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Estadão
Publicado em 9 de novembro de 2023 às 23:52
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu mal movimentos recentes do embaixador de Israel em Brasília, Daniel Zonshine, que envolveram reuniões com parlamentares de oposição e o ex-presidente Jair Bolsonaro, além de declarações públicas sobre a suposta presença de representantes do Hezbollah no Brasil. >
A insatisfação com as autoridades israelenses foi expressada publicamente pelo Ministro da Justiça, Flávio Dino, e pela Polícia Federal. Internamente, Itamaraty e Planalto também reconhecem o desconforto. Em nota, a embaixada de Israel disse que Bolsonaro apareceu sem ser convidado na reunião da Câmara e agradeceu ao governo brasileiro pela operação contra o Hezbollah>
"A reunião de ontem no Congresso Nacional teve como intenção mostrar as atrocidades do 7 de outubro cometidas pelos terroristas do Hamas. Um material muito bruto e sensível. Convidamos parlamentares e apenas parlamentares. A presença do ex-presidente não foi coordenada pela Embaixada de Israel e não era de nosso conhecimento antes da reunião", diz o texto. "Gostaríamos também de agradecer às autoridades brasileiras pelo sucesso da operação para evitar os ataques terroristas que teriam sido planejados aqui pelo Hezbollah.">
O Estadão entrou em contato com o embaixador, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço está aberto a manifestações.>
Reunião e entrevista>
O descontentamento com o governo israelense e seus emissários, que já vinha de alguns dias, em virtude da demora na retirada dos 34 brasileiros que querem deixar a Faixa de Gaza, foi agravado na quarta-feira, 8, tanto pela reunião de Zonshine e a entrevista ao jornal O Globo, como também por declarações do gabinete do premiê Binyamin Netanyahu sobre o envolvimento do Mossad, o serviço secreto israelense, na Operação Trapiche, da Polícia Federal.>
Ainda na quarta-feira, Zonshine participou de uma reunião com parlamentares em Brasília, que contou com a presença de Bolsonaro, para mostrar as imagens do atentado do Hamas do dia 7, que deixou 1,4 mil israelenses mortos e 240 reféns. Um pequeno vídeo foi publicado pelo ex-presidente em suas redes sociais, mas detalhes do encontro não foram tornados públicos.>
Ao Globo, Zonshine afirmou que o Hezbollah planejou ataque terrorista no Brasil por ter apoiadores no País. "Se escolheram o Brasil, é porque tem gente que os ajuda.">
Em Israel, após a operação, o gabinete do premiê Binyamin Netanyahu divulgou nota agradecendo as autoridades brasileiras pela Operação Trapiche, ressaltou a colaboração do Mossad, o serviço secreto israelense, e afirmou que o Mossad continuará operando para prevenir esses ataques onde e quando for necessário.>
Críticas de Flávio Dino>
Nesta quinta-feira, 9, surgiram os primeiros indícios de desagrado do governo com as autoridades israelenses. Pela manhã, o ministro da Justiça Flávio Dino reagiu à nota do gabinete de Netanyahu em um post no X, o antigo Twitter.>
"Nenhuma força estrangeira manda na Polícia Federal do Brasil. E nenhum representante de governo estrangeiro pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pela Polícia Federal, ainda em andamento", disse Dino.>
A PF, por sua vez, repudiou as declarações de Zonshine ao Globo em nota oficial, frisando que suas ações são técnicas e que não cabe à corporação 'analisar temas de política externa'.>
"Manifestações dessa natureza violam as boas práticas da cooperação internacional e podem trazer prejuízos a futuras ações nesse sentido", declarou a corporação. A PF ressaltou ainda que o inquérito que culminou na fase ostensiva da Trapiche é conduzido de forma 'imparcial e isenta' e indicou não admitir intromissões externas nas apurações.>
Desconforto no Planalto>
No Planalto, a orientação é não comentar os episódios recentes com Zonshine publicamente, sobretudo para não atrapalhar os esforços para retirar o grupo de 34 brasileiros da Faixa de Gaza Internamente, no entanto, o governo reconhece que há uma proximidade do diplomata com parlamentares de oposição, sobretudo os mais próximos a Bolsonaro. Por isso, a reunião com o ex-presidente foi mal recebida.>
A aposta no Ministério das Relações Exteriores é que o ato do embaixador terá consequências políticas e de relacionamento diplomático. Um embaixador da ativa ouvido pela reportagem disse, sob condição de anonimato, que Zonshine deverá receber no mínimo "um gelo".>
Em outras palavras, o diplomata israelense deverá ter mais dificuldades de ser recebido no Itamaraty e atendido pelo ministro Mauro Vieira, em razão da indisposição política.>
Rusgas diplomáticas>
Integrantes do governo já haviam notado críticas de Zonshine em entrevistas, em virtude de declarações tanto do presidente Lula quanto do Itamaraty em defesa de soluções diplomáticas rechaçadas por Israel.>
A simpatia de parte da esquerda e do PT à causa palestina também provocou rusgas nos últimos dias. A embaixada de Israel, por exemplo, rebateu nota do PT em que o partido equiparava os atos terroristas do Hamas à reação militar com os bombardeios em Gaza>
Na última semana à frente do Conselho de Segurança da ONU, Mauro Vieira fez um discurso com cobranças aos israelenses de garantias e proporcionalidade na resposta militar, e pediu o fim dos assentamentos na Cisjordânia.>
Lula citou o termo genocídio para descrever a operação de guerra das Forças de Defesa de Israel. Depois, buscou reequilibrar o tom e se reuniu com famílias de vítimas dos dois lados no conflito. Nesta quinta, o assessor de relações internacionais Celso Amorim também usou o termo para se referir aos ataques israelenses em Gaza.>