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Millena Marques
Publicado em 11 de setembro de 2025 às 06:00
Moradores que se recusam a pagar taxas condominiais estão sendo processados pela administração do suposto condomínio Planeta Água, situado em Barra do Jacuípe, distrito turístico de Camaçari, na Grande Salvador. Ao menos duas pessoas tiveram bens penhorados e avaliados neste ano. A prefeitura, no entanto, já confirmou que o local é um loteamento. >
Localizado às margens da BA-099, na Estrada do Coco, o loteamento Vale da Landirana foi criado por decreto municipal, em julho de 1980, por meio do Decreto 690/80, regido pela Lei Federal de Parcelamento do Solo (Lei n. 6.766/79), onde todas as vias e áreas verdes são patrimônio público. >
Apesar disso, a 2ª Vara do Sistema dos Juizados de Camaçari determinou a penhora do carro de Raffaella Maria Menni. “Em 2016/2017, começaram com essa história de ser um condomínio, mas nunca foi. A mesma juíza deu liberdade para outro morador, que mora na quadra ao lado da minha, falando que não tinha obrigação de pagar condomínio, mas eu tenho que ser penhorada”, conta. A decisão foi assinada pela juíza Elbia Rosiane Sousa de Araujo Lyra. >
Antes da penhora do carro, Raffaella teve uma moto penhorada e uma conta corrente bloqueada por se recusar a pagar as taxas condominiais. “Quando Raffaella comprou (o terreno), era tudo aberto. Acabaram colocando uns portões aqui, que até impedem que outras pessoas que venham nos visitar tenham acesso ao nosso imóvel”, relata o marido, Marcos, que preferiu não divulgar o sobrenome.>
Rafaella e Marcos nunca pagaram taxas condominiais no local. A dívida, segundo eles, já é de mais de R$ 69 mil, com juros e honorários de advogados. “A gente não tem serviço nenhum neste local para pagar o valor de um condomínio de lugar de luxo, para morar num local que é loteamento. Não existe isso”, diz Marcos. Os valores da taxa mensal variam entre R$ 185 e R$ 480. “Pagam mais barato os moradores que são privilegiados”, diz um morador, que não quis se identificar por medo de represálias. >
Loteamento Vale da Landirana, em Barra do Jacuípe
A aposentada Valda Dantas, de 74 anos, mora no loteamento há 40 anos. Em fevereiro deste ano, a Justiça pediu avaliação dos bens dela. “Eu vi isso aqui nascer, criei meus três filhos aqui. Eu não posso acessar o rio que tem aqui por que quem não paga (a taxa), não acessa o rio. E ainda existe um privilégio: um morador paga um valor, outro morador paga outro”, diz. >
De acordo com Valda, um grupo de moradores criaram a associação e começaram a impor taxas condominiais. “Tiveram a ideia de transformar em condomínio assim que chegou a luz, a água. A data exata eu não tenho, mas foi há cerca de 20 anos”, conta. Ela ainda reitera que as condições ofertadas pela administração não são de um condomínio. “Não tem área de lazer, não tem nada. Eles pegaram a área do rio e cercaram, como se fosse área pertencente a um condomínio, mas é área verde”, diz. O processo de dona Valda tem sete anos, um dos primeiros, segundo a moradora. >
Os moradores informaram que já acionaram o Ministério Público da Bahia (MP-BA), mas não obtiveram sucesso.>
Em dezembro de 2022, o CORREIO já havia denunciado casos de moradores que estavam tendo bens bloqueados e penhorados para pagar dívidas com um condomínio que não existe. À época, a Prefeitura de Camaçari emitiu uma nota confirmando que o Planeta Água não consta nos registros do município.>
“A Prefeitura de Camaçari, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Sedur), em resposta ao Jornal Correio, informa que permanece válido o Ofício 00923 de 2021, o qual estabelece que: ‘não consta nos registros da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Município (SEDUR) o Condomínio Planeta Água, sendo que trata-se do Loteamento Vale da Landirana, aprovado no Município em 16/07/1980, por meio do Decreto 690/80, regido pela Lei Federal de Parcelamento do Solo (Lei n. 6.766/79), onde todas as vias e áreas verdes são patrimônio público. É o que se extrai, inclusive, da certidão colacionada aos autos na fl. 7.”, diz a nota. Até a publicação desta matéria nada mudou. O local ainda é considerado um loteamento.>
O que diz a administração >
Em nota, a administração do Planeta Água informou que a penhora de bens decorreu de decisões judiciais após o processo legal. “O que de fato ocorre é a existência de processos judiciais de cobrança de débitos condominiais em face de um número restrito de condôminos que, apesar de usufruírem plenamente de todos os serviços e benefícios oferecidos pelo Condomínio Planeta Água, o que inclui a valorização de seus respectivos imóveis, persistem no não pagamento de suas cotas-partes", diz trecho da nota. >
