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João Gabriel Galdea
Publicado em 22 de maio de 2022 às 11:01
- Atualizado há 2 anos
A dupla Bebeto e Romário nunca perdeu uma partida pela Seleção, em jogos oficiais. Foram 23 confrontos com os dois em campo, com 18 vitórias e 5 empates, sendo que dos 48 gols marcados pelo escrete nesses embates, 33 foram dos craques.>
Os números dizem muito, o título da Copa de 1994 mais ainda, mas aquele ‘eu te amo’ do baiano para o Baixinho, após receber dele a assistência para marcar contra os EUA, nas Oitavas, parece dizer muito mais.>
Digo ‘parece’ porque, durante a primeira fase do torneio (fora o gol de escanteio contra a Rússia), Bebeto e Romário pouco se encontraram em campo, e aquele lance contra os americanos tem toda a pinta de reconciliação, igualmente decisiva no embate seguinte, contra a Holanda, nas Quartas.>
Mas reconciliação de quê? A ‘resposta’ está no Correio da Bahia de 19 de maio de 1994 – início da preparação para o torneio, que começou em junho –, no qual é relatada uma suposta preferência declarada de Bebeto por Müller, como companheiro de ataque.>
Na reportagem, intitulada ‘Rivalidade ameaça ataque da Seleção’, o texto cita a alegada “briga Bebeto x Romário” que agitava o ambiente. >
“A fogueira das vaidades em que se transformou a disputa por posições no ataque da Seleção está preocupando a comissão técnica. Bebeto e Romário, as principais esperanças de gol do Brasil na Copa, já não se entendem como antes. Bebeto gosta de jogar com Müller e vê com reservas a ascensão de Ronaldo [então com 17 anos]. Romário e Müller são inimigos desde que o centroavante do Barcelona pediu a convocação de seu amigo Edmundo [Baixinho e Animal eram parças] e disse que Müller nunca jogou bem na Seleção”, introduz a matéria, dando conta que o pivô da treta era mesmo o camisa 7.>
A preferência de Bebeto por Müller teria sido manifestada pelo atacante do Deportivo La Coruña em entrevistas logo que desembarcou no Brasil, antes de se apresentar à Seleção. Com o burburinho já instalado, o baiano decidiu evitar a imprensa e, apenas em um rápido momento, tentou se explicar. No restante, foi escoltado por militares, para não ser importunado.>
“Ontem, no Quartel da Aeronáutica, Bebeto procurou ficar longe da imprensa. ‘Vou mudar meu comportamento’, afirmou, dizendo-se irritado com o que foi publicado. ‘Eu indiquei o Müller para o Deportivo, não para ser meu parceiro na Seleção’”, cita trecho da reportagem. >
A matéria reitera, em diversos momentos, que a relação da dupla estava comprometida. “Bebeto voltou da Espanha antes do prazo previsto pelo Deportivo, mas não avisou aos dirigentes. A amizade que o unia a Romário e marcou a dupla na briga por posições com Careca e Müller na Copa de 90 está estremecida. Bebeto está mais unido a Müller”.>
No final de março de 94, com Romário contundido, Bebeto e Müller foram parceiros de ataque num importante jogo preparatório para o Mundial, contra a Argentina, em Recife. Na batalha campal, que terminou 2x0, com dois de Bebeto, uma das assistências foi de Müller. >
Pênaltis >
O clima tenso entre as estrelas da companhia, às vésperas do Mundial, era inclusive reconhecido pelo técnico Carlos Alberto Parreira.>
“Tenho certeza de que os jogadores só vão pensar no título e esquecer possíveis divergências pessoais. (...) Na verdade, todos se respeitam e devem travar uma disputa sadia pelas posições”, disse o treinador, que também reforçou: “não vou permitir que a Seleção perca a Copa fora de campo.” >
Ainda bem, não perdemos nem fora nem dentro, mas no final das contas, essa história passa também por perdas – de pênaltis, no caso. Obviamente, o de Roberto Baggio, que garantiu o nosso tetra. Mas o curioso é que, caso o italiano convertesse, a Copa do Mundo estaria no pé direito do soteropolitano revelado pelo Vitória.>
Bebeto sempre foi bom cobrador, e há uma ‘pequena chance’ de ter sido escalado para fechar a série apenas por isso. Minha outra suposição é que a aposta no ‘Allejo live action’ foi (também) uma forma de apagar a impressão de covardia que deixou ao não cobrar o pênalti que daria – se convertido – o primeiro título do Campeonato Espanhol para o Deportivo, do qual era a grande estrela. >
Para quem não sabe, ou não lembra: rodada final da La Liga, bastava o líder Deportivo vencer o Valencia para levantar a taça; final do jogo, pênalti a favor, Bebeto em campo, ao invés de pegar a bola, passou a responsabilidade para o zagueirão Djukic, que jogou nas mãos do goleirão adversário. Zero A, Barcelona campeão.>
Explicar o fato de não ter batido o penal no dia 14 de maio – portanto, poucos dias antes da apresentação pra Copa – foi outra dor de cabeça para Bebeto, numa semana de absoluto inferno astral.>
“Embora Parreira considere Bebeto e Romário titulares absolutos, os jogadores sabem que não podem se descuidar. Bebeto demonstrou isso ao antecipar sua apresentação, preocupado com a repercussão de suas declarações na chegada ao Brasil e com a influência que sua decisão de não cobrar o pênalti que o Djukic perdeu na final do Espanhol pudessem ter na Seleção. (...) A principal preocupação do jogador era explicar ao técnico Parreira por que não batera o pênalti.” >
O pênalti que não deveria entrar não entrou (o de Baggio, no caso), assim como Müller no lugar do Baixinho. A treta entre Bebeto e Romário, como dizia paródia da música ‘Requebra’ na época, ficou “atrás do armário”, e o baiano, quando voltou à sua terra, campeão do mundo, em agosto, foi celebrado pela garra e coragem por seu povo.>