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Flavia Azevedo
Publicado em 22 de novembro de 2025 às 13:00
A Lei nº 15.263/2025, que instituiu a Política Nacional de Linguagem Simples (PNLS), surgiu com a promessa de fazer o tão esperado milagre da clareza na comunicação governamental. O escopo é vasto, abrangendo os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) em todas as esferas federativas, com o objetivo de obrigar o Estado a falar um português tão simples quanto um bilhete de geladeira. Só que, ao ser anunciada, a PNLS foi imediatamente sequestrada pelo inflamado debate identitário, graças a uma única cláusula: a proibição de utilizar "novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa". Pronto. A “crise do todes” foi instaurada no Brasil das redes sociais. >
O grande "drama" gerado pelo veto ao “todes” nasce da preguiça intelectual de certos críticos e da miopia de lideranças identitárias que operam fora do campo da utilidade pública. O foco exclusivo em uma linguagem experimental ignora a substância da lei, que é um avanço administrativo na luta contra o hermetismo e o "burocratês". O objetivo da PNLS é facilitar a participação popular, exigindo que as informações mais importantes das nossas vidas sejam plenamente compreensíveis, para o maior número possível de cidadãos. Inclusive para pessoas não-binárias. Não é justamente isso que todo mundo vive pedindo quando abre um edital incompreensível ou precisa enfrentar um processo judicial?>
A Linguagem Fácil também é um instrumento de acessibilidade
O veto da linguagem neutra não é uma atitude moralista nem perseguição a mulheres ou pessoas não-binárias, mas uma defesa da Segurança Jurídica no âmbito administrativo. Entre muitas simplificações (inclusive a diminuição do tamanho das frases), a PNLS exige que a comunicação siga a norma-padrão e as regras gramaticais consolidadas no Acordo Ortográfico. No caso do "todes", a lei assume que o Estado não pode se dar ao luxo de utilizar formas linguísticas experimentais em documentos que estabelecem direitos e deveres. O veto é apenas parte de um todo includente, mas duvido que os críticos mais veementes à PNLS tenham se dado ao trabalho de ler o texto completo que, no fim das contas, protege (e muito) diversos grupos minoritários e vulneráveis.>
O grande argumento da lei está na promoção da inclusão REAL, e isso se choca violentamente com a semântica de qualquer bolha. Observe que, entre outros aspectos, a PNLS obriga os órgãos a garantir linguagem acessível a pessoas com deficiência (PCD). Acontece que formas como o "x" ou "@" e o sistema "todes", não são reconhecíveis por softwares de leitura para cegos, por exemplo. Ao banir as "novas formas de flexão", a lei prioriza a legibilidade pura e simples, garantindo que as informações vitais do Estado cheguem também a quem depende tecnicamente da clareza absoluta para exercer a cidadania. E luta por isso todos os dias, inclusive há muito mais tempo do que a maioria dos militantes de hashtag que conhecemos hoje.>
A posição adotada pelo Estado também segue a Academia Brasileira de Letras (ABL), guardiã oficial do nosso idioma. Merval Pereira, presidente da entidade, afirmou que a instituição não adota oficialmente a linguagem neutra porque o fenômeno está restrito a nichos e precisa se "ampliar na sociedade, fora do nicho na qual nasceu". Perfeitamente compreensível. Isso significa que não faz o menor sentido a “linguagem neutra” ser imposta por decreto antes de ser naturalmente aceita pelas ruas. O Estado, portanto, não está travando uma guerra ideológica, mas simplesmente se recusando a assumir um papel que não lhe cabe: ser o protagonista de uma revolução linguística que ainda não foi validada pelo uso massivo popular. Olhe ao redor e conte quantas pessoas você conhece que falam (e compreendem) “todes” no dia a dia. >
A “linguagem neutra” é, no fim das contas, para o Estado (e para a maior parte da população brasileira), apenas um entre tantos "chachás" identitários. Esses “chachás” têm função, claro (eu uso o meu, inclusive), mas ela não é colaborar com a comunicação oficial e ampla. O veto explica, por si, que o foco é traduzir o complexo mundo dos serviços públicos (que usa terminologias complexas como Termo de Referência, Estudo Técnico Preliminar e Pregão Eletrônico) para o entendimento geral. Da nação.>
Se, no futuro, o “todes” for assimilado por toda a população, chegará a hora de ele entrar na Reforma Ortográfica e, por consequência, na comunicação oficial. Esse é o movimento do idioma, o tempo natural das coisas. Por enquanto, não é o caso. A PNLS afirma que, se a língua já possui o masculino como gênero não marcado (o que o torna genérico por "defeito de fábrica" gramatical), o Estado continuará a utilizá-lo. Isso por mais que eu ache injusto que a presença de um único homem em um grupo de mulheres o transforme, gramaticalmente, em um ambiente "masculino". Simples assim. >
(Fora isso, há um modo de escrever e falar incluindo “todas as pessoas”, sem descumprir a lei nem “excluir” qualquer gênero. Veja que não usei “todes” nem “todos” na frase anterior e a expressão “todas as pessoas” pode estar em qualquer documento. O nome disso é Linguagem Inclusiva e ela continua permitida em todos os espaços.)>
O Brasil não proibiu a identidade não binária, que já é reconhecida pela justiça em outros e diversos contextos. Muito menos vetou qualquer neologismo na literatura, na música, nas bolhas e no dia a dia das pessoas que assim desejem se expressar. Fiquemos todos à vontade. O que está proibido é o uso obrigatório, oficial e amplo de uma gramática circunscrita a um grupo social. A opção é pela simplicidade funcional em nome da compreensão de "todos", “todas” e “todes”, sem exceção. O nome disso não é preconceito. Com alguma honestidade, você vai entender que, pelo contrário, é INCLUSÃO.>
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