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Flavia Azevedo
Publicado em 14 de outubro de 2025 às 06:00
A devolução de crianças adotadas, um tema ainda pouco debatido, ganha voz no documentário E se você não me quiser?, atualmente em produção. As filmagens começaram neste mês no Rio de Janeiro e em Curitiba, e o lançamento está previsto para o primeiro semestre de 2026. O projeto, concebido em 2011 pelo produtor Eliton Oliveira, acompanha histórias reais de adoções interrompidas e as dificuldades enfrentadas em novas tentativas de adoção. Entre os relatos, destacam-se Bruno, que viveu nas ruas e foi devolvido por sua primeira família antes de conseguir uma segunda chance com Tati e Rogério, e Pedro, que pediu para ser devolvido após ser adotado por um casal de mulheres devido à ausência da figura paterna que idealizava. >
Para a diretora Ana Azevedo, o processo de adoção ainda é visto de maneira parcial: “Só se fala da parte bonita, de uma família que se abre, mas a gente não fala de que essa família tem que estar muito preparada para receber qualquer criança. Quando a família não está preparada, a gente tem esses casos de devolução. Queremos despertar esse debate para que as pessoas que tomam essa decisão saibam o que elas vão ter que enfrentar.” A cineasta alerta que a devolução de uma criança pode gerar traumas ainda maiores, especialmente quando se trata de crianças mais velhas ou vindas de contextos de negligência e abuso.>
O fenômeno, embora considerado raro, não é incomum. Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de cada 100 crianças adotadas no Brasil, cerca de nove têm o processo desfeito — um total de 2.198 devoluções entre 24.673 adoções registradas desde 2019 (8,9%). O ECA define a adoção como “medida excepcional e irrevogável”, mas prevê que ela pode ser abolida quando se esgotam os recursos para manter a criança ou adolescente na família natural ou extensa.>
O estudo Diagnóstico sobre a devolução de crianças e adolescentes em estágio de convivência e adotadas, publicado em 2024 pelo CNJ e pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), destaca que fatores como diagnósticos psiquiátricos, uso contínuo de medicamentos e outras questões psicológicas das crianças influenciam a decisão de devolução. Além disso, as características das crianças, a dinâmica familiar e a preparação dos pais adotivos são determinantes. O documento reforça a importância de um acompanhamento contínuo e de um sistema de suporte robusto para prevenir consequências negativas.>
Os efeitos sobre a saúde emocional das crianças são profundos. O diagnóstico aponta manifestações como culpa, tristeza, baixa autoestima, agressividade, dificuldade de vinculação e desenvolvimento de transtornos psicológicos, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático. “Além dos impactos que a devolução causa na formação da subjetividade e da individualidade de cada um, ainda foram constatados comportamentos que geram convivências conflituosas”, observa o estudo.>
No centro dessas histórias estão famílias que tentam lidar com uma realidade complexa. No caso de Bruno, após ser devolvido pela primeira família, ele foi adotado por Tati e Rogério, que enfrentaram episódios de agressividade e destruição, mas conseguiram construir vínculos e oferecer suporte emocional. “Ele era um menino muito agressivo, que explodia com facilidade. Eles contaram diversos casos do que aconteceu, de destruir a casa inteira, de se machucar, vários episódios de violência. Eles conseguiram lidar com essa bagagem dele”, relata Ana Azevedo, evidenciando que a adoção exige preparo, paciência e compromisso real com a criança.>
O documentário promete trazer à tona debates essenciais sobre o processo de adoção, o preparo das famílias e os impactos da devolução, buscando conscientizar a sociedade e fortalecer políticas de apoio a crianças e adolescentes em situação de acolhimento.>
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Por Flavia Azevedo, com agências>