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Pai de estudante de medicina morto pela PM em SP escreve carta a Lula: 'Não tenho mais alma'

Em desabafo, médico e professor Julio Cesar Acosta Navarro clama por mudanças e justiça após a morte de seu filho, Marco Aurélio, durante abordagem policial

  • H
  • Heider Sacramento

Publicado em 21 de dezembro de 2024 às 18:02

Marco Aurélio, de 22 anos, cursava Medicina na faculdade Anhembi Morumbi Crédito: Reprodução/Redes Sociais

Em uma carta aberta divulgada nas redes sociais, o médico e professor Julio Cesar Acosta Navarro, pai do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, fez um emocionante apelo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A carta foi escrita trinta dias após a morte de seu filho, que foi baleado durante uma abordagem policial na madrugada de 20 de novembro, na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. O policial responsável pelo disparo foi indiciado por homicídio doloso.

Na carta, Julio Cesar descreve a dor insuportável que sente pela perda do filho e o sofrimento vivido nos últimos dias. “Sinto a dor dilacerante, a angústia e a raiva, de lembrar as últimas imagens dele me pedindo para salvá-lo, deitado numa sala de emergência, em choque hemorrágico, sussurrando: ‘Pai, me ajuda, pai, me ajuda…’. Hoje não tenho vida nem essência, nada. Um fantasma vale mais, porque ele tem alma e eu não mais”, desabafou o médico.

Julio Cesar, que também é professor na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), criticou a postura dos policiais que participaram da abordagem e ressaltou a falta de apoio durante o momento de desespero. Ele relatou que, após o ocorrido, tentou obter informações sobre o caso com os agentes, mas foi ignorado. Segundo ele, os policiais estavam constantemente com as mãos nas armas, como se representasse uma ameaça.

O pai de Marco Aurélio também fez duras críticas ao secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, e ao governador Tarcísio de Freitas, mencionando a postura do governo estadual frente à violência policial no estado. “Finalmente, o sr. governador Tarcísio de Freitas, célebre pela sua crueldade e desprezo pelo sofrimento de famílias, desafiando até a ONU, se burlando do público e afirmando publicamente que não estava ‘nem aí’, incentivando mais assassinatos pela PM sobre gente humilde”, escreveu.

Marco Aurélio, de 22 anos, cursava Medicina na faculdade Anhembi Morumbi. De acordo com o boletim de ocorrência, o jovem teria agredido a viatura policial durante uma ronda de rotina e, em seguida, correu para dentro de um hotel, onde foi alcançado pelos agentes e baleado.

Confira carta na íntegra:

Sr. Luiz Inácio Lula da Silva

Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil

Com o maior respeito e admiração que sempre tive pela sua trajetória de vida, gostaria que você ouvisse as minhas palavras.

Hoje cumpre-se 30 dias após a pior tragédia que destruiu minha vida e de toda a minha pequena família. O assassinato do meu filho Marco Aurélio, estudante de quinto ano da faculdade de medicina, cheio de saúde e alegria, da maneira mais cruel e covarde, pelo Estado de São Paulo, às mãos de membros da PM e com a cumplicidade de toda a hierarquia superior.

Cada manhã que acordo eu não encontro aquele meu garoto amante do futebol, da música e cheio de carinho. Sinto a dor dilacerante, a angústia e a raiva, de lembrar as últimas imagens dele me pedindo para salvá-lo, deitado numa sala de emergência, em choque hemorrágico, sussurrando: “Pai, me ajuda, pai, me ajuda...”. Hoje não tenho vida nem essência, nada. Um fantasma vale mais porque ele tem alma e eu não mais. A dor levaremos a vida toda até o final da nossa existência porque será o desígnio dos deuses, mas a angústia, a humilhação e a raiva contra os criminosos em busca da “justiça dos homens” é o último que me resta agora.

Os policiais militares Guilherme Augusto Macedo e seu comparsa Bruno Carvalho do Prado, que em maior número, maior tamanho, treinamento militar, superprotegidos e armados com todas as armas, atiraram covardemente à queima-roupa no meu filho que usava um short e um chinelo, por opção de sua personalidade.

Na sequência daquela madrugada de terror, membros da Polícia Militar, cujo responsável ainda é o Comandante Coronel Cássio Araújo de Freitas, desenvolveram uma cumplicidade que, ainda com meu filho lutando pela sua sobrevivência, divulgaram oficialmente falsidades, culpando meu filho, acusando-o de querer tirar a arma deles.

Violência contra pessoas pobres e atitudes racistas, como foi o caso do meu filho, foram demonstradas claramente pelos crimes sobre outras pessoas e pelo sofrimento de famílias que se somaram à nossa tragédia, que agora é amplamente conhecida.

Eu mesmo fui testemunha direta naquela madrugada da atitude de outros PMs em várias oportunidades, quando eu cobrava o paradeiro do meu filho ou informações do que tinha ocorrido para poder usar isso tecnicamente no salvamento cirúrgico do meu filho. Me foram negadas informações, além de que todos mostravam uma mania de pegar suas armas como se eu, baixinho, professor de paletó, cabelo grisalho fosse um “Rambo” ameaçador para eles.

Atitude aprendida muito bem nas academias militares com certeza. Nesse inferno de fatos, ressalta a figura do Secretário de Segurança SP Guilherme Derrite, chefe superior da PM que, apesar de ser um oficial com antecedentes e frases incentivando a morte e violência, paradoxal e inexplicavelmente é responsável pela segurança dos cidadãos.

Ainda na sua primeira manifestação pública, após se esconder da mídia e pedir apoio ao padrinho dele, outro personagem vulgar ladrão de joias, inescrupuloso e promotor da morte de centenas de milhares de vidas pelo Covid-19, Derrite ainda definiu o trabalho dele como “o bem” e as denúncias e reclamações pelos crimes da PM como a minha, com esta carta, define como “o mal”. Derrite mais parece um palhaço tirado dos tempos da Inquisição.

Finalmente o Sr. Governador Tarcísio de Freitas, célebre pela sua crueldade e desprezo pelo sofrimento de famílias, desafiando até a ONU, se burlando do público e afirmando publicamente que não estava “nem aí” incentivando a mais assassinatos pela PM sobre gente humilde.

Tarcísio, após 40 horas de pressão total de toda a mídia do país pelo covarde crime de Marco Aurélio, anunciou um lamento público hipócrita e uma promessa de punição severa aos culpados. Somente que, pelo que vi com muita dor nestes trinta longos dias de uma justiça sem tempo, os assassinos não sendo presos, os chefes da PM dando declarações à grande mídia com falsidades sobre o meu filho e outros dando risadinhas passeando em jatos particulares, Tarcísio não disse quando faria isso, porque se referia, claro, ao Juízo Final ou quando os extraterrestres invadem a Terra, esperto ele.

Apelo ao Sr. Presidente, minha última esperança para aliviar a dor da minha família, de outras mais e poder amanhã salvar nossos próprios filhos.

Dr. Julio Cesar Acosta Navarro.

Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.