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Publicado em 11 de novembro de 2025 às 05:00
Foram 20 anos de relativa estabilidade entre 1994 e 2014, quando os dois maiores produtos políticos da nova república, PSDB e PT, governavam o Brasil. Findo esse ciclo, o país mergulhou em uma longa crise, que aprofundou problemas históricos e exige um basta definitivo. >
Há pelo menos três grandes nós que amarram a nova república e estão prestes a sufocá-la: o nó político-institucional, o da economia política e o social.>
De início, o nó político-institucional se reflete no esgotamento do presidencialismo de coalizão que marcou as décadas de 1990 e 2000. Por diferentes razões, como o aumento da fragmentação partidária, o baixo-clero do Congresso deixou de viver a reboque do governo e passou a rebocá-lo.>
A manutenção das coalizões custa cada vez mais caro e o preço de abandoná-las é a formação de uma coalizão de oposição, como a que derrubou Dilma. O Executivo, de mãos atadas, vê-se impossibilitado de tocar sua agenda. E agrava-se: perdeu o controle das emendas, um de seus mais valiosos instrumentos de governabilidade.>
O STF também vem expandindo sua atuação e ocupa hoje papel central na política nacional. A Corte passou a se enxergar como um poder moderador esclarecido e entrou em rota de colisão com o Congresso, elevando o estresse institucional.>
Depois, há o nó da economia política. A nova república optou por aplacar nosso profundo conflito distributivo através da vinculação e do aumento contínuo do gasto público, que termina quase sempre cooptado por grupos de interesse organizados.>
Inicialmente, sustentávamos esse aumento via inflação. Quando o quadro ficou insustentável, fizemos o Real e passamos a sustentá-lo por duas vias depressoras da atividade econômica: o aumento da dívida — que contribui para a elevação dos juros — e o da carga tributária, que não encontra pares dentre os emergentes.>
Construímos uma socialdemocracia europeia sobre uma estrutura produtiva disfuncional e carente de capital humano. Esse arranjo nos prendeu à armadilha da renda média e mesmo o bônus demográfico, conhecida janela de crescimento, já se encerrou.>
Há, por fim, o nó social. O acesso a direitos fundamentais no Brasil ainda depende da loteria do CEP. Enquanto o IDH de determinados bairros nobres faz frente ao de países desenvolvidos, as camadas mais pobres são privadas das promessas constitucionais e levam muito pouco da nova república.>
A saúde é universal, mas profundamente deficitária. A alternativa à fila da regulação é um caro plano de saúde. A educação só foi universalizada no final dos anos 1990 e ainda precisa vencer o desafio do desempenho. O transporte público eleva a jornada do trabalhador em duas ou três horas por dia e 50% dos lares ainda não têm acesso a saneamento básico adequado.>
Os presidentes eleitos em 2026 e 2030 terão a missão alexandrina de desatar estes nós — ou, ao menos, de encaminhar soluções. Mas, para ter o lastro necessário, terão de mobilizar uma maioria significativa da sociedade, o que parece inviável no Brasil em que a popularidade de um presidenciável se mede pela rejeição ao seu adversário.>
E o pior: quase não há projetos na praça. Os diferentes atores políticos se limitam a criticar uns aos outros e a empurrar a ordem do dia com a barriga.>
Chegamos a uma encruzilhada diante da qual não se pode mais capitular. Precisamos entender quais caminhos nos trouxeram até aqui e para onde devemos seguir agora. O mundo também faz esta reflexão, em meio às mudanças da ordem global. É chegada a nossa hora de fazê-lo. Mais do que nunca, é preciso reler o Brasil.>
Jorge Henrique Rosal é advogado, graduado em Direito pela UFBA, pesquisador nas áreas de Direito Constitucional e Ciência Política>