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Publicado em 13 de setembro de 2025 às 06:00
A inteligência artificial é a mais recente e poderosa disrupção tecnológica do nosso tempo, com impactos sociais, econômicos e políticos comparáveis à alfabetização, eletrificação e digitalização: elas mudaram a dinâmica da sociedade e quem as dominou melhor teve ganhos significativos. Por isso, os dados de uma pesquisa Datafolha recentemente colocam um tema que precisa ser endereçado em seu nascedouro: há um fosso social de conhecimento, acesso e uso de IA no Brasil. >
Segundo o levantamento, 81% dos brasileiros com ensino superior afirmam compreender conceitos de IA em algum grau, enquanto que entre aqueles com apenas o ensino fundamental esse índice cai para 27%. A lacuna é igualmente expressiva quando analisamos a classe econômica: 74% dos entrevistados das classes A e B relatam algum entendimento, contra apenas 33% nas classes D e E. Entre pessoas brancas, 59% declaram compreender a tecnologia, enquanto entre pretos e pardos esse índice é de 51%. >
Essas diferenças não se limitam à compreensão conceitual. O uso efetivo de ferramentas de IA também revela um padrão de exclusão. Ferramentas de geração de texto, como ChatGPT, são utilizadas por 73% dos que têm ensino superior, mas apenas por 18% dos que possuem até o ensino fundamental. Na divisão por classe, 66% da A/B utilizam, contra 23% da D/E. O recorte racial confirma a persistência das assimetrias: enquanto 49% das pessoas brancas afirmam usar sistemas de geração de texto, apenas 39% das pessoas pretas e pardas relatam o mesmo. >
Esses dados merecem especial atenção pois a IA já é a base sobre a qual estão sendo construídos novos modelos de negócios, sistemas de decisão, políticas públicas e até mesmo práticas cotidianas. Se a adoção dessa tecnologia seguir um padrão excludente, é inexorável que se aprofunde uma fronteira digital, na qual aqueles já socialmente privilegiados se distanciam da base social por ter condições de usufruir dos ganhos da tecnologia. >
É imperativo compreender que a desigualdade de acesso à IA não é um problema individual, mas estrutural. Quanto mais restrito for o domínio dessas tecnologias, maior será a distância entre os que podem transformar informação em poder e os que permanecem na periferia da nova economia. >
Nesse contexto, o papel das políticas públicas torna-se central. Investimentos em formação digital de base, programas de capacitação em IA aplicados a diferentes grupos sociais e incentivos para que escolas públicas incorporem essa tecnologia em sua prática pedagógica são medidas essenciais. O futuro não pode ser privilégio de alguns — deve ser um projeto coletivo.>
Lucas Reis é Pesquisador no INCT-DD, presidente da ABMP, vice-presidente de operações do IAB Brasil e fundador da Zygon.>