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Publicado em 23 de novembro de 2025 às 05:00
Quando abriu a geladeira, ela tinha tantas certezas. Convicção de ter ido até ali por um motivo muito claro. Ficou parada, perdida entre o queijo e o pote de azeitonas. “O que era mesmo?” >
Ela já saiu do banheiro levando o rolo do papel higiênico nas mãos. Chegando à sala, disfarçou, deu meia volta e devolveu o item. Já foi para a academia com a raquete de Beach Tênis embaixo do braço. No dia seguinte, quando saía cedo – agora, sim, para o treino na areia - pegou a marmita do filho e deixou a raquete em cima da mesa. Percebeu o equívoco pelo cheiro ao entrar no elevador. Riu de si mesma. >
Ela já autorizou a entrada da manicure pelo interfone, foi para o banheiro com o notebook e esqueceu a coitada esperando por meia hora. “Você ainda vai fazer a mão?”, perguntou, via whatsapp. Ela já rodou a casa toda procurando o celular que estava no ouvido. Já respondeu mensagem de áudio em voz alta. Já virou a bolsa de cabeça para baixo procurando a chave. Gelou até lembrar que deixou o carro com o manobrista. >
Ela ainda precisa perguntar qual a sala do médico que a atende há mais de 10 anos. Não tem jeito. Não decora. E não entende o balançar da cabeça da recepcionista quando, enfim, chega para a esperada consulta. “Eu falei para o doutor que você não era de faltar. Sua consulta foi ontem!” >
Nem quando acerta a data tem garantia. “A senhora não tem agendamento na clínica hoje”. Em jejum, certa de que ia passar a manhã fazendo exames de sangue e imagem, ela contesta indignada. “Como assim? Recebi até e-mail com orientações para o procedimento!”. Abre o celular, cheia de razão, e murcha. O agendamento foi na concorrente. Melhor nem arriscar.>
Ela lembra de menos e sente demais. Variações de humor, inclusive. A mente passeia sem aviso e o temperamento dança ao sabor do vento. Que insiste em estagnar. Como é mesmo o nome do calorão? Fogachos. O corpo inventa suadeiras tropicais em plena madrugada, não tem ar condicionado que dê conta.>
Este texto não é só sobre ela. É sobre mim, sobre você. Nem adianta disfarçar. Se está beirando os 50 anos, sente ondas de calor ou os colapsos de memória da menopausa. O esquecimento que mais me marcou foi recente. Tentava agendar uma consulta para meu filho mais velho. Do outro lado da linha, o atendente pediu nome e data de nascimento. O nome foi fácil, mas uma das datas mais importantes da minha vida desapareceu da mente. >
Quanto mais tentava lembrar e não conseguia, maior era o desespero. E o constrangimento. Que mãe esquece a data de aniversário do filho? Quase desligo fingindo que a ligação caiu. Novembro. Recordei o mês e compartilhei o vexame. Tentando ganhar tempo. O atendente continuou mudo, zero empatia. Mais alguns segundos que pareciam eternos, lembrei do meu receio de que Lucca nascesse no dia de finados. Lembrei o aniversário do irmão. E bingo: 13 de novembro. Ufa!>
A menopausa está chegando de mansinho, sem pedir licença, embaralhando a pressa dos dias. Não tem HD que dê conta do volume de informações que a gente processa. O download está mais lento... Fato! No fundo, o que a mulher moderna mais esquece não são datas, nomes, compromissos ou senhas. O que ela mais esquece é de si mesma.>
Esquecimento também é uma forma de liberdade: deixar de carregar o que já não precisa estar na cabeça. É uma forma de lembrar que não somos máquinas. Talvez o corpo, sábio, esteja apenas pedindo uma trégua. >
Nem sempre é falta de memória; é excesso de mundo. Nesta vida, que gira rápido demais, o que a gente mais precisa é aceitar um convite delicado para desacelerar. Especialmente na menopausa, mais pausa. Entendeu? Vê se não esquece! >
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