No documento, a administração diz que as despesas condominiais abrangem serviços essenciais e inadiáveis, como segurança patrimonial e pessoal, portaria 24 horas, coleta de lixo, manutenção de áreas comuns e infraestrutura. “Os quais são indispensáveis para a valorização dos imóveis e a funcionalidade do empreendimento”, diz. (Veja nota completa abaixo)>
O que diz a Lei >
O advogado Matheus Moraes, especialista em Direito Tributário e Processo Civil e sócio do escritório Garcia Landeiro Carvalho Moraes Advogados (GLCM), explica que loteamentos não podem cobrar a taxa condominial. "Loteamento não se equipara a um condomínio. Cada um possui legislação própria. Entre as diferenças, por exemplo, as vias internas dos loteamentos permanecem públicas e somente com autorização municipal é possível instalar cancelas ou guaritas. Diferentemente dos condomínios, cujas vias internas permanecem privadas", pontua. >
O que é possível é que a associação, no máximo, exija taxa associativa. E, ainda assim, somente em duas hipóteses básicas: se o proprietário voluntariamente se associou, a chamada associação voluntária, ou se a matrícula do imóvel trouxer o registro da existência da associação. "Se a existência da associação estiver registrada na matrícula do imóvel, presume-se que o proprietário, ao comprar aquele bem, sabia da existência da associação e concordou com a sua instituição e financiamento", explica. Estes posicionamentos estão consolidados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).>
A reportagem solicitou mais informações dos processos ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) no dia 26 de agosto deste ano. O órgão acusou recebimento e disse que retornaria assim que possível. No mesmo dia, o CORREIO pediu um posicionamento do Ministério Público, mas não houve respostas até a publicação desta matéria. >
Nota completa da administração do Planeta Água>
O CONDOMINIO PLANETA ÁGUA, pessoa jurídica de direito privado, inscrito no CPNJ n° 34.327.239/0001-92, com endereço na Rodovia BA 099, Km 31, Barra do Jacuípe, Camaçari/BA, CEP: 42.805-200, neste ato representado pelo síndico abaixo signatário, serve-se do presente documento e em resposta à sua solicitação, referente às alegações de denúncias sobre supostas penhoras de bens de moradores do Condomínio Planeta Água devido a taxas condominiais não pagas, cumpre-nos esclarecer os fatos com a máxima transparência e rigor.>
O Condomínio Planeta Água, com mais de duas décadas de existência, é uma comunidade consolidada que demanda uma estrutura robusta para garantir a segurança, o bem-estar e a qualidade de vida de seus condôminos. As despesas condominiais abrangem serviços essenciais e inadiáveis, como segurança patrimonial e pessoal, portaria 24 horas, coleta de lixo, manutenção de áreas comuns e infraestrutura, os quais são indispensáveis para a valorização dos imóveis e a funcionalidade do empreendimento.>
Informamos, de forma categórica, que as alegações de penhora de bens divulgadas não correspondem à realidade dos fatos. O Condomínio Planeta Água não promoveu ou efetivou qualquer penhora de bens ou imóveis de seus moradores. Tal medida, quando cabível, decorre exclusivamente de decisões judiciais transitadas em julgado, após o devido processo legal.>
O que de fato ocorre é a existência de processos judiciais de cobrança de débitos condominiais em face de um número restrito de condôminos que, apesar de usufruírem plenamente de todos os serviços e benefícios oferecidos pelo Condomínio Planeta Água, o que inclui a valorização de seus respectivos imóveis, persistem no não pagamento de suas cotas-partes. A contribuição para as despesas condominiais é uma obrigação legal de cada condômino, essencial para a manutenção do patrimônio comum e a prestação dos serviços fundamentais. A inadimplência de alguns prejudica diretamente a coletividade e compromete a sustentabilidade financeira do condomínio.>
Todos os processos de cobrança mencionados encontram-se em tramitação regular no Poder Judiciário, acompanhados e fiscalizados pelas instâncias competentes, garantindo-se o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. A atuação do condomínio se restringe à busca da satisfação de seus créditos através dos meios legais cabíveis, sempre em conformidade com a legislação vigente e sob a supervisão judicial.>
Reiteramos que a administração do Condomínio Planeta Água pauta suas ações pela legalidade, transparência e pelo compromisso com a defesa dos interesses de toda a coletividade condominial. Qualquer informação que sugira condutas arbitrárias ou penhoras extrajudiciais é infundada e não procede.">