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Quem pode envelhecer?

E as vagas de emprego que sempre esperam por juven- tude e descar- tam a experiência de quem já viveu mais?

  • M
  • Mariana Paiva

Publicado em 23 de novembro de 2025 às 05:00

O tema da redação do ENEM fazendo todo mundo olhar de vez pro tempo, com tudo que tem de bom e ruim. Quem nunca? Cabe a poesia de celebrar a vida - o oposto de ter tempo é a morte - mas também as perdas que vêm junto com o passar do tempo, e num mundo que vive em negação. Quantas pessoas idosas cabem no universo em que você vive, nas calçadas falhadas das ruas? E as vagas de emprego que sempre esperam por juventude e descartam a experiência de quem já viveu mais? Ou você nunca parou pra pensar que o tempo do semáforo nem sempre dá pra uma pessoa idosa - com o ritmo próprio dos anos que pesam - atravessar em segurança?

Se tivermos sorte, chegaremos lá, nesse tempo em que os ossos, os músculos, o corpo todo reclama; e, se tivermos mais sorte ainda - contando com um esforço prévio e a genética que ajude - chegaremos bem. Mas não só isso. É que nem todo mundo pode chegar igual: que bem o digam os meninos pretos das comunidades, que tantas vezes nem alcançam a idade adulta. Nem todo mundo também tem a oportunidade de ser um homem ou uma mulher “que se cuida”, porque às vezes a jornada até o trabalho é longa e sacrificante, e vamos combinar? Não são as mesmas vinte e quatro horas. E se cuidar exige tempo e dinheiro.

Não dá pra pensar que a mulher que sai de casa às quatro para estar na casa dos patrões a tempo de servir o café e que volta pra casa já com o dia anoitecido pra cuidar da sua casa e da sua família vai ter a mesma chance de envelhecer saudável que quem tem o ativo mais importante de nossos tempos (e não por acaso), o tempo. Outro dia, uma menininha num vídeo de rede social respondeu, quando perguntada sobre o que queria ser quando crescesse: “mãe com roupa de academia". É um sintoma da sociedade em que vivemos, e até uma criança de cinco anos já notou.

Isso porque ainda não chegamos na insegurança alimentar, na carestia que é fazer um mercado, e na quantidade cada vez maior de agrotóxicos nos vegetais. É mais barato comer um miojo com linguiça do que comida de verdade, e nem sempre isso passa por escolha: estamos falando de gente que conta os centavos mês a mês, sem acesso a nutricionistas da moda, que pena meses pra marcar uma consulta de urgência quando adoece. Envelhecer, pra essas pessoas, é o verdadeiro luxo. É quase uma contramão do que a sociedade espera.

O filósofo Achille Mbembe tem um nome pra isso: necropolítica. É quando os governos decidem quem vive e quem morre, ao tratar as pessoas de forma desigual. Algo como dizer que para um grupo se trabalha com afinco, para garantir boas condições (e até mesmo conforto), enquanto outros são descuidados. Os mecanismos de perpetuação de poder. Isso aí qualquer notícia de qualquer jornal pode mostrar rapidinho pra gente, nem precisa diploma de sociologia pra entender. Quem tá nas páginas policiais? Quem tá nas outras, de terno e gravata? Pronto, respondeu.

E quando enfim as pessoas se tornam idosas? O ritmo acelerado em que vivemos espera por elas? Os carros altos, a falta de acessibilidade, as filas dos restaurantes que tantas vezes não garantem atendimento para as prioridades por lei são apenas alguns dos exemplos. A cara de pau dos rapazes que colocam o carro na vaga reservada só porque é rapidinho, só porque já voltam. É com esse tipo de estupidez que se lida. E com políticas públicas e privadas que priorizam cartões digitais, reconhecimento facial e centenas de outras tecnologias que, a despeito de sua importância, terminam por excluir em vez de incluir.

Apesar de um ou outro avanço (mudar a representação da pessoa idosa de bengala na placa de trânsito por uma pessoa em pé, por exemplo), ainda temos muito o que caminhar. Que bem o digam as mulheres que conservam seus cabelos grisalhos, apesar dos comentários não-solicitados para que se cuidem, enquanto um galã de cinema idoso é sempre sinônimo de puro charme. E assim a indústria de rejuvenescer mulheres enriquece, às custas de estarmos sempre insatisfeitas com o reflexo no espelho.

Ou seja, ainda tem mais essa: mulheres e homens envelhecem diferente. Quer um exemplo? Vera Fischer interpretou a mãe do personagem de Felipe Camargo na novela Mandala, e ela tinha apenas nove anos a mais que ele. Quer outro exemplo, pior ainda? Angelina Jolie interpretou a mãe do personagem de Colin Farrell em Alexandre (2004), e a diferença de idade dos dois é de menos de um ano. Se essas mulheres que são símbolo de beleza e de poder são tratadas assim, imagina as meras mortais?

É claro que, vendo esse panorama, quem tiver juízo vai ter receio de envelhecer. Pelo menos aqui, pelo menos agora. Mas que é um bom começo botar uma barreira de gente pra passar um tempão quebrando a cabeça sobre o tema pra escrever redação no ENEM, ah, isso é. Quem sabe o futuro nos reserve surpresas melhores do que o que já está posto. Mais respeito, mais dignidade, mais empatia. Ainda mais porque, com sorte, envelhecer é o que nos espera.