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Perla Ribeiro
Agência Einstein
Publicado em 11 de setembro de 2025 às 16:23
Uma dieta com grande presença de alimentos ultraprocessados pode estar diretamente ligada ao aumento do risco de câncer de pulmão. É o que aponta uma pesquisa da Universidade de Chongqing, na China, publicada na revista científica Thorax. O estudo acompanhou mais de 100 mil adultos nos Estados Unidos por 12 anos e revelou que, entre os participantes que mais consumiam esses produtos, a incidência da doença foi até 41% maior em comparação com os que ingeriam menos. >
Entre os 25% de participantes que mais consumiam esse tipo de alimento, a probabilidade de desenvolver câncer de pulmão foi 41% maior em relação ao grupo que menos ingeria. O risco foi ainda mais elevado nos subtipos raros da doença: a incidência de carcinoma de pequenas células, normalmente ligado ao tabagismo, aumentou 44%, enquanto no carcinoma de não pequenas células a elevação foi de 37%.>
Para investigar a relação entre dieta e o surgimento de tumores, os pesquisadores recorreram aos dados do Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian Cancer Screening Trial. Ao longo do estudo, foram registrados 1.700 casos de câncer de pulmão — 1.473 de carcinoma de não pequenas células e 233 de pequenas células. Mesmo após ajustes estatísticos para fatores como tabagismo e exposição a contaminantes, a associação entre alto consumo de ultraprocessados e risco da doença continuou significativa.>
“Embora o câncer de pulmão seja de fato muito associado ao tabagismo, não é apenas o uso de cigarro que leva ao aparecimento de tumores. Já sabemos que outros fatores como a exposição a poluentes e o histórico familiar levam a um grande risco, além de riscos associados aos hábitos de vida, como os observados na qualidade da dieta”, explica o oncologista-clínico Gustavo Schvartsman, do Einstein Hospital Israelita.>
O médico destaca que vários fatores podem explicar a relação encontrada no estudo. Alguns ingredientes dos ultraprocessados podem levar a inflamações sistêmicas crônicas que facilitam a formação de tumores. O estresse oxidativo e as alterações da microbiota intestinal também afetam o sistema imune, prejudicando as defesas do corpo mesmo em órgãos fora do trato digestivo, como o pulmão.>
Schvartsman indica que algumas das substâncias presentes em alimentos ultraprocessados podem estar envolvidas neste processo tumoral. “Temos os nitratos e nitritos, especialmente nas carnes processadas, que podem causar cânceres no pulmão e o trato urinário. A acrilamida, presente nas batatas fritas de pacotinho, também pode causar cânceres diversos, incluindo o de pulmão, então não é a primeira vez que nos deparamos com a relação de ultraprocessados e câncer”, completa o oncologista.>
Como os ultraprocessados causam câncer?>
Os ultraprocessados são uma categoria de alimentos produzidos industrialmente com conservantes e aromatizantes e, muitas vezes, sem qualquer ingrediente de origem vegetal ou animal. O grupo inclui refrigerantes, embutidos, biscoitos, sopas prontas, salgadinhos, pratos congelados e outros.>
Para o nutrólogo e nefrologista Rodrigo Costa Gonçalves, coordenador da terapia nutricional do Einstein Hospital Israelita de Goiânia, o estudo recente é mais uma associação consistente que reforça o alerta sobre os efeitos prejudiciais dos ultraprocessados.>
“Há muitos fatores de risco diferentes quando pensamos em ultraprocessados e as relações com a formação de cânceres. Os aditivos alimentares podem levar a inflamações sistêmicas, além da presença de contaminantes, que podem se formar no aquecimento industrial ou na própria embalagem, usualmente plástica”, afirma.>
Gonçalves complementa, porém, que as relações de risco devem ser averiguadas mais a fundo. “Nem todos os ultraprocessados são iguais. As carnes processadas, por exemplo, bacon, salsicha, presunto, estão mais associadas a câncer do que bebidas açucaradas, embora ambas tenham impacto negativo. Então, dentro desse grupo, precisamos entender quais podem ser os fatores de risco. Um aumento de risco de 41% é muito considerável, mas o estudo não nos permite afirmar uma causa e efeito de forma direta. Ele mostra essa correlação perigosa que deve ser averiguada por novas pesquisas”, indica.>
Para o médico, a pesquisa divulgada na Thorax reforça os alertas já feitos sobre o papel desses produtos em obesidade, doenças cardiovasculares e outros tipos de câncer. Assim como os autores da pesquisa, o nutrólogo defende que diminuir a presença de ultraprocessados no dia a dia pode ser uma medida de proteção contra o câncer, o que é reforçado pelos médicos.>
O especialista diz que é possível reduzir de forma consistente o consumo de ultraprocessados no Brasil. “Isso deve ser encarado como uma questão de saúde pública, mas também individual e a melhor forma de fazer isso é com organização. Precisamos planejar nossas refeições para ter acesso a alimentos de qualidade também de forma prática, não só o almoço pré-pronto de micro-ondas”, afirma. Ele diz que é importante que a sociedade aprenda a cozinhar para descobrir sabores e texturas, o que ajuda a melhorar a alimentação. “Por fim, é preciso estar de olho nos preços para comprar alimentos in natura de forma acessível”, conclui Gonçalves.>