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O ano é 2025 e o tesão está sendo tratado como reparação social

Afeto e desejo pertencem ao íntimo e resistem a qualquer tentativa de militância ou enquadramento

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 13 de setembro de 2025 às 08:00

Ser desejado não é um direito, é possibilidade
Ser desejado não é um direito, é possibilidade Crédito: Reprodução

Outro dia, parei num post achando que fosse mais um meme, só que não era. Pelo contrário, alguém explicava, com toda a seriedade do mundo, que “bifobia” é o termo para quem não sente atração sexual por pessoas que desejam homens e mulheres. Com isso, os “bifóbicos” passam a integrar um coletivo específico. Isso porque quem leva em conta a idade de parceiro já está na mira faz tempo, quem prefere certo tipo de corpo também já está rotulado, quem evita iniciar relações com pessoas em sofrimento psíquico igualmente faz parte da lista que ainda conta com outros tipos de “pessoas horríveis”. Tá certo, mas eu só quero saber o seguinte: quando foi que o mundo passou a acreditar que ser objeto de desejo é um direito adquirido?

Por essa lógica, então, decretamos o fim da subjetividade de todos os indivíduos e eu nem sei como isso seria. O que é que resta do encontro humano se eliminamos corpo, cheiro, voz, história, marcas de vida, aquele detalhe aparentemente banal que desperta interesse em uma pessoa e repulsa em outra? O que acontece se perdemos o direito de ESCOLHER, de acordo apenas com nossa própria vontade? Sobra que qualquer um serve para qualquer outro? Mas se o desejo nasce justamente daquilo que escapa à lógica, do que é arbitrário e, necessariamente, íntimo? Lamentavelmente, estão militando errado e explico.

Repare que há uma confusão recente entre os campos da vida coletiva e da vida íntima. O espaço comum precisa garantir dignidade, acesso a oportunidades e proteção contra violência a TODAS AS PESSOAS. Já o espaço íntimo opera em outra lógica, movida por forças que terceiros não controlam, e não “precisa” de nada. Gostar ou não gostar de alguém não é decisão que deva obediência a critérios públicos. Desejo é resposta enraizada em experiências pessoais, lembranças, fantasias e até acidentes biográficos. Tratar isso como questão de virtude é como exigir que os sonhos noturnos sigam algum protocolo específico. Uma necessidade de controle impossível que só Freud explica.

Não querer alguém não significa a desumanizá-lo, do mesmo modo que querer não significa a reconhecê-lo por inteiro. O desejo não é declaração política, é gesto particular. Obrigar cada escolha íntima a funcionar como vitrine moral é condenar a vida erótica a virar peça publicitária, o que já vem ocorrendo. Resultado é que, em vez de encontros genuínos, a gente vê cada vez mais encenações cuidadosamente editadas para evitar julgamento alheio. Inclusive, conforme sabemos, com muitas pessoas “escondendo” parceiros que, por algum motivo, contradizem a imagem pública desejada. É raro, mas acontece muito, inclusive.

As consequências desse “patrulhamento” (a palavra voltou!) são gravíssimas. Por um lado, gente mais fraca da cabeça começa a sentir culpa por não se atrair por quem “deveria”. Do outro lado, pessoas passam a interpretar recusas como “injustiças”, e de repente temos uma contabilidade do afeto que lembra repartição pública. “Sim” e “não” perdem espontaneidade, ficam cercados de justificativas, protocolos e medo de acusações. A liberdade de dizer “não quero porque não sinto vontade” desaparece, substituída pela obrigação de dar explicações convincentes. Aí, o óbvio: quando o íntimo precisa ser defendido como tese de doutorado, algo já se perdeu irremediavelmente.

O que merece preocupação e esforço coletivo é garantir que ninguém seja humilhado ou violentado, que cada pessoa possa existir sem medo. Fora isso, gastar energia tentando legislar sobre a cama de terceiros não é nada além de ridículo. Sendo assim, vamos combinar que o desejo do outro não é benefício social e, portanto, não pode ser distribuído como vale-refeição nem incluído em pacote de direitos universais. Desejar é revolução particular que não se enquadra em planilhas nem em comitês de avaliação moral. Cada tesão tem a assinatura secreta da vida, da história e do corpo de quem sente. Esses são os fatos. Lidemos.

Siga a autora no Instagram: @flaviaazevedoalmeida