Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 05:00
Muitos pais descrevem a hora da refeição como uma batalha. O prato é servido, a criança recusa, os adultos insistem, a tensão aumenta e, ao final, todos saem frustrados. No dia seguinte, tudo se repete. Esse ciclo, que parece inofensivo, é o que chamamos de ciclo da recusa alimentar, um padrão emocional e comportamental que mantém a dificuldade viva, mesmo quando há boa intenção em mudar. >
A recusa alimentar pode surgir de algo simples, como uma textura nova, um sabor inesperado ou um episódio de engasgo. Com o tempo, o medo e a insegurança tomam o lugar da curiosidade natural da criança. Estudos brasileiros indicam que entre 25% e 35% das crianças com desenvolvimento típico apresentam comportamentos seletivos na alimentação e esse número pode ultrapassar 50% em casos de desenvolvimento atípico, como no Transtorno do Espectro Autista. A criança passa a evitar o alimento e os pais, na tentativa de ajudar, aumentam a pressão. Sem perceber, a mesa deixa de ser um espaço de convivência e se torna um campo de tensão.>
O primeiro passo para quebrar esse ciclo é a clareza. Entender o que está por trás da recusa é essencial para agir de forma consciente e não reativa. Comer não é apenas um ato fisiológico, mas também emocional e sensorial. A fonoaudióloga e terapeuta alimentar Suzanne Evans Morris (2000) descreve o ato de comer como uma experiência sensório-motora complexa, influenciada pelas emoções e pelo ambiente. Quando esse ambiente é permeado por tensão e insistência, a criança reage com defesa e a recusa torna-se uma forma de proteção, não de oposição.>
O segundo passo é a conexão. Crianças aprendem pelo vínculo e não pela imposição. Kay Toomey (2010), criadora do método Sequential Oral Sensory, enfatiza que o aprendizado alimentar ocorre apenas quando a criança se sente segura e conectada ao adulto que a acompanha. A conexão é o oposto de pressão. É o olhar que acolhe, a escuta que compreende e a presença que transmite confiança. Quando há vínculo, a alimentação deixa de ser um campo de tensão e passa a ser uma experiência de aprendizado e prazer. Estudos mostram que práticas parentais coercitivas ou de insistência tendem a agravar o comportamento de recusa (Moura et al., 2021).>
O terceiro passo é a constância. Nenhuma transformação acontece de um dia para o outro. O corpo e o cérebro da criança precisam de repetição para aprender que o alimento é seguro e previsível. Isso exige paciência, conhecimento e pequenas doses de coragem dos pais. Quando há constância, o medo vai se diluindo e o espaço para o novo se amplia.>
Romper o ciclo da recusa alimentar é mais do que ensinar uma criança a comer. É reconstruir a relação da família com o ato de se alimentar. É substituir a culpa por conhecimento, a rigidez por presença e o medo por confiança. Comer bem não começa no prato, começa quando a mesa volta a ser um lugar de conexão.>
Natalia Diniz é Nutricionista materno- infantil, Professora da Estácio e Mestre em Alimentos, Nutrição e Saúde.>