Amores abundantes

Nada poderia proporcionar-lhe maior prazer do que vê-las devorar o pecado sem culpa

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  • Kátia Najara

Publicado em 8 de junho de 2024 às 11:00

Só amava mulheres gordas. Não tinha nenhum outro critério a não ser o peso. Nenhuma restrição a cor, raça, credo, profissão, gostos, opiniões, militâncias. Seu único desejo era que as suas mulheres pesassem, pelo menos, 90 quilos.

Fascinava-lhe a beleza corpulenta e o equilíbrio precário daquelas mulheres; emocionava-lhe a saúde fragilizada pela hipertensão, colesterol alto, diabetes e doenças coronárias; excitava-lhe a ofegância, o suor no buço e nas dobras, e a fragilidade daquelas que ocupam bom lugar no espaço.

Amava-as de todo o seu coração, e alimentava-lhes com sofreguidão. Cozinhava para elas, servia-lhes e as observava comerem com uma atenção sensual, numa espécie de preliminar do jogo de sedução que começava à mesa e terminava também à mesa, lá pelas tantas. Preparava-lhes as mais pecaminosas, deliciosas e calóricas iguarias. Macarronadas, lasanhas, pizzas, sanduíches com queijo e maionese. Comprava-lhes sorvetes, bem-casados, tortas, refrigerantes, chocolates e os mais finos bombons. Nada poderia proporcionar-lhe maior prazer do que vê-las devorar o pecado sem culpa.

Juvenal havia sido aprovado com louvor no concurso do Banco do Brasil e optou por mudar-se para aquela cidade do interior, onde vivia há quase cinco anos. Por mais discreto que fosse, as suas preferências amorosas foram rapidamente percebidas por toda a cidade. Mas dava-se ao respeito. Era cidadão de bem, possuía automóvel, casa própria e crédito na praça, logo, por mais maldosos que fossem os comentários tecidos às suas costas, ninguém jamais ousava importuná-lo, distinto que era.

E em pouco tempo, com exceção às lésbicas e feministas - que odiavam-lhe o que identificavam como fetiche, tipificação e objetificação dos corpos gordos femininos - despertara o interesse de quase todas as maiores de 90 quilos, afinal, além da promessa de amá-las com devoção, ainda tinha boa condição financeira, era homem de estudo e bons modos, possuía várias enciclopédias, vestia-se sempre com zelo, cheirava a água de colônia, trazia as unhas lustradas com esmalte incolor, e um reluzente bigode negro. Não era nenhum galã, tampouco feio; era um tipo comum, mas todas as vantagens que trazia consigo, o transformavam no mais belo dos belos aos olhos das bem nutridas candidatas.

Fato é que, ao cabo de 11 anos, Juvenal já havia amado quase todas as mulheres gordas possíveis da cidade, atraindo inclusive outras de pequenas cidades circunvizinhas - que atraídas pela curiosidade, promessa de amor, e quem sabe até pela esperança de exclusividade, quiçá casamento - iam passear na cidade, assim como quem não quer nada.

Mas o casamento, infelizmente, estava fora de cogitação para Juvenal, numa espécie de acordo tácito estabelecido entre a sua rede amorosa. E apesar de amar de fato e intensamente cada uma delas, tal qual um missionário, precisava amá-las todas.

E assim, partiu corações, despertou a ira, causou bafafá. Cinara entrou em depressão; Dinah aceitou dividi-lo com Janaína e Iraci; Marcela achou que poderia prendê-lo para sempre quando apareceu grávida, mas foi surpreendida com a informação de que Juvenal era vasectomizado, e sumiu para sempre; Ivonete enlouqueceu de amor; Olívia jurou matá-lo e a si, mas tudo o que conseguiu foi quebrar o pé ao tentar alcançar enfurecida o veículo de Juvenal, depois de um escândalo em praça pública; Nívea tentou vingar-se pichando no muro da praça da catedral, que Juvenal tinha um caso com a mulher do prefeito, o que não era verdade, apesar do grande desejo que sentia pela primeira-dama, que poderia ser uma forte candidata, do alto dos seus 103 quilos de formosura. Mas também tinha os seus princípios e embora incapaz, respeitava os casamentos.

Foi quando Juvenal percebeu que talvez fosse a hora de pedir transferência para uma outra cidade, tão desgastado estava com os tantos rebuliços acontecidos naquela praça. Contabilizou um número pífio de mulheres que ainda não havia amado, e decidiu com saudoso pesar que partiria.

Saiu furtivo numa manhã de domingo enquanto a cidade ainda dormia, incerto sobre a escolha do seu novo destino, que ficava no outro extremo do estado. Incerteza esta que acabou no instante em que foi recebido, na pensão de Dona Isaura por sua sorridente filha Genilza, que a julgar pela sua experiência, não deveria ter menos do que 96 quilos.

Kátia Najara é cozinheira e empreendedora criativa do @katia_najara