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Aquiles Reis: Declaração de amor

  • D
  • Da Redação

Publicado em 22 de fevereiro de 2016 às 00:01

 - Atualizado há 3 anos

Desde sempre, eu associo a imagem de Nelson Cavaquinho ao poema A Flor e a Náusea, de Carlos Drummond de Andrade: “(...) Uma flor ainda desbotada/ ilude a polícia/ (...) Garanto que uma flor nasceu/ (...) lentamente passo a mão nessa forma insegura (...)/ É feia/ Mas é uma flor/ Furou o asfalto/ O tédio, o nojo e o ódio”.

Assim, sempre vi Nelson Cavaquinho, uma rosa irrompendo do asfalto, revelando-se uma flor dilacerada e bela em seu jeito de ser e encantar.

Com participações de Ná Ozzetti, Dona Inah, velha guarda da escola de samba Nenê de Vila Matilde e Crioulo, eis que o cantor e compositor paulistano Rômulo Fróes lançou o CD Rei Vadio (selo SESC SP), um tributo à obra de Nelson Cavaquinho. Sendo ele também uma flor brotada no asfalto da música brasileira – bom cantor, afinado, criativo –, o criativo pôs seu olhar em catorze sambas do poeta mangueirense.

Almas gêmeas que são, Fróes quebrou “o tédio, o nojo e o ódio” e interpretou Nelson pelo avesso. Se os versos cantados por Nelson são amargos, estranhos até, se o seu violão arranha imprecisões, Romulo acrescenta ainda mais amargor à tristeza do poeta; recompõe o som impreciso do violão do mestre, acrescentando-lhe outros e novos elementos instrumentais, agregando a ele experimentações e atonalidades.

Rei Vadio despe o que homenageia e o que é homenageado. Os arranjos traduzem o amor de um pelo outro. Cada assombro instrumental carrega em si uma ode; cada voz dilacerada expande o som que restou da existência de Nelson.

Nelson se fez Erva Daninha. Seu cantar imprevisível pode chocar. Um Rei Vagabundo, um Rei Vadio, frequentador dos botecos mais sórdidos da Central do Brasil... Foi com esses vários Nelsons na cabeça que Fróes entalhou seu canto, inventou sons renovados e os deu de bandeja a todas as sabedorias, convencionais ou não.

Quem ama Nelson Cavaquinho, ao ouvir o CD está sujeito ao menos a duas sensações: amor e ódio. Tal conflito pode vir da estranheza causada pelo pouco, digamos, “respeito” de Fróes à obra do gênio, escancarada em suas interpretações. Ou maldizê-lo por macular as músicas de um cara tido por muitos como um deus.

Pode-se mesmo questionar se a obra de Nelson Cavaquinho, vista pela ótica de Fróes, resta tão bela quanto quando Nelson canta sambas como Depois da Vida, dele e Guilherme Brito (é uma pena este samba não estar no disco): “Passei a mocidade/ Esperando dar-te um beijo/ Eu sei que agora é tarde/ Mas matei o meu desejo/ É pena que os lábios/ Gelados como os teus/ Não sintam o calor que eu conservei nos lábios meus/ Eu te esperei, minha querida/ Mas só te beijei depois da vida”.

Ou então, ampliada pelas sábias “sujeiras” vocais e instrumentais de Romulo Fróes, ainda mais amar a obra de Nelson Cavaquinho – aí me incluo. Cada dor, cada mágoa do mestre carioca estão presentes em Rei Vadio, autêntica declaração de amor de um talentoso músico contemporâneo a um dos maiores nomes da música popular brasileira.