverem no Recife, não serão resolvidos”, critica. “É muito importante para a gente que seja aumentada a pena. Se a pena for menor, ela tem possibilidade de angariar benefícios”.>
Uma das assistentes de acusação, a advogada Marília Falcão, considera o caso emblemático e com tratamento desigual entre as partes. Para ela, há morosidade já que a defesa encaminhou uma série de recursos.>
“A gente pede um aumento de pena e também a retirada de pontos contraditórios da sentença”. A decisão do juiz José Renato Bizerra incluía a possibilidade de investigar a mãe e a avó do menino por possíveis maus tratos.">
Em 2023, após o julgamento de duas apelações, tanto a acusação quanto a defesa apelaram. “Pedimos também a retenção de passaporte, mas o juiz de primeiro grau já negou”, diz a advogada. >
Marília explica que o julgamento aguarda a juntada de argumentos das duas partes e também do Ministério Público. Após isso, o tema seguirá para decisão do Desembargador Eudes Franco. “Ele deve pautar os embargos para julgamento colegiado”, afirma. >
A acusação espera que haja aumento de pena. A execução da prisão ocorre depois de esgotados os recursos.>
“Mirtes é uma mulher que clama por essa justa reparação do Estado brasileiro. Queremos que a Justiça haja de forma imparcial”.>
Embargos >
O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) informou, durante a semana, que a defesa de Sari Mariana Costa Gaspar Côrte Real interpôs embargos de declaração contra o último acórdão da Terceira Câmara Criminal que julgou as apelações.>
“Atualmente, o processo encontra-se na Diretoria Criminal para cumprimento de determinações do relator dos recursos de apelação, desembargador Cláudio Jean Nogueira Virgínio, proferidas no dia 12 de maio de 2025.”>
O TJPE explicou que, após efetivadas as diligências necessárias, o processo seguirá para o Gabinete do desembargador Eudes dos Prazeres França, enquanto relator dos recursos de embargos de declaração interpostos pela ré e pela assistente de acusação.>
Advogado de defesa, Célio Avelino explica que trabalha pela absolvição de Sari Corte Real, em vista de que, segundo seus argumentos, o caso foi um acidente. Ele também acredita que o caso chegará ao STJ. >
“Cada desembargador votou de uma maneira diferente. A gente queria terminar logo esse processo penal. Sari está sofrendo o dano desse processo. Foi um caso fortuito, um acidente, conforme foi verificado pela perícia. Ela chegou a ser acusada até de racismo.” Para ele, essa é uma acusação equivocada e infundada.>
E se fosse ao contrário?>
Para o professor Hugo Monteiro Ferreira, diretor do Instituto Menino Miguel, entidade ligada aos direitos humanos na Universidade Federal Rural de Pernambuco, a morosidade do processo tem a ver com a estrutura racista de nossa sociedade. >
“Penso que se Mirtes fosse a condenada pelo crime de abandono de incapaz com resultado de morte, certamente não estaria solta, cursando medicina, transitando leve e livre”, considera o pesquisador.>
O professor considera que é necessário que a sociedade não aceite a redução de pena ou a demora em respostas. Mirtes não se acostumou, estudou as leis e tem provas pela frente desde que o mundo dela virou pelo avesso. “Eu busco justiça”, afirma.>